Paróquia de S. Cristóvão do Muro

Vigararia Trofa/Vila do Conde
Diocese do Porto - Portugal

sábado, 15 de fevereiro de 2020

EUTANÁSIA: UMA PROPOSTA LEGISLATIVA DE INVERNO





Prof. Jorge Teixeira da Cunha


A Assembleia da República vai apreciar de novo diversas propostas de legislação despenalizadora da chamada eutanásia


   
  
A Assembleia da República vai apreciar de novo diversas propostas de legislação despenalizadora da chamada eutanásia.
Antes da questão política e legal, existe um ponto de vista antropológico e ético ao qual é necessário sempre regressar, em ordem a um debate que não acabará, seja qual for a lei aprovada.

A primeira coisa que se pode dizer é que a eutanásia é uma falsa questão.
De um modo geral, as razões que se apresentam para mostrar a necessidade de despenalizar a acção de antecipar a morte andam à volta do sofrimento e a dor que acompanham certas formas de morrer.
Ora, sabemos que a medicina paliativa tem hoje modos de anestesiar as pessoas moribundas de forma muito eficaz.
Estes cuidados finais antecipam o momento da morte mas são reconhecidos como um direito dos moribundos e como uma obrigação do sistema de saúde.
Alguns propõem que se chame “ortotanásia” a estes cuidados moralmente obrigatórios.
A eutanásia é diferente.

De facto, pode haver algumas pessoas que, por vontade actual ou antecedente, peçam a eutanásia, que se define como acção ou omissão que visa directamente antecipar a morte de um moribundo.
Ortotanásia e eutanásia são acções diferentes.
Enquanto a primeira é prestada à maioria, parece que não haverá grande número de pedidos de eutanásia propriamente dita.
No entanto, a haver despenalização será deste último comportamento.

Em segundo lugar, ocorre voltar sempre de novo à distinção entre despenalização e legalização de um comportamento.
A distinção é importante, uma vez que despenalizar pode ser justificado ao passo que legalizar a morte nunca o pode ser segundo a moral cristã.
Despenalizar é um procedimento que visa possibilitar a convivência cívica e política numa sociedade pluralista.
Mas a despenalização não implica que a acção deixe de ser moralmente proibida.
Tem havido um movimento despenalizador aceite pela moral cristã.
Hoje ninguém desejaria voltar a penalizar a blasfémia ou o adultério.
Mas continuam a ser pecados.
Por isso, mesmo que a eutanásia venha a ser despenalizada, não deixará de ser moralmente proibida pela moral cristã.

Em terceiro lugar, podemos tentar resumir aquilo que deve ser, do ponto de vista da teologia moral, a posição dos cristãos perante um problema como a eutanásia.
Antes de tudo, deve ser a serena oposição ao sentido moral da eutanásia.
Essa posição deve ser motivada por boas razões, proposta com caridade, repetida com paciência e sem ira ou intolerância.
A posição dos cristãos deve ser também uma lúcida distinção entre o que são aspectos bárbaros [da] nossa forma de vida (que levam à tentação de praticar a eutanásia) e aquilo que é o crescimento da liberdade.

Este aspecto é de grande actualidade, pois colocar a faculdade de terminar a vida como forma de crescimento da liberdade é uma estranha aproximação de coisas incompatíveis.
Por fim, os cristãos devem ter uma grande capacidade de admitir uma hierarquia de verdades.
Assim, devem cultivar a unanimidade no repúdio da eutanásia e no esforço por livrar dessa tentação seja quem for.

Mas é justo admitir que pode haver outros cristãos que, mesmo sendo moralmente contra a eutanásia, podem ser favoráveis à sua despenalização jurídica, por boas razões.
Este último ponto, ao contrário do primeiro, admite pluralidade de opiniões.
Mas é sempre necessário uma iluminação recíproca, com caridade e lucidez.

Jorge Teixeira da Cunha


Fonte: Editorial da Voz Portucalense, 13Fev2020


Sem comentários:

Enviar um comentário