”Desejo, nesta hora de Natal, estar muito próximo dos que mais sofrem, daqueles que vivem sós, daqueles que não têm abrigo, daqueles que são refugiados”
Com
Maria e José sonhar a alegria do Natal
1.
Como sonhar a alegria do Natal nas ruas manchadas pelo sangue
derramado em Paris, Nice, Ancara ou Berlim?
Como
construir presépios nas ruínas de Alepo, donde fugiram os cristãos?
Que
presente de Natal oferecer ao menino que chora convulsivamente porque
o seu pai está preso, ao ouvir cantar os parabéns, no dia do seu
aniversário, pelos companheiros e educadoras daquele Centro Social
de um bairro pobre da cidade?
Vinte
séculos depois, o mundo continua a fechar as portas das albergarias
da cidade diante da vida que nasce e incomoda e frente a famílias de
refugiados, sem tecto, sem terra e sem trabalho.
Os
poderosos do mundo parecem continuar distraídos de tudo isto,
ocupados com outras coisas, enredados nos seus negócios ou
absorvidos pela ambição desmedida do seu domínio.
Quem
ouve, hoje, a voz dos anjos no silêncio da noite?
Quem
se apressa a acorrer à gruta de Belém?
Quem
se deixa iluminar pela estrela que nos conduz a Deus, nascido de
Maria e velado por José, seu pai adoptivo. Que mistérios divinos
contemplamos?
Que
sonhos de paz e de misericórdia embalamos?
Que
caminhos de luz e de sabedoria percorremos?
2.
Firmemente enraizados na esperança cristã, há homens e mulheres,
famílias inteiras e comunidades vivas que ousam sonhar a alegria do
Natal.
Há
gente feliz decidida a fazer felizes os outros, porque sabem que as
bem-aventuranças acontecem quando temos Deus no coração e O
transportamos connosco em cada palavra e em cada gesto.
Não
faltam presépios carinhosamente cuidados e árvores de Natal que
crescem com sonhos de Deus no chão da cidade que habitamos e na alma
da Igreja que somos.
Vejo
promessas divinas cumpridas e sonhos de Natal concretizados em tantas
pessoas, para quem a fé esclarecida, consciente e humilde molda a
sua personalidade e faz coerente a sua vida.
Encontro
famílias onde brilha a alegria de um amor feliz e se ocupam sem
desalento de famílias irmãs a braços com provações, rupturas e
dores.
Há
felizmente escolas onde os valores de uma vida íntegra e plena se
aprendem e são muitas as instituições capazes de cuidar de vidas
magoadas pela pobreza, pelo desemprego ou pelo luto.
Todos
encontramos à nossa volta comunidades pujantes de dinamismo e
centradas na fé, que harmoniza a sabedoria dos idosos, a candura das
crianças, o encanto dos jovens e a verdade das famílias.
3.
O que o Natal mais nos pede e o melhor que o Natal nos dá é a
ousadia de manter viva a essência do Natal e a capacidade de trazer
até nós a presença do Filho de Deus para O colocar no coração
humano, que é o melhor presépio deste mundo novo e diferente.
Centrados
no Natal – acolhido como nascimento de Jesus, Filho de Deus -
devemos traduzir para a complexidade do nosso tempo e para a
perplexidade da nossa cultura a mensagem que de Jesus recebemos.
Como
Igreja do Porto propomo-nos, ao longo do tempo do Advento-Natal,
sonhar sonhos de Deus com Maria e José.
É
agora a hora de nos prepararmos para receber Jesus, Deus connosco,
Príncipe da Paz e fonte da nossa Alegria.
Com
Jesus somos chamados a ser famílias missionárias e comunidades
evangelizadoras, onde todos tenham lugar, se sintam felizes e se
reconheçam amados por Deus.
4.
Ouvi, em Maio passado, no termo de uma inesquecível peregrinação
de milhares de emigrantes portugueses em torno da imagem de Nossa
Senhora de Fátima, o cântico do Ave-Maria na voz melodiosa de uma
jovem síria, de família cristã refugiada, acolhida pela Igreja do
Luxemburgo.
Senti,
nessa hora, que, enquanto houver no coração humano dos simples e
dos humildes coragem para rezar e alegria para cantar o Ave-Maria, o
Natal de Jesus está próximo e um mundo novo e melhor está prestes
a nascer.
Ao
ver gente de rosto oriental ajoelhada em oração silenciosa diante
do tradicional presépio, sonhado por Francisco de Assis, e agora
feito com esmero e gosto nas Igrejas da nossa cidade, apercebo-me que
o Natal não tem fronteiras.
Tocamos
de muito perto a alegria do Natal ao descobrir, em cada momento do
nosso caminho, sinais de generosidade de tantos cuidadores da vida
que aconchegam com carinho quem nasce, que salvaguardam sem tréguas
a dignidade humana, que atendem com ternura os idosos e amparam quem
sofre.
Acredito
que assim acontece, porque o Natal, dom de Deus e nascimento de
Jesus, aconteceu antes.
E
o que dizer do milagre da multiplicação dos pães diariamente
repartidos pelos pobres, pelos sem-abrigo e pelos refugiados em mesas
improvisadas diante de multidões de gente sem nome, que o Natal fez
nossos irmãos e tornou nossa família!
5.
Mas a melhor e mais inédita saudação deste Natal recebi-a, hoje
mesmo, enviada pelo correio por um dedicado irmão sacerdote que,
apesar dos seus 95 anos e da sua saúde tão fragilizada, não se
dispensou de agradecer, com inexcedível delicadeza, uma recente
visita que lhe fizera, acompanhado do pároco da cidade.
Este
sacerdote partiu ao encontro de Deus, serenamente, no culminar de uma
longa vida, poucas horas depois de ter escrito, anteontem, pela sua
mão, com grande elevação de sentimentos e com plena lucidez de
inteligência, esta bela mensagem de Natal, que me enviou.
Este
texto, que guardarei religiosamente, tem sabor a testamento
espiritual e este gesto constitui uma bênção para mim e para esta
amada Igreja do Porto, que ele tão generosamente serviu ao longo de
71 anos de sacerdote.
Esta
coincidência, que só os desígnios insondáveis de Deus conseguem
perscrutar, ensina-me que o Natal nos conduz ao amor redentor de Deus
pela Humanidade, revelado em Jesus, Filho de deus, e continuado vivo
e actuante em tantos homens e mulheres, discípulos de Jesus, que
deram e dão a sua vida por inteiro para que o Natal aconteça.
Um
santo e feliz Natal.
Porto,
21 de Dezembro de 2016
António,
Bispo do Porto
Fonte:
Diocese do Porto
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