Na
audiência desta Quarta-feira depois da pausa de verão o Papa
retomou as suas catequeses semanais
Após
a pausa de verão do mês de Julho dos encontros semanais de
Quarta-feira, o Papa Francisco prosseguiu o ciclo de catequeses sobre
o Decálogo, meditando sobre o primeiro mandamento que enfrenta o
tema da idolatria.
«Uma
tendência humana, que não poupa nem crentes nem ateus.»
PAPA
FRANCISCO
AUDIÊNCIA
GERAL
Sala
Paulo VI
Quarta-feira,
1 de Agosto de 2018
Prezados
irmãos e irmãs, bom dia!
Ouvimos
o primeiro mandamento do Decálogo: «Não terás outros deuses
diante da minha face» (Êx 20, 3).
É
bom reflectir sobre o tema da idolatria,
que é de grande alcance e actualidade.
A
ordem proíbe que se façam ídolos[1] ou imagens[2] de qualquer tipo
de realidade: [3] com efeito, tudo pode ser usado como ídolo.
Referimo-nos
a uma tendência humana, que não poupa nem crentes nem ateus.
Por
exemplo, nós cristãos podemos interrogar-nos: qual é
verdadeiramente o meu Deus?
É
o Amor Uno e Trino ou então a minha imagem, o meu sucesso pessoal,
talvez dentro da Igreja?
«A
idolatria não diz respeito apenas aos falsos cultos do paganismo.
Continua a ser uma tentação constante para a fé. Ela consiste em
divinizar o que não é Deus» (Catecismo da Igreja Católica, n. 2113).
O
que é um “deus” no plano existencial?
É
aquilo que está no cerne da própria vida e do qual depende o que
fazemos e pensamos.[4]
Podemos
crescer numa família cristã de nome, mas na realidade centrada em
pontos de referência alheios ao Evangelho.[5]
O
ser humano não vive sem se centrar em algo.
Eis,
então, que o mundo oferece o “supermarket”
dos ídolos, que podem ser objectos, imagens, ideias, papéis.
Por
exemplo, inclusive a oração.
Devemos
rezar a Deus, nosso Pai.
Recordo
que certa vez fui a uma paróquia na diocese de Buenos Aires para
celebrar uma Missa e depois devia fazer as crismas noutra paróquia,
a 1 km de distância.
Fui
a pé e atravessei um bonito parque.
Mas
naquele parque havia mais de 50 mesinhas, cada uma com duas cadeiras
e as pessoas sentadas uma em frente da outra.
O
que faziam? Jogo de cartas.
Iam
ali “para rezar” ao ídolo.
Em
vez de rezar a Deus, que é providência do futuro, iam ali porque
liam as cartas para ler o futuro.
Esta
é uma idolatria dos nossos tempos.
Pergunto-vos:
quantos de vós fostes, para que vos lessem as cartas a fim de ver o
futuro?
Quantos
de vós, por exemplo, fostes para que vos lessem as mãos a fim de
ler o futuro, em vez de rezar ao Senhor?
Esta
é a diferença: o Senhor está vivo; os outros são ídolos,
idolatrias que não servem.
Como
se desenvolve uma idolatria?
O
mandamento descreve algumas fases: «Não farás para ti escultura,
nem figura alguma [...] / Não te prostrarás diante delas / e não
lhes prestarás culto» (Êx 20, 4-5).
A
palavra “ídolo” em grego deriva do verbo “ver”.[6]
O
ídolo é uma “visão”
que tende a tornar-se uma fixação, uma obsessão.
Na
realidade, o ídolo é uma projecção de nós mesmos nos objectos ou
nos projectos.
Por
exemplo, é desta dinâmica que se serve a publicidade: não vejo o
objecto em si, mas concebo aquele automóvel, aquele smartphone,
aquele papel — ou outras coisas — como um meio para me realizar e
responder às minhas necessidades essenciais.
E
procuro isto, falo disso, penso naquilo; a ideia de possuir tal
objecto ou de realizar aquele projecto, alcançar essa posição,
parece uma via maravilhosa para a felicidade, uma torre para chegar
ao céu (cf. Gn 11, 1-9), e tudo se torna funcional para esta meta.
Então,
entramos na segunda da fase: «Não
te prostrarás diante delas».
Os
ídolos exigem um culto, rituais; a eles as pessoas prostram-se e
sacrificam tudo.
Faziam-se
sacrifícios humanos aos ídolos na antiguidade, mas também hoje:
pela carreira sacrificam-se os filhos, descuidando-os ou simplesmente
deixando de os gerar; a beleza exige sacrifícios humanos.
Quantas
horas diante do espelho!
Certas
pessoas, determinadas mulheres, quanto gastam para se pintar!
Também
esta é uma idolatria.
Não
é negativo pintar-se, mas de modo normal, não para se tornar uma
deusa.
A
beleza exige sacrifícios humanos.
A
fama requer a imolação de si mesmo, da própria inocência e
autenticidade.
Os
ídolos pedem sangue.
O
dinheiro rouba a vida e o prazer leva à solidão.
As
estruturas económicas sacrificam vidas humanas para obter maiores
lucros.
Pensemos
em tantas pessoas desempregadas.
Porquê?
Porque às vezes acontece que os empresários daquela empresa, dessa
firma, decidiram despedir as pessoas, para ganhar mais dinheiro.
O
ídolo do dinheiro.
Vive-se
na hipocrisia, fazendo e dizendo o que os outros esperam, porque é o
deus da própria afirmação que o impõe.
E
arruínam-se vidas, destroem-se famílias e abandonam-se jovens nas
mãos de modelos arrasadores, contanto que aumente o lucro.
Também
a droga é um ídolo.
Quantos
jovens estragam a saúde, até a vida, adorando este ídolo da droga.
Aqui
chegamos à terceira e mais trágica fase: «...e
não lhes prestarás culto»,
diz.
Os
ídolos escravizam.
Prometem
a felicidade, mas não a dão; e passamos a viver por aquela coisa,
por essa visão, arrebatados num vórtice autodestruidor, à espera
de um resultado que nunca chega.
Caros
irmãos e irmãs, os ídolos prometem a vida, mas na realidade
tiram-na.
O
Deus verdadeiro não pede a vida, mas doa-a, concede-a.
O
Deus verdadeiro não oferece uma projecção do nosso sucesso, mas
ensina a amar.
O
Deus verdadeiro não pede filhos, mas dá o seu Filho por nós.
Os
ídolos projectam hipóteses futuras e fazem desprezar o presente; o
Deus verdadeiro ensina a viver na realidade de cada dia, no concreto,
não com ilusões sobre o porvir: hoje, amanhã e depois de amanhã,
a caminho do futuro.
A
concretude do Deus verdadeiro contra a liquidez dos ídolos.
Hoje
convido-vos a pensar: quantos ídolos tenho, ou qual é o meu ídolo
preferido?
Pois
reconhecer as próprias idolatrias é um início da graça, e põe no
caminho do amor.
Com
efeito, o amor é incompatível com a idolatria: se algo se torna
absoluto e intocável, então é mais importante que um cônjuge, um
filho ou uma amizade.
O
apego a um objecto ou a uma ideia torna-nos cegos ao amor.
E
assim, para ir atrás dos ídolos, de um ídolo, podemos chegar a
renegar o pai, a mãe, os filhos, a esposa, o esposo, a família...
as coisas mais queridas.
O
apego a um objecto ou a uma ideia torna-nos cegos ao amor.
Levai
isto no coração: os ídolos roubam-nos o amor, os ídolos
tornam-nos cegos ao amor, e para amar autenticamente é preciso
libertar-se de todos os ídolos.
Qual
é o meu ídolo?
Elimina-o
e lança-o da janela!
[1]
O termo Pesel
indica «uma imagem divina originariamente esculpida na madeira ou na
pedra, e sobretudo no metal» (L. Koehler — W. Baumgartner, The
Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, vol. 3, p. 949).
[2]
O vocábulo Temunah
tem um significado muito vasto, reconduzível a “semelhança,
forma”; portanto, a proibição é muito ampla e estas imagens
podem ser de todos os tipos (cf. L. Koehler — W. Baumgartner, Op.
cit., vol. 1, p. 504).
[3]
O comando não proíbe as imagens em si mesmas — o próprio Deus
ordenará a Moisés que realize os querubins de ouro para a tampa da
arca (cf. Êx 25, 18) e uma serpente de bronze (cf. Nm 21, 8) — mas
proíbe adorá-las e prestar-lhes culto, ou seja, todo o processo de
deificação de algo, não só a reprodução.
[4]
A Bíblia judaica refere-se às idolatrias cananeias com o termo
Ba’al, que significa “senhorio, relação íntima, realidade da
qual se depende”. O ídolo é o que domina, arrebata o coração e
se torna eixo da vida (cf. Theological Lexicon of the Old Testament,
vol. 1, pp. 247-251).
[5]
Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2114: «A idolatria é uma
perversão do sentido religioso inato no homem. Idólatra é aquele
que “refere a sua indestrutível noção de Deus seja ao que for,
que não a Deus” (Orígenes, Contra Celsum, 2, 40)».
[6]
A etimologia do grego eidolon, derivada de eidos, é da raiz weid,
que significa ver (cf. Grande Lessico dell’Antico Testamento,
Bréscia 1967, vol. III, p. 127)..
Fontes:
Santa Sé; Notícias do Vaticano; L’Osservatore Romano
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