Vícios de quem aspira
ser o centro do mundo
Na Audiência Geral desta Quarta-feira (28), o Papa Francisco deu continuidade ao ciclo de catequeses sobre os vícios e as virtudes. O texto da reflexão dedicado à inveja e à vanglória foi proferido por mons. Ciampanelli, colaborador da Secretaria de Estado. Para combater esses vícios, os remédios são o amor gratuito e o reconhecimento de que Deus está presente em nossa própria fraqueza.
Após uma semana de pausa, devido ao retiro espiritual quaresmal dos membros da Cúria Romana, e ainda a recuperar de uma "leve gripe", conforme comunicado pela Sala de Imprensa da Santa Sé, que levou o Pontífice a cancelar algumas actividades, o Papa Francisco esteve presente na Sala Paulo VI para a Audiência Geral.
Ao saudar os fiéis e peregrinos, o Papa afirmou: "Queridos irmãos e irmãs, ainda estou um pouco resfriado. Por isso, pedi ao Mons. Ciampanelli para ler a catequese de hoje".
A inveja faz-nos criar uma falsa ideia de Deus, não se aceita que Deus tenha uma "matemática" própria, diferente da nossa:
“Gostaríamos de impor a Deus a nossa lógica egoísta, mas a lógica de Deus é o amor. Os bens que Ele nos concede devem ser compartilhados. Por isso, São Paulo exorta os cristãos: «Amai-vos uns aos outros com afecto fraterno, concorrendo na estima recíproca» (Rm 12,10). Eis o remédio para a inveja!”
A vanglória é um vício anda de mãos dadas com o demónio da inveja, sendo típico de quem aspira ser o centro do mundo, livre para explorar tudo e todos, objecto de todo louvor e todo amor:
“A sua pessoa, as suas conquistas, os seus sucessos devem ser exibidos a todos: é um perene mendigo de atenção. E se, às vezes, as suas qualidades não são reconhecidas, então zanga-se ferozmente. Os outros são injustos, não compreendem, não estão à altura.”
PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI, Quarta-feira, 28 de Fevereiro de 2024
Catequeses. Os vícios e as virtudes.
9. A inveja e a vanglória
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje vamos analisar dois vícios capitais que encontramos nos grandes elencos que a tradição espiritual nos deixou: a inveja e a vanglória.
Comecemos pela inveja. Se lermos a Sagrada Escritura (cf. Gn 4), ela apresenta-se-nos como um dos vícios mais antigos: o ódio de Caim em relação a Abel desencadeia-se quando ele se dá conta de que os sacrifícios do seu irmão são agradáveis a Deus. Caim era o primogénito de Adão e Eva, tinha recebido a parte mais importante da herança do pai; no entanto, é suficiente que Abel, o irmão mais novo, alcance um pequeno sucesso, para que Caim se indigne. O rosto do invejoso é sempre triste: o olhar é cabisbaixo, parece que perscruta continuamente o terreno, mas na realidade não vê nada, porque a mente está mergulhada em pensamentos cheios de maldade. A inveja, se não for controlada, leva ao ódio pelo outro. Abel será morto pelas mãos de Caim, que não era capaz de suportar a felicidade do irmão.
A inveja é um mal investigado não apenas no âmbito cristão: chamou a atenção de filósofos e sábios de todas as culturas. Na sua base existe uma relação de ódio e de amor: quer-se o mal do outro, mas secretamente deseja-se ser como ele. O outro é a epifania daquilo que gostaríamos de ser e que, na realidade, não somos. A sua sorte parece-nos uma injustiça: certamente - pensamos - teríamos merecido muito mais os seus sucessos ou a sua boa sorte!
Na raiz deste vício há uma falsa ideia de Deus: não aceitamos que Deus tenha a sua “matemática”, diferente da nossa. Por exemplo, na parábola de Jesus sobre os trabalhadores chamados pelo patrão para ir à vinha em diferentes horas do dia, os da primeira hora julgam ter direito a um salário mais elevado do que aqueles que chegaram por último; mas o patrão dá a todos o mesmo salário, dizendo: «Não posso fazer das minhas coisas o que quero? Ou tendes inveja porque sou bom?» (Mt 20,15). Gostaríamos de impor a Deus a nossa lógica egoísta, mas a lógica de Deus é o amor. Os bens que Ele nos concede devem ser compartilhados. Por isso, São Paulo exorta os cristãos: «Amai-vos uns aos outros com afecto fraterno, concorrendo na estima recíproca» (Rm 12,10). Eis o remédio para a inveja!
E vejamos o segundo vício que hoje examinamos: a vanglória. Ela anda de mãos dadas com o demónio da inveja e, juntos, estes dois vícios são característicos de uma pessoa que aspira a ser o centro do mundo, livre de explorar tudo e todos, objecto de todo o louvor e amor. A vanglória é uma auto-estima inflada e sem fundamento. O orgulhoso possui um “eu” despropositado: não tem empatia e não se dá conta de que há outras pessoas no mundo para além dele. As suas relações são sempre instrumentais, determinadas pelo predomínio sobre o outro. A sua pessoa, as suas conquistas, os seus sucessos devem ser exibidos a todos: é um perene mendigo de atenção. E se, às vezes, as suas qualidades não são reconhecidas, então zanga-se ferozmente. Os outros são injustos, não compreendem, não estão à altura. Nos seus escritos, Evágrio Pôntico descreve a amarga vicissitude de alguns monges acometidos pela vanglória. Acontece que, após os primeiros êxitos na vida espiritual, ele sente que já está realizado e então precipita-se no mundo para receber os seus elogios. Mas não compreende que está apenas no início do caminho espiritual, e que a tentação está à espreita e não tardará a abatê-lo.
Para curar o vaidoso, os mestres espirituais não sugerem muitos remédios. Porque, afinal de contas, o mal da vaidade tem o seu remédio em si mesmo: os elogios que o vaidoso esperava receber do mundo depressa se voltarão contra ele. E quantas pessoas, iludidas por uma falsa imagem de si próprias, caíram depois em pecados de que rapidamente se envergonhariam!
A melhor instrução para vencer a vanglória encontra-se no testemunho de São Paulo. O Apóstolo sempre se confrontou com um defeito que nunca conseguiu superar. Por três vezes, pediu ao Senhor que o libertasse desse suplício, mas no fim Jesus respondeu-lhe: «Basta-te a minha graça, porque a força se manifesta plenamente na fraqueza». A partir daquele dia, Paulo foi libertado. E a sua conclusão deveria tornar-se também a nossa: «Por isso, é de bom grado que me orgulharei das minhas fraquezas, para que o poder de Cristo permaneça em mim» (2 Cor 12, 9).
Fontes: Santa Sé; Notícias do Vaticano
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