Celebra-se no próximo Domingo 23Out
tema: “Sereis minhas testemunhas”
Criado em 1926 pelo Papa Pio XI, o Dia Mundial das Missões comemora-se no penúltimo domingo de Outubro. Com este dia de oração e de evangelização dos povos, deseja-se incentivar a cooperação missionária pelo mundo e agradecer o contributo dos missionários na construção de um mundo melhor. Este ano, tem por tema “Sereis minhas testemunhas” (At 1, 8), palavras que se encontram no último encontro de Jesus ressuscitado com os seus discípulos antes de subir ao Céu, como se descreve nos Actos dos Apóstolos.
Está consignado em todo o País no fim-de-semana 22 e 23 de Outubro o Ofertório para auxílio às Obras Missionárias Pontifícias. É com estes meios que são ajudados os missionários e cristãos nos países pobres ou de perseguição ou onde os cristãos não têm liberdade para viver a sua fé.
MENSAGEM DE SUA SANTIDADE
PAPA FRANCISCO
PARA O DIA MUNDIAL DAS MISSÕES DE 2022
[23 de Outubro de 2022]
«Sereis minhas testemunhas» (At 1, 8)
Queridos irmãos e irmãs!
Estas palavras encontram-se no último colóquio de Jesus ressuscitado com os seus discípulos, antes de subir ao Céu, como se descreve nos Actos dos Apóstolos: «Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo» (1, 8). E constituem também o tema do Dia Mundial das Missões de 2022, que, como sempre, nos ajuda a viver o facto de a Igreja ser, por sua natureza, missionária. Neste ano, o citado Dia proporciona-nos a ocasião de comemorar algumas efemérides relevantes para a vida e missão da Igreja: a fundação, há 400 anos, da Congregação de Propaganda Fide – hoje designada Congregação para a Evangelização dos Povos – e, há 200 anos, da «Obra da Propagação da Fé; esta, juntamente com a Obra da Santa Infância e a Obra de São Pedro Apóstolo, há 100 anos foram reconhecidas como «Pontifícias».
Detenhamo-nos nestas três expressões-chave que resumem os três alicerces da vida e da missão dos discípulos: «Sereis minhas testemunhas», «até aos confins do mundo» e «recebereis a força do Espírito Santo».
1. «Sereis minhas testemunhas» – A chamada de todos os cristãos a testemunhar Cristo
É o ponto central, o coração do ensinamento de Jesus aos discípulos em ordem à sua missão no mundo. Todos os discípulos serão testemunhas de Jesus, graças ao Espírito Santo que vão receber: será a graça a constituí-los como tais, por todo o lado aonde forem, onde quer que estejam. Tal como Cristo é o primeiro enviado, ou seja, missionário do Pai (cf. Jo 20, 21) e, enquanto tal, a sua «Testemunha fiel» (Ap 1, 5), assim também todo o cristão é chamado a ser missionário e testemunha de Cristo. E a Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo, não tem outra missão senão a de evangelizar o mundo, dando testemunho de Cristo. A identidade da Igreja é evangelizar.
Uma releitura de conjunto mais aprofundada esclarece-nos alguns aspectos sempre actuais da missão confiada por Cristo aos discípulos: «Sereis minhas testemunhas». A forma plural destaca o carácter comunitário-eclesial da chamada missionária dos discípulos. Todo o baptizado é chamado à missão na Igreja e por mandato da Igreja: por isso a missão realiza-se em conjunto, não individualmente: em comunhão com a comunidade eclesial e não por iniciativa própria. E ainda que alguém, numa situação muito particular, leve avante a missão evangelizadora sozinho, realiza-a e deve realizá-la sempre em comunhão com a Igreja que o enviou. Como ensina São Paulo VI, na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi (um documento de que muito gosto), «evangelizar não é, para quem quer que seja, um ato individual e isolado, mas profundamente eclesial. Assim, quando o mais obscuro dos pregadores, dos catequistas ou dos pastores, no rincão mais remoto, prega o Evangelho, reúne a sua pequena comunidade ou administra um Sacramento, mesmo sozinho, ele perfaz um ato de Igreja e o seu gesto está certamente conexo, por relações institucionais, como também por vínculos invisíveis e por raízes recônditas da ordem da graça, à actividade evangelizadora de toda a Igreja» (n.º 60). Com efeito, não foi por acaso que o Senhor Jesus mandou os seus discípulos em missão dois a dois; o testemunho prestado pelos cristãos a Cristo tem caráter sobretudo comunitário. Daí a importância essencial da presença duma comunidade, mesmo pequena, na realização da missão.
Em segundo lugar, é pedido aos discípulos para construírem a sua vida pessoal em chave de missão: são enviados por Jesus ao mundo não só para fazer a missão, mas também e sobretudo para viver a missão que lhes foi confiada; não só para dar testemunho, mas também e sobretudo para ser testemunhas de Cristo. Assim o diz, com palavras verdadeiramente comoventes, o apóstolo Paulo: «Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo» (2 Cor 4, 10). A essência da missão é testemunhar Cristo, isto é, a sua vida, paixão, morte e ressurreição por amor do Pai e da humanidade. Não foi por acaso que os Apóstolos foram procurar o substituto de Judas entre aqueles que tinham sido, como eles, testemunhas da ressurreição (cf. At 1, 22). É Cristo, e Cristo ressuscitado, Aquele que devemos testemunhar e cuja vida devemos partilhar. Os missionários de Cristo não são enviados para comunicar-se a si mesmos, mostrar as suas qualidades e capacidades persuasivas ou os seus dotes de gestão. Em vez disso, têm a honra sublime de oferecer Cristo, por palavras e acções, anunciando a todos a Boa Nova da sua salvação com alegria e ousadia, como os primeiros apóstolos.
Por isso, em última análise, a verdadeira testemunha é o «mártir», aquele que dá a vida por Cristo, retribuindo o dom que Ele nos fez de Si mesmo. «A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 264).
Enfim, a propósito do testemunho cristão, permanece sempre válida esta observação de São Paulo VI: «O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres (…) ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas» (Evangelii nuntiandi, 41). Por conseguinte é fundamental, para a transmissão da fé, o testemunho de vida evangélica dos cristãos. Por outro lado, continua igualmente necessária a tarefa de anunciar a pessoa de Jesus e a sua mensagem. De facto, o mesmo Paulo VI continua mais adiante: «Sim! A pregação, a proclamação verbal duma mensagem, permanece sempre como algo indispensável. (...) A palavra continua a ser sempre actual, sobretudo quando ela for portadora da força divina. É por este motivo que permanece também com actualidade o axioma de São Paulo: “A fé vem da pregação” (Rom 10, 17). É a Palavra ouvida que leva a acreditar» (Ibid., 42).
Por isso, na evangelização, caminham juntos o exemplo de vida cristã e o anúncio de Cristo. Um serve ao outro. São os dois pulmões com que deve respirar cada comunidade para ser missionária. Este testemunho completo, coerente e jubiloso de Cristo será seguramente a força de atracção para o crescimento da Igreja também no terceiro milénio. Assim, exorto todos a retomarem a coragem, a ousadia, aquela parrésia dos primeiros cristãos, para testemunhar Cristo, com palavras e obras, em todos os ambientes da vida.
2. «Até aos confins do mundo» – A actualidade perene duma missão de evangelização universal
Ao exortar os discípulos a serem as suas testemunhas, o Senhor ressuscitado anuncia aonde são enviados: «Em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo» (At 1, 8). Aqui emerge muito claramente o carácter universal da missão dos discípulos. Coloca-se em destaque o movimento geográfico «centrífugo», quase em círculos concêntricos, desde Jerusalém – considerada pela tradição judaica como centro do mundo – à Judeia e Samaria, e até aos extremos «confins do mundo». Não são enviados para fazer proselitismo, mas para anunciar; o cristão não faz proselitismo. Os Actos dos Apóstolos narram-nos este movimento missionário: o mesmo dá-nos uma imagem muito bela da Igreja «em saída» para cumprir a sua vocação de testemunhar Cristo Senhor, orientada pela Providência divina através das circunstâncias concretas da vida. Com efeito, os primeiros cristãos foram perseguidos em Jerusalém e, por isso, dispersaram-se pela Judeia e a Samaria, testemunhando Cristo por toda a parte (cf. At 8, 1.4).
Algo semelhante acontece ainda no nosso tempo. Por causa de perseguições religiosas e situações de guerra e violência, muitos cristãos vêem-se constrangidos a fugir da sua terra para outros países. Estamos agradecidos a estes irmãos e irmãs que não se fecham na tribulação, mas testemunham Cristo e o amor de Deus nos países que os acolhem. A isto mesmo os exortava São Paulo VI, ao considerar a «responsabilidade que se origina para os migrantes nos países que os recebem» (Evangelii nuntiandi, 21). Com efeito, experimentamos cada vez mais como a presença dos fiéis de várias nacionalidades enriquece o rosto das paróquias, tornando-as mais universais, mais católicas. Consequentemente, o cuidado pastoral dos migrantes é uma actividade missionária que não deve ser descurada, pois poderá ajudar também os fiéis locais a redescobrir a alegria da fé cristã que receberam.
A indicação «até aos confins do mundo» deverá interpelar os discípulos de Jesus de cada tempo, impelindo-os sempre a ir mais além dos lugares habituais para levar o testemunho d’Ele. Hoje, apesar de todas as facilidades resultantes dos progressos modernos, ainda existem áreas geográficas aonde não chegaram os missionários testemunhas de Cristo com a Boa Nova do seu amor. Por outro lado, não existe qualquer realidade humana que seja alheia à atenção dos discípulos de Cristo, na sua missão. A Igreja de Cristo sempre esteve, está e estará «em saída» rumo aos novos horizontes geográficos, sociais, existenciais, rumo aos lugares e situações humanos «de confim», para dar testemunho de Cristo e do seu amor a todos os homens e mulheres de cada povo, cultura, estado social. Neste sentido, a missão será sempre também missio ad gentes, como nos ensinou o Concílio Vaticano II (veja-se, por exemplo, o Decreto Ad Gentes, sobre a actividade missionária da Igreja, 07/XII/1965), porque a Igreja terá sempre de ir mais longe, mais além das próprias fronteiras, para testemunhar a todos o amor de Cristo. A propósito, quero lembrar e agradecer aos inúmeros missionários que gastaram a vida para «ir mais além», encarnando a caridade de Cristo por tantos irmãos e irmãs que encontraram.
3. «Recebereis a força do Espírito Santo – Deixar-se sempre fortalecer e guiar pelo Espírito
Ao anunciar aos discípulos a missão de serem suas testemunhas, Cristo ressuscitado prometeu também a graça para uma tão grande responsabilidade: «Recebereis a força do Espírito Santo e sereis minhas testemunhas» (At 1, 8). Com efeito, segundo a narração dos Actos, foi precisamente a seguir à descida do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus que teve lugar a primeira acção de testemunhar Cristo, morto e ressuscitado, com um anúncio querigmático: o chamado discurso missionário de São Pedro aos habitantes de Jerusalém. Assim começa a era da evangelização do mundo por parte dos discípulos de Jesus, que antes apareciam fracos, medrosos, fechados. O Espírito Santo fortaleceu-os, deu-lhes coragem e sabedoria para testemunhar Cristo diante de todos.
Como «ninguém pode dizer: “Jesus é Senhor” senão pelo Espírito Santo» (1 Cor 12, 3), também nenhum cristão poderá dar testemunho pleno e genuíno de Cristo Senhor sem a inspiração e a ajuda do Espírito. Por isso cada discípulo missionário de Cristo é chamado a reconhecer a importância fundamental da acção do Espírito, a viver com Ele no dia a dia e a receber constantemente força e inspiração d'Ele. Mais, precisamente quando nos sentirmos cansados, desmotivados, perdidos, lembremo-nos de recorrer ao Espírito Santo na oração (esta – permiti-me destacá-lo mais uma vez – tem um papel fundamental na vida missionária), para nos deixarmos restaurar e fortalecer por Ele, fonte divina inesgotável de novas energias e da alegria de partilhar com os outros a vida de Cristo. «Receber a alegria do Espírito é uma graça; e é a única força que podemos ter para pregar o Evangelho, confessar a fé no Senhor» (Francisco, Mensagem às Pontifícias Obras Missionárias, 21/V/2020). Assim, o Espírito é o verdadeiro protagonista da missão: é Ele que dá a palavra certa no momento justo e sob a devida forma.
É à luz da acção do Espírito Santo que queremos ler também os aniversários missionários deste 2022. A instituição da Sacra Congregação de Propaganda Fide, em 1622, foi motivada pelo desejo de promover o mandato missionário nos novos territórios. Uma intuição providencial! A Congregação revelou-se crucial para tornar a missão evangelizadora da Igreja verdadeiramente tal, isto é, independente das ingerências dos poderes do mundo, a fim de constituir aquelas Igrejas locais que hoje mostram tanto vigor. Esperamos que, à semelhança dos últimos quatro séculos, a Congregação, com a luz e a força do Espírito, continue e intensifique o seu trabalho de coordenar, organizar e animar as actividades missionárias da Igreja.
O mesmo Espírito, que guia a Igreja universal, inspira também homens e mulheres simples para missões extraordinárias. E foi assim que uma jovem francesa, Pauline Jaricot, há exactamente 200 anos fundou a Associação para a Propagação da Fé; celebra-se a sua beatificação neste ano jubilar. Embora em condições precárias, ela acolheu a inspiração de Deus para pôr em movimento uma rede de oração e colecta para os missionários, de modo que os fiéis pudessem participar activamente na missão «até aos confins do mundo». Desta ideia genial, nasceu o Dia Mundial das Missões, que celebramos todos os anos, e cuja colecta em todas as comunidades se destina ao Fundo universal com que o Papa sustenta a actividade missionária.
Neste contexto, recordo também o Bispo francês Charles de Forbin-Janson, que iniciou a Obra da Santa Infância para promover a missão entre as crianças sob o lema «As crianças evangelizam as crianças, as crianças rezam pelas crianças, as crianças ajudam as crianças de todo o mundo»; e lembro ainda a senhora Jeanne Bigard, que deu vida à Obra de São Pedro Apóstolo, para apoio dos seminaristas e sacerdotes em terras de missão. Estas três obras missionárias foram reconhecidas como «pontifícias», precisamente há cem anos. E foi também sob a inspiração e guia do Espírito Santo que o Beato Paolo Manna, nascido há 150 anos, fundou a actual Pontifícia União Missionária a fim de sensibilizar e animar para a missão os sacerdotes, os religiosos e as religiosas e todo o povo de Deus. Desta última Obra, fez parte o próprio Paulo VI, que lhe confirmou o reconhecimento pontifício. Menciono estas quatro Obras Missionárias Pontifícias pelos seus grandes méritos históricos e também para vos convidar a alegrar-vos com elas, neste ano especial, pelas actividades desenvolvidas em apoio da missão evangelizadora na Igreja universal e nas Igrejas locais. Espero que as Igrejas locais possam encontrar nestas Obras um instrumento seguro para alimentar o espírito missionário no Povo de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, continuo a sonhar com uma Igreja toda missionária e uma nova estação da acção missionária das comunidades cristãs. E repito o desejo de Moisés para o povo de Deus em caminho: «Quem dera que todo o povo do Senhor profetizasse» (Nm 11, 29). Sim, oxalá todos nós sejamos na Igreja o que já somos em virtude do Baptismo: profetas, testemunhas, missionários do Senhor! Com a força do Espírito Santo e até aos extremos confins da terra. Maria, Rainha das Missões, rogai por nós!
Roma, São João de Latrão, na Solenidade da Epifania do Senhor, 6 de Janeiro de 2022.
Franciscus
Fontes: Santa Sé; Diocese do Porto
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