Às
16H00 de hoje na Catedral do Porto
Homilia
na Entrada Solene na Diocese do Porto
A
intimidade com o Ressuscitado
projecta-nos
para o serviço dos irmãos
É
bela esta passagem do Evangelho: Aquele que congregou os Doze à sua
volta, qual verdadeira família, e sofreu a sua fuga e abandono,
parece que não consegue viver sem eles.
Por
isso, procura-os e recria a antiga convivialidade, como se nada
tivesse acontecido.
Para
bem deles mesmos, já que, longe de Jesus, se debatem com o remorso,
a incredulidade e o medo, somente superados pela oferta do encontro
tu-a-tu.
Como
que a dizer, a eles e a nós, que a misericórdia de Deus não falha,
mesmo quando entra a nossa traição mais vergonhosa.
E
que é Ele quem nos procura para dar um sentido empolgante à
tentativa de recomeçarmos uma nova caminhada.
Lida
em chave catequética, esta passagem evangélica diz-nos também que
a «qualidade de vida», inaugurada pelo Ressuscitado, passa por
aquelas dimensões que constituem o cerne do discipulado ou do ser
Igreja: a evangelização, de que Jesus é Mestre, a ponto de
conseguir a proeza de lhes abrir “o entendimento para compreenderem
as Escrituras”; a liturgia, já que tudo se passa no contexto da
cena dos “discípulos de Emaús que contaram […] como tinham
reconhecido Jesus ao partir do pão”; e a caridade, pois o “Mestre
e Senhor”, que já tinha dado o exemplo do lava-pés, agora chega
ao ponto de se identificar com os esfomeados e implorar “alguma
coisa para comer”.
É
este anúncio, celebração e compromisso que constitui o cerne do
Evangelho, aquele que, nós, aqui no Porto, juramos constituir a
nossa “alegria” e “a nossa missão”.
É,
também, desta intimidade, verdadeiro paradigma teológico e núcleo
embrionário da Igreja, que nasce a obra apostólica, pois os
discípulos compreenderam bem “que havia de ser pregado em seu nome
o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações,
começando por Jerusalém”.
E
que isso os implicava, a ponto de serem constituídos “as
testemunhas de todas estas coisas”.
Para
quê? A primeira leitura fornece-nos a resposta.
Em
todos os tempos e circunstâncias, o homem arrasta consigo a terrível
inclinação a contradizer o plano divino.
Se
“o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus de nossos pais,
glorificou o seu Servo Jesus”, as autoridades judaicas e os
habitantes de Jerusalém exigiram o seu aniquilamento.
Mesmo
que Pilatos tivesse intuído esta inversão dos valores e estivesse
“resolvido a soltá-l’O”.
E
nós estávamos lá, representados neles.
Por
isso, também nós negamos o Santo e Justo e pedimos “a libertação
de um assassino”.
A
obra da salvação tem de ser recuperada e actuada continuamente
porque também é incessante esta tentação de preferir o mal ao bem
e de optar pelo mundo das atitudes destruidoras, representadas na
história pessoal de Barrabás, gerando a morte do Justo.
É
a apavorante sina da humanidade: rejeitar a verdade da existência,
representada n’Aquele que São Pedro define como “o Príncipe da
Vida”, e eleger a mentira da insensibilidade perante a morte.
Que
o digam as vítimas das violências e das guerras.
Mas
que os digam também os descartados e marginalizados pela civilização
da abundância e do desfrute.
Todos
reconhecemos os enormes contributos que os múltiplos sectores da
sociedade podem dar para esta necessária e urgente sensatez humana,
para se obstar à inversão dos pólos: a transmissão dos valores na
família, o inestimável contributo da cultura, a força ordenadora
da lei justa, o papel organizador da actividade
político-administrativa, a prevenção ou repressão atribuídas às
Forças Armadas e às Forças de Segurança, etc.
Não
obstante, esta obra de salvação está confiada primordialmente à
Igreja, como guardiã da memória d’Aquele que “por nós homens e
para nossa salvação desceu dos Céus”.
A
comunidade crente actualiza essa salvação agindo, simultaneamente,
em dois âmbitos: internamente, na santificação, isto é, no tornar
os corações mais sensíveis, mais semelhantes ao de Cristo;
externamente, contribuindo para a humanização das organizações e
das estruturas, no respeito pela autonomia das realidades terrenas.
Caros
diocesanos do Porto, minhas senhoras e meus senhores, esta é a nossa
missão.
Porventura,
mesmo sem o reconhecer, esta é a fermentação evangélica que o
nosso mundo anseia.
Sim,
há muitas linguagens e compete-nos sermos especialistas na sua
decifração.
E
uma das que mais ressoam por aí é o grito da opressão do
sem-sentido que tanto fecha a pessoa no seu individualismo narcisista
como o conduz ao abandono dos outros.
Ser
presença de Igreja neste mundo passa, consequentemente, por “comover
[os corações] para desconvocar a angústia e aligeirar o medo”,
para usar a belíssima expressão de Agustina Bessa Luís.
Para
esta acção pastoral de “comover” os corações, conto com
todos.
Com
todos.
Conto,
sobremaneira, com os jovens.
Porque
não sei dizer melhor, repito-lhes as palavras do querido Papa
Francisco: “O tempo em que vivemos não precisa de jovens-sofá,
mas de jovens com sapatos. Melhor: com as sapatilhas calçadas. Este
tempo só aceita jogadores titulares em campo, não no banco de
suplentes”.
Jovens
e pessoas de todas as idades.
A
nossa equipa diocesana do Porto não terá, portanto, suplentes: nem
jovens nem crianças, nem adultos nem idosos, nem ricos nem pobres,
nem cultos nem humilhados.
Tê-los-á
a todos como titulares e em campo.
Certamente
treinados e capitaneados pelos bispos e padres.
Não
para gáudio destes, mas para, mais organicamente, obter bons
resultados e marcar pontos no actuar da salvação no mundo.
Não
se retira, portanto, a determinante importância aos pastores, mas
eleva-se o timbre de o ser, pois, como escreveu o director de um
grande jornal –de facto, a laicidade tem tanto a ensinar-nos!- “o
cristianismo é proximidade, o que faz a diferença entre o burocrata
e o pastor: um conta o número de ovelhas, o outro procura cuidar
delas”.
Pensemos
nisto, neste dia em que começa, em todo o país, a Semana de Oração
pelas Vocações de especial Consagração.
Caros
fiéis em Cristo, estamos todos na «barca de Pedro»: ou navegamos
ou nos afundamos. Então, o melhor será remarmos em conjunto.
***
Senhor
Núncio Apostólico, interrogo-me sobre as razões da minha nomeação
para tão honroso ministério, como seja este de Bispo do Porto, na
tradição, por exemplo, desse eminente e inesquecível D. António
Barroso, cujo báculo acompanhou todos os meus antecessores, desde há
cem anos e, agora, me sustenta a mim próprio.
E
não encontro outro motivo que não seja o meu sotaque beirão, mais
propriamente da Beira Douro: o Porto já estava habituado a ele desde
o senhor D. António Francisco.
Pois
bem, se o imito na pronúncia, saiba, igualmente, continuá-lo na
simplicidade encantadora, na afectividade envolvente e na bondade
contagiante.
É
que, tal como ele, também eu estou convencido que só isso lança
pontes da Igreja para o mundo e do mundo para a Igreja.
Nesta
linha, é com um coração duplamente agradecido que ressalto o gesto
das Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Gaia de atribuir o
nome de D. António Francisco dos Santos à nova ponte, estrutura de
aproximação e de encontro: agradeço este tributo à Diocese do
Porto que teve este ilustríssimo bispo como seu condutor; e agradeço
esta interpelação que me é feita, a mim, pessoalmente, qual seja a
necessidade de nunca me esquecer que um bispo é, por natureza e
mandato divino, um «pontífice», um construtor de pontes.
Tentá-lo-ei
com a ajuda divina que imploro por intermédio da «Rosa mística»,
a Virgem Santa Maria, venerada como Senhora da Assunção em toda a
Diocese e como Senhora da Vandoma nesta nossa cidade episcopal.
“Movidos
pelo amor de Deus”, vamos à nossa obra, irmãos.
+
Manuel Linda
Fonte:
Diocese do Porto; Agência Ecclesia
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