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o Papa Francisco aos novos Cardeais criados no
Consistório deste Sábado
Neste Consistório o Papa criou treze novos Cardeais, entre
eles D. José Tolentino Mendonça.
“Estamos
conscientes – a começar por nós – de que fomos objecto da
compaixão de Deus? Dirijo-me em particular a vós, irmãos já
Cardeais ou próximo a sê-lo: está viva em vós esta consciência?
A consciência de ter sido e continuar a ser incessantemente
precedidos e acompanhados pela sua misericórdia?”
Foram
algumas das interpelações do Papa durante a homilia.
Na
sua reflexão, partindo do trecho do Evangelho de São Marcos 6,
30-37a, o Santo Padre concentrou-se na “compaixão” de Jesus,
centro da narração evangélica proposta, desenvolvendo-a
posteriormente.
“Compaixão,
palavra-chave do Evangelho; está escrita no coração de Cristo,
está sempre escrita no coração de Deus.”
Concluída
a homilia, passou-se à criação propriamente dita dos novos
Cardeais.
O
Papa Francisco elencou os nomes dos novos purpurados e anunciou a
Ordem Presbiteral ou Diaconal à qual foram designados.
Seguiu-se
o ritual, entre outros, com o acto solene de imposição do barrete,
a entrega do anel cardinalício e a atribuição do Título ou da
Diaconia aos novos purpurados entre os quais, Dom Miguel Ángel Ayuso
Guixot, presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo
Inter-religioso; Dom José Tolentino Calaça de Mendonça, arquivista
e bibliotecário de Santa Romana Igreja, e Dom Juan de la Caridad
García Rodríguez, arcebispo de Havana, em Cuba.
No
final do Consistório Ordinário Público o Papa Francisco visitou
com os novos cardeais o Papa emérito Bento XVI, na sua residência
Mater Ecclesiae, situada nos Jardins do Vaticano.
Papa
criou D. José Tolentino Mendonça como Cardeal
D.
José Tolentino Mendonça, novo Cardeal português
Homilia
do Papa no Consistório 2019
CONSISTÓRIO
ORDINÁRIO PÚBLICO PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS CARDEAIS
HOMILIA
DO PAPA FRANCISCO
Basílica
do Vaticano
Sábado,
5 de Outubro de 2019
No
centro da narração evangélica que ouvimos (Mc 6, 30-37a) está a
«compaixão» de Jesus (cf. 6, 34).
Compaixão,
palavra-chave do Evangelho; está escrita no coração de Cristo,
desde sempre está escrita no coração de Deus.
Nos
Evangelhos, vemos frequentemente Jesus sentindo compaixão pelas
pessoas que sofrem.
E
quanto mais lemos, mais contemplamos e mais entendemos que a
compaixão do Senhor não é uma atitude ocasional e esporádica, mas
é constante; mais, parece ser a atitude do seu coração, no
qual encarnou a misericórdia de Deus.
Marcos,
por exemplo, refere que Jesus, quando começou a andar pela Galileia
pregando e expulsando os demónios, «um leproso veio ter com Ele,
caiu de joelhos e suplicou: “Se quiseres, podes purificar-me”.
Compadecido, Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: “Quero,
fica purificado”» (1, 40-42).
Neste
gesto e nestas palavras, temos a missão de Jesus, Redentor do homem:
Redentor na compaixão.
Ele
encarna a vontade de Deus de purificar o ser humano doente da lepra
do pecado; Ele é a «mão estendida de Deus», que toca a nossa
carne enferma e, fazendo-o, preenche o abismo da separação.
Jesus
vai procurar as pessoas descartadas, aquelas que já estão
sem esperança.
Como
aquele homem, paralítico há trinta e oito anos que jaz perto da
piscina de Betzatà esperando, em vão, por alguém que o ajude a
mergulhar na água (cf. Jo 5, 1-9).
Esta
compaixão não despontou a certo ponto da história da salvação.
Não!
Sempre existiu em Deus, gravada no seu coração de Pai.
Pensemos,
por exemplo, na narração da vocação de Moisés, quando Deus lhe
fala da sarça ardente dizendo: «Eu bem vi a opressão do meu povo
que está no Egito, e ouvi o seu clamor, (...) conheço, na verdade,
os seus sofrimentos» (Ex 3, 7).
Eis
a compaixão do Pai.
O
amor de Deus pelo seu povo está todo impregnado de compaixão, a
ponto de, nesta relação de aliança, o que é divino é compassivo,
enquanto aquilo que é humano aparece, infelizmente, tão desprovido,
tão longe da compaixão.
Di-lo
o próprio Deus: «Como poderia abandonar-te, ó Efraim? Entregar-te,
ó Israel? (...) O meu coração dá voltas dentro de mim, comovem-se
as minhas entranhas (…), porque sou Deus e não um homem, sou o
Santo no meio de ti e não Me deixo levar pela ira» (Os 11, 8-9).
Muitas
vezes, os discípulos de Jesus dão provas de não sentir compaixão,
como neste caso da multidão faminta.
Basicamente
dizem: «Que se arranjem!»
É
uma atitude comum entre nós, seres humanos, mesmo em pessoas
religiosas ou até ligadas ao culto.
Lavamos
daí as nossas mãos.
A
função que desempenhamos não basta para nos fazer compassivos,
como demonstra o comportamento do sacerdote e do levita que, vendo um
homem moribundo na beira da estrada, passaram ao largo (cf. Lc 10,
31-32).
Terão
dito para consigo: «Não é da minha competência».
Há
sempre qualquer pretexto, qualquer justificação para se passar ao
largo.
E,
quando um homem de Igreja se torna um funcionário, esta é a saída
mais amarga.
Há
sempre justificações; às vezes até se tornam lei, dando origem a
«descartados institucionais», como no caso dos leprosos: «É certo
que devem estar fora; é justo assim».
Assim
se pensava, e assim se continua a pensar.
Deste
comportamento muito humano, demasiado humano, derivam também
estruturas de não-compaixão.
Neste
ponto, podemos perguntar-nos:
Estamos
conscientes – a começar por nós – de que fomos objecto da
compaixão de Deus?
Dirijo-me
em particular a vós, irmãos já Cardeais ou próximo a sê-lo: está
viva em vós esta consciência?
A
consciência de ter sido e continuar a ser incessantemente precedidos
e acompanhados pela sua misericórdia?
Esta
consciência era o estado permanente do coração imaculado da Virgem
Maria, que louva a Deus como seu «Salvador, porque pôs os olhos na
humildade da sua serva» (Lc 1, 48).
A
mim, ajuda-me muito rever-me no capítulo 16 de Ezequiel – a
história do amor de Deus por Jerusalém –, mais concretamente na
conclusão:
«Estabelecerei
contigo a minha aliança e, então, saberás que Eu sou o Senhor, a
fim de que te lembres de Mim e sintas vergonha e não abras mais a
boca no meio da tua confusão, quando Eu te perdoar tudo o que
fizeste» (16, 62-63).
Ou
então neste oráculo de Oseias: «Ao deserto a conduzirei, para lhe
falar ao coração. (...) Aí, ela responderá como no tempo da sua
juventude, como nos dias em que subiu da terra do Egipto» (2,
16-17).
Podemos
perguntar-nos:
Sinto
a compaixão de Deus por mim?
Sinto
em mim a segurança de ser filho da compaixão?
Em
nós, está viva a consciência desta compaixão de Deus por nós?
Não
se trata duma coisa facultativa, nem – diria – dum «conselho
evangélico».
Não!
É um requisito essencial.
Se
não me sinto objecto da compaixão de Deus, não compreendo o seu
amor.
Não
é uma realidade que se possa explicar.
Ou
a sinto, ou não.
E,
se não a sinto, como posso comunicá-la, testemunhá-la, dá-la?
Na
verdade, não conseguirei fazê-lo.
Concretamente:
Tenho
compaixão pelo irmão tal, pelo bispo tal, pelo padre tal?
Ou
sempre destruo com a minha atitude de condenação, de indiferença,
de passar ao largo para, na prática, me lavar as mãos disso?
Desta
consciência viva depende para todos nós também a capacidade de
ser leal no próprio ministério.
Vale
também para vós, irmãos Cardeais.
A
palavra «compaixão» subiu-me do coração precisamente no momento
em que comecei a escrever-vos a carta do passado dia 1 de Setembro.
A
disponibilidade de um Purpurado para dar o seu próprio sangue –
significado na cor vermelha das suas vestes – é certa, quando está
enraizada nesta consciência de ter recebido compaixão e na
capacidade de ter compaixão.
Caso
contrário, não se pode ser leal.
Muitos
comportamentos desleais de homens de Igreja dependem da falta deste
sentimento da compaixão recebida e do hábito de passar ao largo, do
hábito da indiferença.
Peçamos
hoje, por intercessão do apóstolo Pedro, a graça dum coração
compassivo, para ser testemunhas d’Aquele que nos amou e continua a
amar, que nos olhou com misericórdia, escolheu, consagrou e enviou
para levar a todos o seu Evangelho de salvação.
Papa
Francisco
Fontes:
Santa Sé; Notícias do Vaticano; Agência Ecclesia
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