O Papa Francisco falou do tesouro que só é apreciado quando o perdemos
O "tesouro" que só é apreciado quando o perdemos, a liberdade cristã, foi tema da catequese de hoje.
Dando continuidade ao ciclo sobre a Carta aos Gálatas, o Santo Padre comentou alguns versículos do quarto capítulo, em que o Apóstolo afirma que “é para a liberdade que Cristo nos libertou”.
A fonte da nossa liberdade está precisamente no ponto onde acabamos despojados dela, isto é, na morte de Cristo. É o mistério de Deus.
"Jesus realiza a sua plena liberdade ao entregar-se à morte; ele sabe que só desta forma pode obter vida para todos."
O Papa prosseguiu explicando que a liberdade cristã é fundada sobre dois pilares fundamentais: primeiro, a graça do Senhor Jesus.
“Em primeiro lugar, é o dom do Senhor. A liberdade que os Gálatas receberam – e nós como eles através do baptismo – é o fruto da morte e ressurreição de Jesus”.
O segundo pilar da liberdade é a verdade. É preciso recordar que a verdade da fé não é uma teoria abstracta, mas a realidade de Cristo vivo.
“Quantas pessoas que não estudaram, nem sequer sabem ler nem escrever, mas compreenderam bem a mensagem de Cristo, têm esta sabedoria que as liberta. É a sabedoria de Cristo que entrou através do Espírito Santo no baptismo”.
O caminho da verdade e da liberdade é um caminho difícil, que dura a vida inteira.
“É um caminho no qual somos guiados e apoiados pelo Amor que vem da Cruz: o Amor que nos revela a verdade e nos dá liberdade. E este é o caminho para a felicidade. A liberdade torna-nos livres, torna-nos alegres, torna-nos felizes.”
PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI, Quarta-feira, 6 de Outubro de 2021
Catequese sobre a Carta aos Gálatas 10. Cristo libertou-nos
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje retomamos a nossa reflexão sobre a Carta aos Gálatas. Nela, São Paulo escreveu palavras imortais sobre a liberdade cristã. O que é a liberdade cristã? Reflictamos hoje sobre este tema: a liberdade cristã.
A liberdade é um tesouro que só é verdadeiramente apreciado quando o perdemos. Para muitos de nós, habituados a viver em liberdade, muitas vezes parece mais um direito adquirido do que um dom e uma herança a ser preservada. Quantos desentendimentos em torno do tema da liberdade, e quantas visões diferentes se confrontaram ao longo dos séculos!
No caso dos Gálatas, o Apóstolo não podia suportar que esses cristãos, depois de terem conhecido e aceitado a verdade de Cristo, se deixassem atrair por propostas enganosas, passando da liberdade à escravidão: da presença libertadora de Jesus à escravidão do pecado, do legalismo, etc. Ainda hoje o legalismo é um nosso problema, o problema de muitos cristãos que se refugiam no legalismo, na casuística. Portanto, Paulo convida os cristãos a permanecerem firmes na liberdade que receberam através do baptismo, sem se deixarem colocar de novo sob o «jugo da escravidão» (Gl 5, 1). Ele é justamente ciumento da liberdade. Está ciente de que alguns «falsos irmãos» – define-os deste modo – «que se intrometeram e entraram a espiar – como escreve – a liberdade que temos em Jesus Cristo a fim de nos reduzir à escravidão» (Gl 2, 4), voltar atrás, e Paulo não pode tolerar isto. A pregação que impede a liberdade em Cristo nunca seria evangélica: poderia ser pelagiana ou jansenista ou algo do género, mas não seria evangélica. Nunca se pode forçar em nome de Jesus, não se pode fazer de ninguém um escravo em nome de Jesus que nos liberta. A liberdade é um dom que nos é dado no baptismo.
Mas o ensinamento de São Paulo sobre a liberdade é sobretudo positivo. O Apóstolo propõe o ensinamento de Jesus, que também encontramos no Evangelho de João: «Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á» (8, 31-32). Por conseguinte, acima de tudo, o apelo consiste em permanecer em Jesus, fonte da verdade que nos liberta. Portanto, a liberdade cristã baseia-se em dois pilares fundamentais: primeiro, a graça do Senhor Jesus; segundo, a verdade que Cristo nos revela e que é Ele próprio.
Em primeiro lugar, é o dom do Senhor. A liberdade que os Gálatas receberam – e nós como eles através do baptismo – é o fruto da morte e ressurreição de Jesus. O Apóstolo concentra toda a sua pregação em Cristo, que o libertou dos vínculos com a sua vida passada: só dele brotam os frutos da nova vida de acordo com o Espírito. De facto, a liberdade mais verdadeira, a liberdade da escravidão do pecado, veio da Cruz de Cristo. Estamos livres da escravidão do pecado através da Cruz de Cristo. Precisamente nela, onde Jesus se deixou pregar, onde se fez escravo, Deus colocou a fonte da libertação do homem. Isto nunca deixa de nos surpreender: que o lugar onde somos despojados de toda a liberdade, nomeadamente a morte, pode tornar-se a fonte da liberdade. Mas este é o mistério do amor de Deus: não é facilmente compreendido, é vivido. O próprio Jesus anunciou-o quando disse: «O Pai ama-me, porque dou a minha vida para a retomar. Ninguém ma tira. Sou Eu que a dou por Mim mesmo. Tenho poder para a dar e para tornar a tomá-la» (Jo 10, 17-18). Jesus realiza a sua plena liberdade ao entregar-se à morte; ele sabe que só desta forma pode obter vida para todos.
Paulo, como sabemos, viveu pessoalmente este mistério de amor. É por isso que diz aos Gálatas, com uma expressão extremamente audaz: «Fui crucificado com Cristo» (Gl 2, 19). Nesse acto de união suprema com o Senhor, sabe que recebeu o maior dom da sua vida: a liberdade. De facto, na cruz pregou «a carne com as suas paixões e desejos» (5, 24). Compreendemos quanto a fé animava o Apóstolo, quanto era grande a sua intimidade com Jesus e enquanto, por um lado, sentimos que nos falta isso, por outro, o testemunho do Apóstolo encoraja-nos a ir em frente nesta vida livre. O cristão é livre, deve ser livre e é chamado a não voltar a ser escravo de preceitos, de coisas estranhas.
O segundo pilar da liberdade é a verdade. Também neste caso é necessário recordar que a verdade da fé não é uma teoria abstracta, mas a realidade do Cristo vivo, que toca directamente o significado quotidiano e global da vida pessoal. Quantas pessoas que não estudaram, nem sequer sabem ler nem escrever, mas compreenderam bem a mensagem de Cristo, têm esta sabedoria que as liberta. É a sabedoria de Cristo que entrou através do Espírito Santo no baptismo. Quantas pessoas encontramos que vivem a vida de Cristo mais do que os grandes teólogos, por exemplo, oferecendo um testemunho precioso da liberdade do Evangelho. A liberdade torna-nos livres na medida em que transforma a vida de uma pessoa e a encaminha para o bem. Para sermos verdadeiramente livres, precisamos não só de nos conhecer a nós mesmos, a nível psicológico, mas sobretudo de sermos nós mesmos verdade, a um nível mais profundo. E ali, no coração, abrimo-nos à graça de Cristo. A verdade deve inquietar-nos – voltemos a esta palavra cristã: inquietar. Sabemos que há cristãos que nunca ficam inquietos: vivem sempre iguais, não há movimento nos seus corações, não há inquietude. Porquê? Porque a inquietação é o sinal de que o Espírito Santo age dentro de nós, e a liberdade é activa, suscitada pela graça do Espírito Santo. É por isso que digo que a liberdade deve inquietar-nos, deve continuamente fazer-nos perguntas, para que possamos ir cada vez mais a fundo no que realmente somos. Desta forma, descobrimos que o caminho para a verdade e a liberdade é cansativo e dura a vida inteira. É difícil permanecer livre, é difícil; mas não é impossível. Coragem, levemos isto por diante, far-nos-á bem. É um caminho no qual somos guiados e apoiados pelo Amor que vem da Cruz: o Amor que nos revela a verdade e nos dá liberdade. E este é o caminho para a felicidade. A liberdade torna-nos livres, torna-nos alegres, torna-nos felizes.
Fontes: Santa Sé; Notícias do Vaticano
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