Paróquia de S. Cristóvão do Muro

Vigararia Trofa/Vila do Conde
Diocese do Porto - Portugal

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

A SOLIDARIEDADE É O CAMINHO PARA SAIRMOS MELHORES DESTA CRISE

 

O Papa Francisco na primeira Audiência pública desde o início da pandemia

(a última com presença de público foi em 27 de Fevereiro)

   

   

Já passaram 189 dias da última audiência geral com os fiéis na Praça São Pedro realizada no dia 26 de Fevereiro passado.

Regressam as audiências presenciais, hoje 2 de Setembro, no Pátio São Dâmaso do Palácio Apostólico no Vaticano.

O Papa Francisco continua a partilhar com todas as pessoas de boa vontade uma visão cristã para abordar as questões que a pandemia destacou, especialmente as "doenças sociais".

Na catequese de hoje, para ilustrar o “síndrome de Babel”, o Santo Padre recorda um conto medieval em que, durante a construção de uma torre, ninguém se lamentava se caía e morria um homem, mas sim se caía um tijolo, pois custava e exigia tempo e trabalho para fazê-lo:


Um tijolo valia mais do que a vida humana. Cada um de nós pense no que acontece hoje. Infelizmente, ainda hoje pode acontecer algo semelhante. Algumas cotações do mercado financeiro – vimos nos jornais estes dias – caem e as notícias aparecem em todas as agências. Milhares de pessoas morrem de fome, de miséria, e ninguém fala nisso.”



PAPA FRANCISCO

AUDIÊNCIA GERAL

Pátio São Dâmaso

Quarta-feira, 2 de Setembro de 2020

Catequese - “Curar o Mundo”: 5. A solidariedade e a virtude da fé


Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Depois de tantos meses retomamos o nosso encontro directo e já não através do ecrã. Directo. Isto é bom! A actual pandemia pôs em evidência a nossa interdependência: estamos todos ligados uns aos outros, tanto no mal como no bem. Por conseguinte, para sairmos melhores desta crise, devemos fazê-lo juntos, não sozinhos, juntos. Não sozinhos porque não se pode! Ou juntos ou não é possível. Temos que o fazer em conjunto, todos nós, em solidariedade. Gostaria de sublinhar hoje esta palavra: solidariedade.

Como família humana, temos uma origem comum em Deus; vivemos numa casa comum, o planeta-jardim, a terra em que Deus nos colocou; e temos um destino comum em Cristo. Mas quando esquecemos tudo isto, a nossa interdependência torna-se a dependência de uns em relação aos outros – perdemos esta harmonia da interdependência na solidariedade – aumentando a desigualdade e a marginalização; o tecido social debilita-se e o meio ambiente deteriora-se. É sempre o mesmo modo de agir.

Portanto, hoje o princípio de solidariedade é mais necessário do que nunca, como ensinou São João Paulo II (cf. Enc. Sollicitudo rei socialis, 38-40). Num mundo interligado, experimentamos o que significa viver na mesma “aldeia global”. Esta expressão é bonita: o grande mundo mais não é do que uma aldeia global porque tudo está interligado. Mas nem sempre transformamos esta interdependência em solidariedade. Há um longo caminho entre a interdependência e a solidariedade. Ao contrário, o egoísmo - individual, nacional e de grupos de poder - e a rigidez ideológica alimentam «estruturas de pecado» (ibid., 36).

«Embora um pouco desgastada e, por vezes, até mal interpretada, a palavra “solidariedade” significa muito mais do que algumas acções esporádicas de generosidade. É mais! Supõe a criação de uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns» (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 188). Isto significa solidariedade. Não é apenas questão de ajudar os outros – é bom fazer isto, mas é mais do que isto – trata-se de justiça (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1938-1940). Para ser solidária e dar frutos, a interdependência precisa de raízes fortes no humano e na natureza criada por Deus, precisa de respeito pelos rostos e pela Terra.

A Bíblia admoesta-nos desde o início. Pensemos na narração da Torre de Babel (cf. Gn 11, 1-9) que descreve o que acontece quando procuramos alcançar o céu - a nossa meta - ignorando a ligação com o humano, com a criação e com o Criador. É um modo de dizer: isto acontece todas as vezes que alguém quer subir, subir sem ter os outros em consideração. Só eu! Pensemos na torre. Construímos torres e arranha-céus, mas destruímos a comunidade. Unificamos edifícios e línguas, mas mortificamos a riqueza cultural. Queremos ser senhores da Terra, mas arruinamos a biodiversidade e o equilíbrio ecológico. Falei-vos noutra audiência sobre aqueles pescadores de San Benedetto del Tronto que este ano vieram e me disseram: “Tiramos 24 toneladas de lixo do mar, metade do qual era plástico”. Reflecti! Eles têm o espírito para pescar, mas também para tirar o lixo e para limpar o mar. Mas isto [a poluição] arruína a terra, não ser solidário com a terra, que é um dom, e para com o equilíbrio ecológico.

Lembro-me de um conto medieval que descreve esta “síndrome de Babel”, que é quando não existe solidariedade. Esta narração medieval conta que durante a construção da torre, quando um homem caía – eram escravos – e morria, ninguém dizia nada, no máximo: diziam “pobre homem, errou e caiu”. Ao contrário, se caísse um tijolo, todos se queixavam. E se alguém fosse culpado era punido. Porquê? Porque um tijolo era difícil de fazer, de preparar, de cozer. Eram necessários tempo e trabalho para fabricar um tijolo. Um tijolo valia mais do que a vida humana. Cada um de nós pense no que acontece hoje. Infelizmente, ainda hoje pode acontecer algo semelhante. Algumas cotações do mercado financeiro – vimos nos jornais estes dias – caem e as notícias aparecem em todas as agências. Milhares de pessoas morrem de fome, de miséria, e ninguém fala nisso.

O Pentecostes está diametralmente oposto a Babel, ouvimos no início da audiência (cf. At 2, 1-3). Descendo do alto como vento e fogo, o Espírito Santo investe a comunidade fechada no cenáculo, infunde-lhe o poder de Deus, impele-a a sair e a proclamar o Senhor Jesus a todos. O Espírito cria unidade na diversidade, cria harmonia. Na narração da Torre de Babel não havia harmonia; havia aquele ir em frente para ganhar. Ali o homem era um mero instrumento, uma simples “força de trabalho”, mas aqui, no Pentecostes, cada um de nós é um instrumento, mas um instrumento comunitário que participa inteiramente na construção da comunidade. São Francisco de Assis conhecia bem isto e, animado pelo Espírito, dava a todas as pessoas, aliás, a todas as criaturas, o nome de irmão ou irmã (cf. LS, 11; cf. São Boaventura, Legenda maior, VIII, 6: FF 1.145). Recordemos também o irmão lobo.

No Pentecostes, Deus faz-se presente e inspira a fé da comunidade unida na diversidade e na solidariedade. Diversidade e solidariedade unidas em harmonia, este é o caminho. Uma diversidade solidária possui os “anticorpos” para que a singularidade de cada um - que é um dom, único e irrepetível - não adoeça de individualismo, de egoísmo. A diversidade solidária também possui os anticorpos para curar estruturas e processos sociais que degeneraram em sistemas de injustiça, em sistemas de opressão (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 192). Portanto, hoje a solidariedade é o caminho a percorrer rumo a um mundo pós-pandemia, para a cura das nossas doenças interpessoais e sociais. Não há outro. Ou seguimos o caminho da solidariedade ou a situação vai piorar. Quero repetir: não se sai de uma crise da mesma forma que antes. A pandemia é uma crise. De uma crise só se sai melhores ou piores. Temos que escolher. E a solidariedade é precisamente um caminho para sairmos melhores da crise, não com mudanças superficiais, com uma pincelada, e tudo está bem. Não, melhores!

No meio da crise, uma solidariedade guiada pela fé permite-nos traduzir o amor de Deus na nossa cultura globalizada, não construindo torres nem muros – e quantos muros estão a ser construídos hoje – que dividem mas depois desmoronam, mas tecendo comunidades e apoiando processos de crescimento verdadeiramente humano e sólido. E nisto ajuda a solidariedade. Faço uma pergunta: penso nas necessidades dos outros? Cada qual responda no seu coração.

No meio de crises e tempestades, o Senhor interpela-nos e convida-nos a despertar e a activar esta solidariedade capaz de conferir solidez, apoio e um sentido a estas horas em que tudo parece naufragar. A criatividade do Espírito Santo nos encoraje a gerar novas formas de hospitalidade familiar, fraternidade fecunda e solidariedade universal. Obrigado.




Fontes: Santa Sé; Notícias do Vaticano


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