Este
texto oferece um instrumento de suporte para uma primeira leitura da
Encíclica, ajudando a compreender o seu desenrolar na totalidade e a
identificar as linhas principais
A
primeira parte apresenta a Laudato si’ na sua globalidade;
depois,
cada capítulo, indica seu objectivo e reproduz alguns trechos
significativos.
Os
números entre parêntesis remetem aos parágrafos da Encíclica.
No
final encontra o índice completo.
Um
olhar por inteiro
«Que
tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças
que estão a crescer?» (160).
Esta
interrogação é o âmago da Laudato si’, a esperada
Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum.
Que
prossegue: «Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de
maneira isolada, porque não se pode pôr a questão de forma
fragmentária», e isso conduz a interrogar-se sobre o sentido da
existência e sobre os valores que estão na base da vida social: «
Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que
necessidade tem de nós esta terra?»: « Se não pulsa nelas esta
pergunta de fundo,– diz o Pontífice – não creio que as
nossas preocupações ecológicas possam surtir efeitos
importantes».
O
nome da Encíclica foi inspirado na invocação de São Francisco
«Louvado sejas, meu Senhor», que no Cântico das criaturas recorda
que a terra, a nossa casa comum, « se pode comparar ora a uma irmã,
com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos
acolhe nos seus braços» (1). Nós mesmos «somos terra (cfr Gen
2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu
ar permite-nos respirar e a sua água vivifica-nos e restaura-nos»
(2).
Agora,
esta terra maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos se unem
aos de todos os abandonados do mundo. O Papa Francisco convida a
ouvi-los, exortando todos e cada um – indivíduos, famílias,
colectividades locais, nações e comunidade internacional – a uma
«conversão ecológica», segundo a expressão de São João Paulo
II, isto é, a «mudar de rumo», assumindo a beleza e a
responsabilidade de um compromisso para o «cuidado da casa comum».
Ao mesmo tempo, o Papa Francisco reconhece que se nota « uma
crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado
da natureza, e cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que
está a acontecer ao nosso planeta. » (19), legitimando um olhar
de esperança que permeia toda a Encíclica e envia a todos uma
mensagem clara e repleta de esperança: « A humanidade possui ainda
a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum. »
(13); «o ser humano ainda é capaz de intervir de forma positiva »
(58); «nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de
tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a
escolher o bem e regenerar-se » (205).
O
Papa Francisco dirige-se certamente aos fiéis católicos, retomando
as palavras de São João Paulo II: «os cristãos, em particular,
advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em
relação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé » (64),
mas se propõe « especialmente entrar em diálogo com todos acerca
da nossa casa comum » (3): o diálogo percorre todo o texto, e
no cap. 5 se torna o instrumento para enfrentar e resolver os
problemas. Desde o início, o Papa Francisco recorda que também
«outras Igrejas e Comunidades cristãs – bem como noutras
religiões – se tem desenvolvido uma profunda preocupação e uma
reflexão valiosa» sobre o tema da ecologia (7). Ou melhor, assume
explicitamente sua contribuição a partir do que foi dito pelo
«amado Patriarca Ecuménico Bartolomeu» (7), amplamente citado nos
nn. 8‐9. Em vários trechos, o Pontífice agradece aos
protagonistas deste esforço – seja indivíduos, seja associações
ou instituições –, reconhecendo que «a reflexão de inúmeros
cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais que
enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões» (7) e
convida todos a reconhecer «a riqueza que as religiões possam
oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do
género humano» (62).
O
itinerário da Encíclica é traçado no n. 15 e desenvolve-se em
seis capítulos. Passa-se de uma análise da situação a partir das
melhores aquisições científicas hoje disponíveis (cap. 1), ao
confronto com a Bíblia e a tradição judaico-cristã (cap. 2),
identificando a raiz dos problemas (cap. 3) na tecnocracia e num
excessivo fechamento autorreferencial do ser humano. A proposta da
Encíclica (cap. 4) é a de uma «ecologia integral, que inclua
claramente as dimensões humanas e sociais» (137),
indissoluvelmente ligadas com a questão ambiental. Nesta
perspectiva, o Papa Francisco propõe (cap. 5) empreender em todos os
níveis da vida social, económica e política um diálogo honesto,
que estruture processos de decisão transparentes, e recorda (cap. 6)
que nenhum projecto pode ser eficaz se não for animado por uma
consciência formada e responsável, sugerindo ideias para crescer
nesta direcção em nível educativo, espiritual, eclesial, político
e teológico. O texto se conclui com duas orações, uma oferecida à
partilha com todos os que acreditam num «Deus Criador Omnipotente»
(246), e outra proposta aos que professam a fé em Jesus Cristo,
ritmada pelo refrão «Laudato si’», com o qual a Encíclica se
abre e se conclui.
O
texto é atravessado por alguns eixos temáticos, analisados por uma
variedade de perspectivas diferentes, que lhe conferem uma forte
unidade: «a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do
planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no
mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam
da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a
economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido
humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a
grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura
do descarte e a proposta dum novo estilo de vida » (16).
Primeiro
Capítulo – O que está a acontecer à nossa casa
O
capítulo apresenta as mais recentes aquisições científicas em
matéria ambiental como modo de ouvir o grito da criação, «
transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo e,
assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar » (19).
Enfrentam-se assim «vários aspectos da actual crise ecológica»
(15).
As
mudanças climáticas:
«As
mudanças climáticas são um problema global com graves
implicações ambientais, sociais, económicas, distributivas e
políticas, constituindo actualmente um dos principais desafios para
a humanidade» (25). Se « o clima é um bem comum, um bem de todos e
para todos » (23), o impacto mais pesado da sua alteração recai
sobre os mais pobres, mas muitos «daqueles que detêm mais recursos
e poder económico ou político parecem concentrar-se sobretudo em
mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas » (26): «a falta
de reacções diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um
sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos
semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil » (25).
A
questão da água: O Pontífice afirma claramente que « o acesso à
água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e
universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto,
é condição para o exercício dos outros direitos humanos ».
Privar os pobres do acesso à água significa « negar-lhes o direito
à vida radicado na sua dignidade inalienável » (30).
A
preservação da biodiversidade:
«Anualmente,
desaparecem milhares de espécies vegetais e animais que já não
poderemos conhecer mais, que os nossos filhos não poderão ver,
perdidas para sempre» (33). Não são somente eventuais “recursos”
exploráveis, mas têm um valor em si mesmos. Nesta perspectiva, «
são louváveis e, às vezes, admiráveis os esforços de cientistas
e técnicos que procuram dar solução aos problemas criados pelo ser
humano », mas a intervenção humana, quando se coloca a serviço
da finança e do consumismo, « faz com que esta terra onde
vivemos
se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e
cinzenta » (34).
A
dívida ecológica:
no
âmbito de uma ética das relações internacionais, a Encíclica
indica que existe «uma verdadeira “dívida ecológica”» (51),
sobretudo do Norte em relação ao Sul do mundo. Diante das mudanças
climáticas, existem «responsabilidades diversificadas» (52), e as
dos países desenvolvidos são maiores.
Consciente
das profundas divergências quanto a essas problemáticas, o Papa
Francisco se mostra profundamente impressionado com a «fraqueza
das reacções» diante dos dramas de tantas pessoas e populações.
Embora não faltem exemplos positivos (58), sinaliza «um certo
torpor e uma alegre irresponsabilidade » (59). Faltam uma cultura
adequada (53) e a disponibilidade em mudar estilos de vida, produção
e consumo (59), enquanto é urgente «criar um sistema normativo
[...] que inclua limites invioláveis e assegure a protecção dos
ecossistemas » (53).
Segundo
capítulo – O Evangelho da criação
Para
enfrentar as problemáticas ilustradas no capítulo precedente, o
Papa Francisco relê as narrações da Bíblia, oferece uma visão
global oriunda da tradição judaico-cristã e articula a «tremenda
responsabilidade» (90) do ser humano diante da criação, o elo
íntimo entre todas as criaturas e o facto de que «o meio ambiente é
um bem colectivo, património de toda a humanidade e responsabilidade
de todos» (95).
Na
Bíblia, «o Deus que liberta e salva é o mesmo que criou o
universo. [...] n’Ele se conjugam o carinho e a força » (73). A
narração da criação é central para reflectir sobre a relação
entre o ser humano e as outras criaturas e sobre como o pecado rompe
o equilíbrio de toda a criação no seu conjunto: «Essas narrações
sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações
fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o
próximo e com a terra. Segundo a Bíblia, essas três relações
vitais romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de nós.
Esta ruptura é o pecado» (66).
Por
isso, mesmo que nós « cristãos, algumas vezes interpretámos de
forma incorrecta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar
que, do facto de ser criados à imagem de Deus e do mandato de
dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras
criaturas» (67). Ao ser humano cabe a responsabilidade de «“cultivar
e guardar” o jardim do mundo (cfr Gen 2,15)» (67), sabendo
que «o fim último das restantes criaturas não somos nós. Mas
todas avançam, juntamente connosco e através de nós, para a meta
comum, que é Deus » (83).
Que
o ser humano não seja o dono do universo, «não significa igualar
todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar
» que o caracteriza; « também não requer uma divinização da
terra, que nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e
proteger a sua fragilidade » (90). Nesta perspectiva, « todo o
encarniçamento contra qualquer criatura «é contrário à dignidade
humana» » (92), mas « não pode ser autêntico um sentimento de
união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não
houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres
humanos » (91). Necessita-se da consciência de uma comunhão
universal: « criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços
invisíveis e formamos uma espécie de família universal, […]que
nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde » (89).
O
coração da revelação cristã conclui o Capítulo: «Jesus
terreno» com a «sua relação tão concreta e amorosa com o
mundo» «ressuscitado e glorioso», está «presente em toda a
criação com o seu domínio universal » (100).
Terceiro
capítulo – A raiz humana da crise ecológica
Este
capítulo apresenta uma análise da situação actual, «de modo a
individuar não apenas os seus sintomas, mas também as causas mais
profundas» (15), em um diálogo com a filosofia e as ciências
humanas.
Um
primeiro fulcro do capítulo são as reflexões sobre a tecnologia:
é
reconhecida, com gratidão, a sua contribuição para o melhoramento
das condições de vida (102-103); todavia ela oferece «àqueles que
detêm o conhecimento e sobretudo o poder económico para o
desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do género
humano e do mundo inteiro» (104). São precisamente as lógicas de
domínio tecnocrático que levam a destruir a natureza e explorar as
pessoas e as populações mais vulneráveis. «O paradigma
tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia
e a política» (109), impedindo reconhecer que «o mercado, por si
mesmo[...] não garante o desenvolvimento humano integral nem a
inclusão social» (109).
Na
raiz se diagnostica na época moderna um excesso de antropocentrismo
(116):
o
ser humano não reconhece mais sua correta posição em relação ao
mundo e assume uma posição autorreferencial, centrada
exclusivamente em si mesmo e no próprio poder. Deriva então uma
lógica do «descartável» que justifica todo tipo de descarte,
ambiental ou humano que seja, que trata o outro e a natureza como um
simples objecto e conduz a uma miríade de formas de dominação. É
a lógica que leva a explorar as crianças, a abandonar os idosos, a
reduzir os outros à escravidão, a superestimar a capacidade do
mercado de se autorregular, a praticar o tráfico de seres humanos, o
comércio de peles de animais em risco de extinção e de “diamantes
ensanguentados”. É a mesma lógica de muitas máfias, dos
traficantes de órgãos, do tráfico de drogas e do descarte de
crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais. (123)
Nesta
luz, a encíclica aborda duas questões cruciais para o mundo de
hoje. Antes de tudo, o trabalho: «Em qualquer abordagem de ecologia
integral que não exclua o ser humano, é indispensável incluir o
valor do trabalho» (124), bem como «renunciar a investir nas
pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio
para a sociedade» (128).
A
segunda diz respeito aos limites do progresso científico, com clara
referência aos OGM (132-136), que são «uma questão de carácter
complexo» (135). Embora «nalgumas regiões, a sua utilização ter
produzido um crescimento económico que contribuiu para resolver
determinados problemas, há dificuldades importantes que não devem
ser minimizadas» (134), a partir da «concentração de terras
produtivas nas mãos de poucos» (134). O Papa Francisco pensa em
particular nos pequenos produtores e trabalhadores rurais, na
biodiversidade, na rede de ecossistemas. É, portanto, preciso
assegurar «um debate científico e social que seja responsável e
amplo, capaz de considerar toda a informação disponível e chamar
as coisas pelo seu nome» a partir de «linhas de pesquisa autónomas
e interdisciplinares que possam trazer nova luz» (135).
Quarto
capítulo – Uma ecologia integral
O
coração da proposta da Encíclica é a ecologia integral como novo
paradigma de justiça; uma ecologia «que integre o lugar específico
que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a
realidade que o circunda» (15).
De
facto, «isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado
de nós ou como uma mera moldura da nossa vida» (139). Isto vale,
por mais que vivemos em diferentes campos: na economia e na política,
nas diversas culturas, em particular modo nas mais ameaçadas, e até
mesmo em cada momento da nossa vida quotidiana.
A
perspectiva integral põe em jogo também uma ecologia das
instituições: «Se tudo está relacionado, também o estado de
saúde das instituições de uma sociedade tem consequências no
ambiente e na qualidade de vida humana: “toda a lesão da
solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais” »
(142). Com muitos exemplos concretos, o Papa Francisco reafirma o seu
pensamento: há uma ligação entre questões ambientais e questões
sociais e humanas que nunca pode ser rompida. Assim, « a análise
dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos
humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa
consigo mesma » (141), enquanto «Não há duas crises separadas,
uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise
sócio-ambiental» (139).
Esta
ecologia integral «é inseparável da noção de bem comum» (156),
a ser entendida, no entanto, de modo concreto: no contexto de hoje,
no qual «há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as
pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais»
comprometer-se pelo bem comum significa fazer escolhas solidárias
com base em «uma opção preferencial pelos mais pobres» (158).
Esta é também a melhor maneira para deixar um mundo sustentável às
gerações futuras, não com proclamas, mas através de um
compromisso de cuidado dos pobres de hoje, como já havia sublinhado
Bento XVI: «para além da leal solidariedade entre as gerações, há
que reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada
solidariedade entre os indivíduos da mesma geração» (162).
A
ecologia integral envolve também a vida diária, para a qual a
Encíclica reserva uma atenção específica em particular em
ambiente urbano. O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação
e «admirável é a criatividade e generosidade de pessoas e grupos
que são capazes de dar a volta às limitações do ambiente, [...]
aprendendo a orientar a sua existência no meio da desordem e
precariedade» (148). No entanto, um desenvolvimento autêntico
pressupõe um melhoramento integral na qualidade da vida humana:
espaços públicos, moradias, transportes, etc. (150-154).
Também
«o nosso corpo nos coloca em uma relação directa com o meio
ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo
como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo
inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de
domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes
subtil, de domínio sobre a criação» (155).
Quinto
capítulo – Algumas linhas de orientação e acção
Este
capítulo aborda a pergunta sobre o que podemos e devemos fazer. As
análises não podem ser suficientes: são necessárias propostas «de
diálogo e de acção que envolvam seja cada um de nós seja a
política internacional» (15), e « que nos ajudem a sair da espiral
de autodestruição onde estamos a afundar» (163).
Para
o Papa Francisco é imprescindível que a construção de caminhos
concretos não seja enfrentada de modo ideológico, superficial ou
reducionista. Por isso, é indispensável o diálogo, termo presente
no título de cada secção deste capítulo: «Há discussões sobre
questões relativas ao meio ambiente, onde é difícil chegar a um
consenso. [...] a Igreja não pretende definir as questões
científicas, nem substituir-se à política, mas [eu] convido a um
debate honesto e transparente para que as necessidades particulares
ou as ideologias não lesem o bem comum» (188).
Com
esta base o Papa Francisco não tem medo de fazer um julgamento
severo sobre as dinâmicas internacionais recentes: «as cimeiras
mundiais sobre o meio ambiente dos últimos anos não corresponderam
às expectativas, porque não alcançaram, por falta de decisão
política, acordos ambientais globais realmente significativos e
eficazes» (166). E se pergunta: «Para que se quer preservar hoje um
poder que será recordado pela sua incapacidade de intervir quando
era urgente e necessário fazê-lo?» (57). Servem, em vez disso,
como os Pontífices repetiram várias vezes, a partir da Pacem
in Terris, formas e instrumentos eficazes de governança
global (175): «precisamos de um acordo sobre os regimes de
governança para toda a gama dos chamados bens comuns globais»
(174), já que «”a protecção ambiental não pode ser assegurada
apenas com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O
ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão
aptos a defender ou a promover adequadamente”» (190), que retoma
as palavras do Compêndio da Doutrina Social da Igreja).
Sempre
neste capítulo, o Papa Francisco insiste sobre o desenvolvimento de
processos de decisão honestos e transparentes, para poder
«discernir» quais políticas e iniciativas empresariais poderão
levar «a um desenvolvimento verdadeiramente integral» (185). Em
particular, o estudo do impacto ambiental de um novo projecto «requer
processos políticos transparentes e sujeitos a diálogo, enquanto a
corrupção, que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto
em troca de favores, frequentemente leva a acordos ambíguos que
fogem ao dever de informar e a um debate profundo» (182).
Particularmente
significativo é o apelo dirigido àqueles que detêm cargos
políticos, para que se distanciem da lógica «eficientista e
imediatista» (181) hoje dominante: «se ele tiver a coragem de o
fazer, poderá novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como
pessoa e deixará, depois da sua passagem por esta história, um
testemunho de generosa responsabilidade» (181).
Sexto
capítulo - Educação e espiritualidade ecológicas
O
último capítulo vai ao cerne da conversão ecológica à qual a
Encíclica convida. As raízes da crise cultural agem em profundidade
e não é fácil reformular hábitos e comportamentos. A educação e
a formação continuam sendo desafios centrais: «toda mudança tem
necessidade de motivações e dum caminho educativo» (15); estão
envolvidos todos os ambientes educacionais, por primeiro « a escola,
a família, os meios de comunicação, a catequese» (213).
O
início é apostar «em uma mudança nos estilos de vida» (203-208),
que também abre à possibilidade de “exercer uma pressão salutar
sobre quantos detêm o poder político, económico e social» (206).
Isso é o que acontece quando as escolhas dos consumidores conseguem
«a mudança do comportamento das empresas, forçando-as a
reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produção» (206).
Não
se pode subestimar a importância de percursos de educação
ambiental capazes de incidir sobre gestos e hábitos quotidianos, da
redução do consumo de água, à diferenciação do lixo até
«apagar as luzes desnecessárias» (211): «Uma ecologia integral é
feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a
lógica da violência, da exploração, do egoísmo» (230). Tudo
isto será mais fácil a partir de um olhar contemplativo que vem da
fé: «O crente contempla o mundo, não como alguém que está fora
dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a
todos os seres. Além disso a conversão ecológica, fazendo crescer
as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a
desenvolver a sua criatividade e entusiasmo» (220).
Retorna
à linha proposta na Evangelii Gaudium: « A sobriedade, vivida livre
e conscientemente, é libertadora» (223), bem como «A felicidade
exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem,
permanecendo assim disponíveis para as muitas possibilidades que a
vida oferece» (223); desta forma torna-se possível « voltar a
sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade
para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos»
(229).
Os
santos acompanham-nos neste caminho. São Francisco, muitas vezes
mencionado, é «o exemplo por excelência do cuidado pelo que é
frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria» (10),
modelo de como «são inseparáveis a preocupação pela natureza, a
justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz
interior (10). Mas a encíclica recorda também São Bento, Santa
Teresa de Lisieux e o Beato Charles de Foucauld.
Após
a Laudato si, o exame de consciência, o instrumento que a Igreja
sempre recomendou para orientar a própria vida à luz da relação
com o Senhor, deverá incluir uma nova dimensão, considerando não
apenas como se vive a comunhão com Deus, com os outros, consigo
mesmo, mas também com todas as criaturas e a natureza.
ÍNDICE
L
AUDATO SI’, mi’ Signore
Nada
deste mundo nos é indiferente
Unidos
por uma preocupação comum
São
Francisco de Assis
O
meu apelo
CAPÍTULO
I
O
QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA
1.
POLUIÇÃO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Poluição,
resíduos e cultura do descarte
O
clima como bem comum
2.
A QUESTÃO DA ÁGUA
3.
PERDA DE BIODIVERSIDADE
4.
DETERIORAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA HUMANA E DEGRADAÇÃO SOCIAL
5.
DESIGUALDADE PLANETÁRIA
6.
A FRAQUEZA DAS REACÇÕES
7.
DIVERSIDADE DE OPINIÕES
CAPÍTULO
II
O
EVANGELHO DA CRIAÇÃO
1.
A LUZ QUE A FÉ OFERECE
2.
A SABEDORIA DAS NARRAÇÕES BÍBLICAS
3.
O MISTÉRIO DO UNIVERSO
4.
A MENSAGEM DE CADA CRIATURA NA HARMONIA DE TODA A CRIAÇÃO
5.
UMA COMUNHÃO UNIVERSAL
6.
O DESTINO COMUM DOS BENS
7.
O OLHAR DE JESUS
CAPÍTULO
III
A
RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA
1.
A TECNOLOGIA: CRIATIVIDADE E PODER
2.
A GLOBALIZAÇÃO DO PARADIGMA TECNOCRÁTICO
3.
CRISE DO ANTROPOCENTRISMO MODERNO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
O
relativismo prático
A
necessidade de defender o trabalho
A
inovação biológica a partir da pesquisa
CAPÍTULO
IV
UMA
ECOLOGIA INTEGRAL
1.
ECOLOGIA AMBIENTAL, ECONÓMICA E SOCIAL
2.
ECOLOGIA CULTURAL
3.
ECOLOGIA DA VIDA QUOTIDIANA
4.
O PRINCÍPIO DO BEM COMUM
5.
A JUSTIÇA INTERGENERACIONAL
CAPÍTULO
V
ALGUMAS
LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO
1.
O DIÁLOGO SOBRE O MEIO AMBIENTE NA POLÍTICA INTERNACIONAL
2.
O DIÁLOGO PARA NOVAS POLÍTICAS NACIONAIS E LOCAIS
3.
DIÁLOGO E TRANSPARÊNCIA NOS PROCESSOS DECISÓRIOS
4.
POLÍTICA E ECONOMIA EM DIÁLOGO PARA A PLENITUDE HUMANA
5.
AS RELIGIÕES NO DIÁLOGO COM AS CIÊNCIAS
CAPÍTULO
VI
EDUCAÇÃO
E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS
1.
APONTAR PARA OUTRO ESTILO DE VIDA
2.
EDUCAR PARA A ALIANÇA ENTRE A HUMANIDADE E O AMBIENTE
3.
A CONVERSÃO ECOLÓGICA
4.
ALEGRIA E PAZ
5.
AMOR CIVIL E POLÍTICO
6.
OS SINAIS SACRAMENTAIS E O DESCANSO CELEBRATIVO
7.
A TRINDADE E A RELAÇÃO ENTRE AS CRIATURAS
8.
A RAINHA DE TODA A CRIAÇÃO
9.
P ARA ALÉM DO SOL
Oração
pela nossa terra
Oração
cristã com a criação
Fonte:
Santa Sé; Rádio Vaticano
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