Paróquia de S. Cristóvão do Muro

Vigararia Trofa/Vila do Conde
Diocese do Porto - Portugal

sexta-feira, 31 de março de 2017

UMA NOVA ESCRAVIDÃO PARA AS MULHERES



Lucetta Scaraffia




Uma nova escravidão que não pode ser julgada diversamente só porque é paga e voluntária
 

Houve um debate na Itália sobre o decreto do juiz de Trento que aceitou considerar dois homens como pais de dois gémeos, nascidos com o recurso ao útero alugado.

Mas o debate foi pesadamente falsificado pelo prevalecer de um ponto de vista parcial: ou seja, considerar inevitável esta decisão, perfeitamente em sintonia com o progresso humano, e por conseguinte julgar qualquer atitude crítica como um sinal de absurda resistência à modernidade.

Trata-se de uma modalidade que imprime a cada entrevista, inclusive a quantos são contrários a esta decisão, uma interpretação obrigatória.
Com efeito, seria só questão de tempo para ver realizado também na Itália qualquer «sonho de genitorialidade» que envolve o aluguer do útero e a aceitação de duas pessoas do mesmo sexo como pais.

Surpreende uma mulher como eu, feminista, o facto de num momento como este, no qual tantas energias e vozes se dedicam à denúncia, justamente, da violência sobre as mulheres, que haja tão poucas mulheres a denunciar o que está a acontecer contra elas no nível fundamental da maternidade.
Ou seja, que a venda do corpo feminino – tradicionalmente limitada às prestações sexuais ou, outrora, à amamentação – se tenha alargado a todo o corpo da mulher, ao seu íntimo, ao útero, e por um tempo longo, os nove meses de uma gravidez.

Uma nova escravidão que não pode ser julgada diversamente só porque é paga e voluntária.
As penosas condições legais impostas à mulher – por exemplo, aceitar o aborto se o decidir quem faz a encomenda, ou então já ter filhos para se afeiçoar menos à criança que leva no seio – frisam ulteriormente o carácter desumano da transacção.
Assim como a outra condição à qual sempre, por «prudência», se recorre: nunca utilizar o oócito da mãe que aluga, mas comprá-lo a outra mulher.
Com o resultado que a figura materna é definitivamente destruída, feita em bocados.

Foi o que fizeram os dois pais, para garantirem que os filhos fossem deveras só de sua propriedade, com o consentimento da lei canadense.

Como é possível que não se veja uma acção profundamente misógina nesta operação de tipo comercial, que pretende ser enobrecida por um desejo que não pode ser considerado um direito para ninguém?
Com efeito, trata-se de uma consciente e desejada destruição da figura materna, levada a termo com obstinação, de modo que aquelas crianças nunca tenham uma mãe.
Todos sabem que dois pais não substituem uma mãe, assim como duas mães não podem substituir um pai.

Se a vida, por vezes, impõe que seres humanos convivam desde a origem com esta grave falta, é preciso procurar remediar.
Mas criar a falta voluntariamente – e além do mais, protegidos pela lei – unicamente para satisfazer o desejo de dois adultos, é deveras uma acção cruel.

E a cultura que nos circunda, a qual insiste em interpretar esta situação anormal como o resultado do progresso que avança, quase como se estivesse animado por um espírito próprio, e por conseguinte não controlável, está a manchar-se de culpas graves.
Ao contrário, o alarme deve ser lançado e em voz alta.
E são sobretudo as mulheres, as mais danificadas por estas absurdas manipulações, que devem lutar para se defenderem a si mesmas e às crianças.

Lucetta Scaraffia


Editorial de L'Osservatore Romano, 4 de Março de 2017


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