José
Tolentino Mendonça
Ao
fazer quarenta anos, o 25 de Abril quis celebrar com grande festa.
Tem havido um sem número de iniciativas: publicaram-se volumes de
história contemporânea com enorme interesse; a música de
intervenção voltou a ser escutada nas rádios; organizaram-se
colóquios; rebuscou-se imagens e protagonistas no fundo silencioso
dos arquivos.
A par disso, desencadearam-se polémicas, algumas que
parecem ainda inevitáveis, outras talvez nem por isso. Mas tudo cabe
numa festa.
O
25 de Abril de 74 constitui efectivamente um marco. Trouxe-nos o
regime democrático e o que ele representa em termos de cidadania e
de cultura; operou a descolonização, conseguindo uma saída
pacífica e digna para conflitos que pareciam insolúveis; recolocou
Portugal no desígnio europeu, ajudando a vencer um persistente
isolacionismo. O 25 de Abril qualifica-nos assim com uma herança
imensa.
E, sem dúvida que, como sociedade e nação, precisamos de
reencontrar-nos com essa memória, envolvendo nela as novas gerações.
Mas
o que o 25 de Abril nos legou não é propriamente uma obra acabada,
que nos cabe apenas conservar.
Pensemos na democracia.
Claro que a
instauração do regime representa um extraordinário momento
histórico.
Mas a democracia não está feita.
É em cada dia, em
cada ciclo que ela se constrói e reinventa para poder cumprir-se.
A
democracia tem muitas ameaças, que mesmo não sendo ameaças ao
sistema, são ofensas ao espírito da democracia: e elas provêm
sobretudo da pobreza, do desemprego, da exclusão e da injustiça.
Cabe-nos a todos, mas de forma particular aos que democraticamente
nos representam, zelar pela saúde da democracia.
Quarenta anos
depois da revolução de Abril, o pior que nos podia acontecer era
contentarmo-nos por vivermos formalmente num estado democrático e
abandonarmos as inquietações do espírito da democracia, que nos
obriga a fazer festa, é verdade, mas também a arregaçar as mangas.
Como dizia Sophia de Mello Breyner Andresen, o 25 de Abril é o “dia
inicial”.
Editorial
da Agência Ecclesia, 25-04-2014
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