Cristãos,
muçulmanos, judeus, hindus e budistas unidos contra a eutanásia
Representantes
de comunidades cristãs, muçulmanas, judaicas, hindus e budistas
presentes em Portugal assinaram na passada Quarta-feira, dia 16 de
Maio de 2018, uma declaração conjunta em que rejeitam a legalização
da eutanásia no país.
Os
responsáveis de oito Igrejas e comunidades religiosas, incluindo o
cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, recordam princípios
comuns às suas tradições, como “a misericórdia e a compaixão”,
que “configuraram, ao longo da história da civilização, modelos
sociais capazes de criar, em cada momento, modos precisos de
acompanhar e cuidar os membros mais frágeis da sociedade”.
“Nós,
comunidades religiosas presentes em Portugal, acreditamos que a vida
humana é inviolável até à morte natural e perfilhamos um modelo
compassivo de sociedade”.
“Acreditamos
que os cuidados paliativos são a concretização mais completa desta
resposta que o Estado não pode deixar de dar, porque aliam a maior
competência científica e técnica com a competência na compaixão,
ambas imprescindíveis para cuidar de quem atravessa a fase final da
vida”.
A
declaração é assinada pela Aliança Evangélica Portuguesa,
Comunidade Hindu Portuguesa, Comunidade Islâmica de Lisboa,
Comunidade Israelita de Lisboa, Igreja Católica, Patriarcado
Ecuménico de Constantinopla (Igreja Ortodoxa), União Budista
Portuguesa e União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia.
O
documento vai ser entregue ao presidente da República e ao
Parlamento.
Declaração
do Grupo de Trabalho Inter-religioso Religiões-Saúde:
CUIDAR
ATÉ AO FIM COM COMPAIXÃO
O
debate em curso na sociedade portuguesa sobre a realidade a que se
tem chamado “morte assistida” convoca todos a realizarem uma
reflexão e a oferecerem o seu contributo para enriquecer um processo
de diálogo que necessita da intervenção da pluralidade dos actores
sociais.
As
Tradições religiosas são portadoras de uma mensagem sobre a vida e
a morte do homem, bem como sobre o modelo de sociedade que
constituímos, e é legítimo e necessário que a apresentem, com
humildade e liberdade.
Agora
que a Assembleia da República vai discutir e colocar em votação
propostas de uma eventual lei sobre a eutanásia, nós, as
comunidades religiosas presentes em Portugal signatárias,
conscientes de que vivemos um momento de grande importância para o
nosso presente e o nosso futuro colectivo, declaramos:
1.
A dignidade daquele que sofre
Acreditamos
que cada ser humano é único e, como tal, insubstituível e
necessário à sociedade de que faz parte, sujeito de uma dignidade
intrínseca anterior a todo e qualquer critério de qualidade de vida
e de utilidade, até à morte natural.
A
vida não só não perde dignidade quando se aproxima do seu termo,
como a particular vulnerabilidade de que se reveste nesta etapa é,
antes, um título de especial dignidade que pede proximidade e
cuidado.
Assumimos
que todo o sofrimento evitável deve ser evitado e, por isso, estamos
gratos porque o desenvolvimento das ciências médicas e
farmacológicas alcançou um tal patamar de desenvolvimento que
permite o eficaz alívio da dor e a promoção do bem-estar.
Contudo,
não ignoramos o carácter dramático do sofrimento e a dificuldade
de que se reveste a elaboração de um sentido para o viver.
Sabemos
que a religião oferece uma possibilidade de sentido a quem acredita,
mas sabemos também, pela experiência do acompanhamento de tantos
que não são religiosos, que não depende de o ser a possibilidade
de encontrar sentido para o próprio sofrimento.
Com
esses aprendemos, aliás, que nesta tarefa reside uma das maiores
realizações da dignidade pessoal.
A
dignidade da pessoa não depende senão do facto da sua existência
como sujeito humano e a autonomia pessoal não pode ser esvaziada do
seu significado social.
2.
Por uma sociedade misericordiosa e compassiva
O
sofrimento do fim de vida é, para cada pessoa, um desafio espiritual
e, para a sociedade, um desafio ético.
Comuns
às diferentes Tradições religiosas, princípios como a
misericórdia e a compaixão configuraram, ao longo da história da
civilização, modelos sociais capazes de criar, em cada momento,
modos precisos de acompanhar e cuidar os membros mais frágeis da
sociedade.
Hoje,
o morrer humano é um dos âmbitos em que este desafio nos interpela.
O
que nos é pedido não é que desistamos daqueles que vivem o período
terminal da vida, oferecendo-lhes a possibilidade legal da opção
pela morte, à qual pode conduzir a experiência do sofrimento sem
cuidados adequados.
Esse
é o verdadeiro sofrimento intolerável, que cria condições para o
desejo de morrer.
Nasce
de uma sociedade que abandona, que se desumaniza, que se torna
indiferente.
Confirma-nos
nesta convicção a experiência de que quem se sente acompanhado não
desespera perante a morte e não pede para morrer.
O
que nos é pedido é, pois, que nos comprometamos mais profundamente
com os que vivem esta etapa, assumindo a exigência de lhes oferecer
a possibilidade de uma morte humanamente acompanhada.
3.
Os Cuidados Paliativos, uma exigência inadiável
Acreditamos
que os cuidados paliativos são a concretização mais completa desta
resposta que o Estado não pode deixar de dar, porque aliam a maior
competência científica e técnica com a competência na compaixão,
ambas imprescindíveis para cuidar de quem atravessa a fase final da
vida.
A
verdadeira compaixão não é insistir em tratamentos fúteis, na
tentativa de prolongar a vida, mas ajudar a pessoa a viver o mais
humanamente possível a própria morte, respeitando a naturalidade
desta.
Os
cuidados paliativos fazem-no, valorizando a pessoa até ao seu fim
natural, aliviando o seu sofrimento e combatendo a solidão pela
presença da família e de outros que lhe sejam significativos.
Interpelamos
a sociedade portuguesa para corresponder à exigência não mais
adiável de estender a todos o acesso aos cuidados paliativos e
assumimos a disponibilidade e a vontade de fazermos tudo o que esteja
ao nosso alcance para participar neste verdadeiro desígnio nacional.
E
não podemos deixar de interrogar se a presente discussão, antes de
realizado este investimento, não enfermará de falta de propósito.
As
Tradições religiosas professam que a vida é um dom precioso e,
para as religiões abraâmicas, um dom de Deus e, como tal, se
reveste de carácter sagrado; mas este apenas confirma a sua
dignidade natural, da qual derivam a sua inviolabilidade e
indisponibilidade intrínsecas, que, portanto, não dependem da
fundamentação religiosa.
Mas
a religião confere à vida um sentido, uma esperança, uma outra
possibilidade de transcendência.
As
sociedades precisam desta visão do humano ao lado de todas as
outras.
Nós,
comunidades religiosas presentes em Portugal, acreditamos que a vida
humana é inviolável até à morte natural e perfilhamos um modelo
compassivo de sociedade e, por estas razões, em nome da humanidade e
do futuro da comunidade humana, causa da religião, nos sentimos
chamados a intervir no presente debate sobre a morte assistida,
manifestando a nossa oposição à sua legalização em qualquer das
suas formas, seja o suicídio assistido, seja a eutanásia.
Por
isso assinamos em conjunto a presente Declaração.
Lisboa,
16 de Maio de 2018
Eutanásia.
O que está em jogo?
Fonte:
Agência Ecclesia
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