Ser católico significa abrir-se a todos os povos e culturas de todos os tempos
- Papa Francisco na catequese de hoje
“A liberdade cristã, fermento universal de libertação” foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral desta Quarta-feira realizada na Sala Paulo VI.
Dando continuidade ao ciclo de catequeses sobre a Carta aos Gálatas, o Papa sublinhou que,
“São Paulo considera o âmago da liberdade: o facto de, com a morte e ressurreição de Jesus Cristo, termos sido libertados da escravidão do pecado e da morte. Por outras palavras: somos livres porque fomos libertados, libertados por graça – não por pagamento – libertados pelo amor, que se torna a lei suprema e nova da vida cristã. O amor: somos livres porque fomos libertados gratuitamente. Este é precisamente o ponto-chave.”
O Papa sublinhou a necessidade de "respeitar a origem cultural de cada pessoa, colocando-a num espaço de liberdade que não seja restringido por qualquer imposição ditada por uma única cultura predominante".
“Este é o significado de nos chamarmos católicos, de falarmos da Igreja católica: não é uma denominação sociológica para nos distinguir dos outros cristãos; católico é um adjectivo que significa universal: a catolicidade, a universalidade. Igreja universal, isto é, católica, significa que a Igreja tem em si, na própria natureza, uma abertura a todos os povos e culturas de todos os tempos, pois Cristo nasceu, morreu e ressuscitou para todos.”
PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI, Quarta-feira, 13 de Outubro de 2021
Catequese sobre a Carta aos Gálatas 11. A liberdade cristã, fermento universal de libertação
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
No nosso itinerário catequético sobre a Carta aos Gálatas, pudemos concentrar-nos no que São Paulo considera o âmago da liberdade: o facto de, com a morte e ressurreição de Jesus Cristo, termos sido libertados da escravidão do pecado e da morte. Por outras palavras: somos livres porque fomos libertados, libertados por graça – não por pagamento – libertados pelo amor, que se torna a lei suprema e nova da vida cristã. O amor: somos livres porque fomos libertados gratuitamente. Este é precisamente o ponto-chave.
Hoje gostaria de salientar como esta novidade de vida nos abre para acolher cada povo e cultura e, ao mesmo tempo, abre cada povo e cultura a uma maior liberdade. Na verdade, São Paulo diz que para aqueles que aderem a Cristo, já não importa se são judeus ou pagãos. Conta apenas «a fé que actua pela caridade» (Gl 5, 6). Crer que fomos libertados e crer em Jesus Cristo que nos libertou: esta é a fé activa pela caridade. Os detractores de Paulo – aqueles fundamentalistas que lá tinham chegado – atacavam-no por esta novidade, alegando que tinha tomado esta posição por oportunismo pastoral, ou seja, para “agradar a todos”, minimizando as exigências recebidas da sua mais estreita tradição religiosa. É o mesmo discurso dos fundamentalistas de hoje: a história repete-se sempre. Como podemos ver, a crítica a cada novidade evangélica não é apenas da nossa época, mas tem uma longa história. No entanto, Paulo não permanece em silêncio. Responde com parrésia – é uma palavra grega que indica coragem, força – e diz: «Porventura procuro eu agora conciliar o favor dos homens, ou o de Deus? Ou procuro agradar aos homens? Se procurasse agradar aos homens, não seria servo de Cristo» (Gl 1, 10). Já na sua primeira Carta aos Tessalonicenses expressou-se em termos semelhantes, dizendo que na pregação «nunca usamos de adulação, [...] nem fomos levados por interesse algum [...]. Não procuramos a glória entre os homens» (1 Ts 2, 5-6), que são as vias do “faz de conta”; uma fé que não é fé, é mundanidade.
Mais uma vez, o pensamento de Paulo mostra-se de uma profundidade inspirada. Para ele, aceitar a fé significa renunciar não ao coração das culturas e tradições, mas apenas ao que pode impedir a novidade e a pureza do Evangelho. Porque a liberdade obtida pela morte e ressurreição do Senhor não entra em conflito com as culturas e tradições que recebemos, mas introduz nelas uma nova liberdade, uma novidade libertadora, a do Evangelho. Com efeito, a libertação obtida através do baptismo permite-nos adquirir a plena dignidade de filhos de Deus, de modo que, enquanto permanecemos firmemente enxertados nas nossas raízes culturais, ao mesmo tempo abrimo-nos ao universalismo da fé, que entra em cada cultura, reconhece os germes de verdade presentes nela e desenvolve-os, levando à plenitude o bem nelas contido. Aceitar que fomos libertados por Cristo – a sua paixão, a sua morte, a sua ressurreição – é aceitar e levar a plenitude também às diversas tradições de cada povo. A verdadeira plenitude.
Na chamada à liberdade descobrimos o verdadeiro significado da inculturação do Evangelho. Qual é este verdadeiro significado? Ser capaz de proclamar a Boa Nova de Cristo Salvador, respeitando o que é bom e verdadeiro nas culturas. Isto não é fácil! Há muitas tentações de impor o próprio modelo de vida como se fosse o mais evoluído e desejável. Quantos erros foram cometidos na história da evangelização ao querer impor apenas um modelo cultural! A uniformidade como regra de vida não é cristã! A unidade sim, a uniformidade não! Por vezes, nem sequer se renunciou à violência a fim de fazer prevalecer o próprio ponto de vista. Pensemos nas guerras. Desta forma, a Igreja privou-se da riqueza de tantas expressões locais que têm em si as tradições culturais de povos inteiros. Mas isto é exactamente o oposto da liberdade cristã! Por exemplo, vem-me à mente quando se afirmou o modo de fazer apostolado na China com o padre Ricci ou na Índia com o padre De Nobili… [Alguém dizia]: “Mas não, isto não é cristão!”. Sim, é cristão, está na cultura do povo.
Em suma, a visão de liberdade própria de Paulo é iluminada e enriquecida pelo mistério de Cristo, que na sua encarnação – como recorda o Concílio Vaticano II – se uniu de certo modo a cada homem (cf. Const. past. Gaudium et spes, 22). E isto significa que não há uniformidade, ao contrário, há a variedade, mas variedade unida. Disto deriva o dever de respeitar a origem cultural de cada pessoa, colocando-a num espaço de liberdade que não seja restringido por qualquer imposição ditada por uma única cultura predominante. Este é o significado de nos chamarmos católicos, de falarmos da Igreja católica: não é uma denominação sociológica para nos distinguir dos outros cristãos; católico é um adjectivo que significa universal: a catolicidade, a universalidade. Igreja universal, isto é, católica, significa que a Igreja tem em si, na própria natureza, uma abertura a todos os povos e culturas de todos os tempos, pois Cristo nasceu, morreu e ressuscitou para todos.
Por outro lado, a cultura está, pela sua natureza, em contínua transformação. Pensemos em como somos chamados a proclamar o Evangelho neste momento histórico de grande mudança cultural, onde parece predominar a tecnologia cada vez mais avançada. Se pretendêssemos falar da fé como se fazia nos séculos passados, correríamos o risco de já não sermos compreendidos pelas novas gerações. A liberdade da fé cristã – a liberdade cristã – não indica uma visão estática da vida e da cultura, mas uma visão dinâmica, uma visão dinâmica inclusive da tradição. A tradição cresce, mas sempre com a mesma natureza. Por conseguinte, não pretendamos ter a posse da liberdade. Recebemos um dom que deve ser preservado. E é a liberdade que pede a cada um de nós para permanecer num caminho constante, orientados para a sua plenitude. É a condição de peregrinos; é o estado dos caminhantes, num êxodo contínuo: libertados da escravidão para caminhar rumo à plenitude da liberdade. E este é o grande dom que Jesus Cristo nos doou. O Senhor libertou-nos da escravidão gratuitamente e pôs-nos na via para caminhar na plena liberdade.
Fontes: Santa Sé; Notícias do Vaticano
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