“Somos
membros uns dos outros”: das comunidades de redes sociais à
comunidade humana
O lema da mensagem do Papa Francisco
O lema da mensagem do Papa Francisco
O
Papa apresenta três imagens: a rede, a comunidade e o corpo.
Em
cada uma delas há virtualidades e limites.
Por
isso, ao longo da mensagem, o Santo Padre denuncia a má utilização
das redes sociais, nomeadamente os perigos em que podem incorrer os
jovens, e aponta o caminho para uma verdadeira comunicação social
que forme comunidade, estabelecendo laços fortes de comunhão e de
fraternidade, e sobretudo que edifique a sociedade como um corpo, que
segundo a linguagem de S. Paulo, deve assentar na verdade de uns para
com os outros.
Desafia
os cristãos sublinhando que «a própria Igreja é uma rede tecida
pela Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos gostos
“like”, mas na verdade, no “ámen” com que cada
um adere ao Corpo de Cristo, acolhendo os outros».
"Como
cristãos somos chamados a manifestar, também nas redes, a comunhão
que marca a nossa identidade de crentes, abrindo o caminho ao
diálogo, ao encontro, ao sorriso”, foi a mensagem deixada
hoje pelo Papa Francisco na sua conta twitter.
MENSAGEM
DO PAPA FRANCISCO
PARA
O LIII DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS
(2
DE JUNHO DE 2019)
«
“Somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25):
das
comunidades de redes sociais à comunidade humana »
Queridos
irmãos e irmãs!
Desde
quando se tornou possível dispor da internet, a Igreja tem sempre
procurado que o seu uso sirva o encontro das pessoas e a
solidariedade entre todos.
Com
esta Mensagem, gostaria de vos convidar uma vez mais a
reflectir sobre o fundamento e a importância do nosso ser-em-relação
e descobrir, nos vastos desafios do actual panorama comunicativo, o
desejo que o homem tem de não ficar encerrado na própria solidão.
As
metáforas da «rede» e da «comunidade»
Hoje,
o ambiente dos mass-media é tão invasivo que já não se consegue
separar do círculo da vida quotidiana.
A
rede é um recurso do nosso tempo: uma fonte de conhecimentos e
relações outrora impensáveis.
Mas
numerosos especialistas, a propósito das profundas transformações
impressas pela tecnologia às lógicas da produção, circulação e
fruição dos conteúdos, destacam também os riscos que ameaçam a
busca e a partilha duma informação autêntica à escala global.
Se
é verdade que a internet constitui uma possibilidade extraordinária
de acesso ao saber, verdade é também que se revelou como um dos
locais mais expostos à desinformação e à distorção consciente e
pilotada dos factos e relações interpessoais, a ponto de muitas
vezes cair no descrédito.
É
necessário reconhecer que se, por um lado, as redes sociais servem
para nos conectarmos melhor, fazendo-nos encontrar e ajudar uns aos
outros, por outro, prestam-se também a um uso manipulador dos dados
pessoais, visando obter vantagens no plano político ou económico,
sem o devido respeito pela pessoa e seus direitos.
As
estatísticas relativas aos mais jovens revelam que um em cada quatro
adolescentes está envolvido em episódios de cyberbullying.
Na
complexidade deste cenário, pode ser útil voltar a reflectir sobre
a metáfora da rede, colocada inicialmente como fundamento da
internet para ajudar a descobrir as suas potencialidades positivas. A
figura da rede convida-nos a reflectir sobre a multiplicidade de
percursos e nós que, na falta de um centro, uma estrutura de tipo
hierárquico, uma organização de tipo vertical, asseguram a sua
consistência.
A
rede funciona graças à comparticipação de todos os elementos.
Reconduzida
à dimensão antropológica, a metáfora da rede lembra outra figura
densa de significados: a comunidade.
Uma
comunidade é tanto mais forte quando mais for coesa e solidária,
animada por sentimentos de confiança e empenhada em objectivos
compartilháveis.
Como
rede solidária, a comunidade requer a escuta recíproca e o diálogo,
baseado no uso responsável da linguagem.
No
cenário actual, salta aos olhos de todos como a comunidade de redes
sociais não seja, automaticamente, sinónimo de comunidade.
No
melhor dos casos, tais comunidades conseguem dar provas de coesão e
solidariedade, mas frequentemente permanecem agregados apenas
indivíduos que se reconhecem em torno de interesses ou argumentos
caracterizados por vínculos frágeis.
Além
disso, na social web, muitas vezes a identidade funda-se na
contraposição ao outro, à pessoa estranha ao grupo: define-se mais
a partir daquilo que divide do que daquilo que une, dando espaço à
suspeita e à explosão de todo o tipo de preconceito (étnico,
sexual, religioso, e outros).
Esta
tendência alimenta grupos que excluem a heterogeneidade, alimentam
no próprio ambiente digital um individualismo desenfreado, acabando
às vezes por fomentar espirais de ódio.
E,
assim, aquela que deveria ser uma janela aberta para o mundo,
torna-se uma vitrine onde se exibe o próprio narcisismo.
A
rede é uma oportunidade para promover o encontro com os outros, mas
pode também agravar o nosso auto-isolamento, como uma teia de aranha
capaz de capturar.
Os
adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de que a social
web possa satisfazê-los completamente a nível relacional, até
se chegar ao perigoso fenómeno dos jovens «eremitas sociais», que
correm o risco de se alhear totalmente da sociedade.
Esta
dinâmica dramática manifesta uma grave ruptura no tecido relacional
da sociedade, uma laceração que não podemos ignorar.
Esta
realidade multiforme e insidiosa coloca várias questões de carácter
ético, social, jurídico, político, económico, e interpela também
a Igreja.
Enquanto
cabe aos governos buscar as vias de regulamentação legal para
salvar a visão originária duma rede livre, aberta e segura, é
responsabilidade ao alcance de todos nós promover um uso positivo da
mesma.
Naturalmente
não basta multiplicar as conexões, para ver crescer também a
compreensão recíproca.
Então,
como reencontrar a verdadeira identidade comunitária na consciência
da responsabilidade que temos uns para com os outros inclusive na
rede on-line?
«Somos
membros uns dos outros»
Pode-se
esboçar uma resposta a partir duma terceira metáfora – o corpo
e os membros – usada por São Paulo para falar da relação de
reciprocidade entre as pessoas, fundada num organismo que as une.
«Por
isso, despi-vos da mentira e diga cada um a verdade ao seu próximo,
pois somos membros uns dos outros» (Ef 4, 25).
O
facto de sermos membros uns dos outros é a motivação profunda a
que recorre o Apóstolo para exortar a despir-se da mentira e dizer a
verdade: a obrigação de preservar a verdade nasce da exigência de
não negar a mútua relação de comunhão.
Com
efeito, a verdade revela-se na comunhão; ao contrário, a mentira é
recusa egoísta de reconhecer a própria pertença ao corpo; é
recusa de se dar aos outros, perdendo assim o único caminho para se
reencontrar a si mesmo.
A
metáfora do corpo e dos membros leva-nos a reflectir sobre a nossa
identidade, que se funda sobre a comunhão e a alteridade.
Como
cristãos, todos nos reconhecemos como membros do único corpo cuja
cabeça é Cristo.
Isto
ajuda-nos a não ver as pessoas como potenciais concorrentes,
considerando os próprios inimigos como pessoas.
Já
não tenho necessidade do adversário para me auto-definir, porque o
olhar de inclusão, que aprendemos de Cristo, faz-nos descobrir a
alteridade de modo novo, ou seja, como parte integrante e condição
da relação e da proximidade.
Uma
tal capacidade de compreensão e comunicação entre as pessoas
humanas tem o seu fundamento na comunhão de amor entre as Pessoas
divinas.
Deus
não é Solidão, mas Comunhão; é Amor e, consequentemente,
comunicação, porque o amor sempre comunica; antes, comunica-se a si
mesmo para encontrar o outro.
Para
comunicar connosco e Se comunicar a nós, Deus adapta-Se à nossa
linguagem, estabelecendo na história um verdadeiro e próprio
diálogo com a humanidade (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei
Verbum, 2).
Em
virtude de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus, que é
comunhão e comunicação-de-Si, trazemos sempre no coração a
nostalgia de viver em comunhão, de pertencer a uma comunidade.
Como
afirma São Basílio, «nada é tão específico da nossa natureza
como entrar em relação uns com os outros, ter necessidade uns dos
outros».
O
panorama actual convida-nos, a todos nós, a investir nas relações,
a afirmar – também na rede e através da rede – o carácter
interpessoal da nossa humanidade.
Por
maior força de razão nós, cristãos, somos chamados a manifestar
aquela comunhão que marca a nossa identidade de crentes.
De
facto, a própria fé é uma relação, um encontro; e nós, sob o
impulso do amor de Deus, podemos comunicar, acolher e compreender o
dom do outro e corresponder-lhe.
É
precisamente a comunhão à imagem da Trindade que distingue a pessoa
do indivíduo.
Da
fé num Deus que é Trindade, segue-se que, para ser eu mesmo,
preciso do outro.
Só
sou verdadeiramente humano, verdadeiramente pessoal, se me relacionar
com os outros.
Com
efeito, o termo pessoa conota o ser humano como «rosto», voltado
para o outro, comprometido com os outros.
A
nossa vida cresce em humanidade passando do carácter individual ao
carácter pessoal; o caminho autêntico de humanização vai do
indivíduo que sente o outro como rival para a pessoa que nele
reconhece um companheiro de viagem.
Do
«like» ao «ámen»
A
imagem do corpo e dos membros recorda-nos que o uso da social web
é complementar do encontro em carne e osso, vivido através do
corpo, do coração, dos olhos, da contemplação, da respiração do
outro.
Se
a rede for usada como prolongamento ou expectação de tal encontro,
então não se atraiçoa a si mesma e permanece um recurso para a
comunhão.
Se
uma família utiliza a rede para estar mais conectada, para depois se
encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso.
Se
uma comunidade eclesial coordena a sua actividade através da rede,
para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso.
Se
a rede é uma oportunidade para me aproximar de casos e experiências
de bondade ou de sofrimento distantes fisicamente de mim, para rezar
juntos e, juntos, buscar o bem na descoberta daquilo que nos une,
então é um recurso.
Assim,
podemos passar do diagnóstico à terapia: abrir o caminho ao
diálogo, ao encontro, ao sorriso, ao carinho…
Esta
é a rede que queremos: uma rede feita, não para capturar, mas para
libertar, para preservar uma comunhão de pessoas livres.
A
própria Igreja é uma rede tecida pela Comunhão Eucarística, onde
a união não se baseia nos gostos [«like»], mas na verdade,
no «ámen» com que cada um adere ao Corpo de Cristo,
acolhendo os outros.
Vaticano,
na Memória de São Francisco de Sales, 24 de Janeiro de 2019.
Franciscus
Fontes:
Santa Sé; Notícias
do Vaticano; D.
João Lavrador (Diocese de Angra do Heroísmo)
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