"Migrantes
menores, vulneráveis e sem voz"
é o tema do 103º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado que a
Igreja celebra neste dia 15 de Janeiro de 2017
Na
sua mensagem para esta ocasião, o Papa Francisco convida a
comunidade cristã e toda a sociedade civil, a oferecer respostas
para o drama de milhões de crianças e meninos, muitas vezes não
acompanhados no fluxo global das migrações, e que fogem da guerra,
a violência, a pobreza e as catástrofes naturais.
MENSAGEM
DO PAPA FRANCISCO
PARA
O DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO 2017
[15
de Janeiro de 2017]
"Migrantes
de menor idade, vulneráveis e sem voz"
Queridos
irmãos e irmãs!
«Quem
receber um destes meninos em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me
receber, não Me recebe a Mim mas Àquele que Me enviou» (Mc 9,
37; cf. Mt 18, 5; Lc 9, 48; Jo 13, 20).
Com
estas palavras, os evangelistas recordam à comunidade cristã um
ensinamento de Jesus que é entusiasmador mas, ao mesmo tempo, muito
empenhativo.
De
facto, estas palavras traçam o caminho seguro que na dinâmica do
acolhimento, partindo dos mais pequeninos e passando pelo Salvador,
conduz até Deus.
Assim
o acolhimento é, precisamente, condição necessária para se
concretizar este itinerário: Deus fez-Se um de nós, em Jesus fez-Se
menino e a abertura a Deus na fé, que alimenta a esperança,
manifesta-se na proximidade amorosa aos mais pequeninos e mais
frágeis.
Caridade,
fé e esperança: estão todas presentes nas obras de misericórdia,
tanto espirituais como corporais, que redescobrimos durante o recente
Jubileu Extraordinário.
Mas
os evangelistas detêm-se também sobre a responsabilidade de quem
vai contra a misericórdia: «Se alguém escandalizar um destes
pequeninos que crêem em Mim, seria preferível que lhe suspendessem
do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar»
(Mt 18, 6; cf. Mc 9, 42; Lc 17, 2).
Como
não pensar a esta severa advertência quando consideramos a
exploração feita por pessoas sem escrúpulos a dano de tantas
meninas e tantos meninos encaminhados para a prostituição ou
sorvido no giro da pornografia, feitos escravos do trabalho infantil
ou alistados como soldados, envolvidos em tráficos de drogas e
outras formas de delinquência, forçados por conflitos e
perseguições a fugir, com o risco de se encontrarem sozinhos e
abandonados?
Assim,
por ocasião da ocorrência anual do Dia Mundial do Migrante e do
Refugiado, sinto o dever de chamar a atenção para a realidade dos
migrantes de menor idade, especialmente os deixados sozinhos, pedindo
a todos para cuidarem das crianças que são três vezes mais
vulneráveis – porque de menor idade, porque estrangeiras e porque
indefesas – quando, por vários motivos, são forçadas a viver
longe da sua terra natal e separadas do carinho familiar.
Hoje,
as migrações deixaram de ser um fenómeno limitado a algumas áreas
do planeta, para tocar todos os continentes, assumindo cada vez mais
as dimensões dum problema mundial dramático.
Não
se trata apenas de pessoas à procura dum trabalho digno ou de
melhores condições de vida, mas também de homens e mulheres,
idosos e crianças, que são forçados a abandonar as suas casas com
a esperança de se salvar e encontrar paz e segurança noutro lugar.
E
os menores são os primeiros a pagar o preço oneroso da emigração,
provocada quase sempre pela violência, a miséria e as condições
ambientais, factores estes a que se associa também a globalização
nos seus aspetos negativos.
A
corrida desenfreada ao lucro rápido e fácil traz consigo também a
propagação de chagas aberrantes como o tráfico de crianças, a
exploração e o abuso de menores e, em geral, a privação dos
direitos inerentes à infância garantidos pela Convenção
Internacional sobre os Direitos da Infância.
Pela
sua delicadeza particular, a idade infantil tem necessidades únicas
e irrenunciáveis.
Em
primeiro lugar, o direito a um ambiente familiar saudável e
protegido, onde possam crescer sob a guia e o exemplo dum pai e duma
mãe; em seguida, o direito-dever de receber uma educação adequada,
principalmente na família e também na escola, onde as crianças
possam crescer como pessoas e protagonistas do seu futuro próprio e
da respectiva nação.
De
facto, em muitas partes do mundo, ler, escrever e fazer os cálculos
mais elementares ainda é um privilégio de poucos. Além disso todos
os menores têm direito de brincar e fazer actividades recreativas;
em suma, têm direito a ser criança.
Ora,
de entre os migrantes, as crianças constituem o grupo mais
vulnerável, porque, enquanto assomam à vida, são invisíveis e sem
voz: a precariedade priva-as de documentos, escondendo-as aos olhos
do mundo; a ausência de adultos, que as acompanhem, impede que a sua
voz se erga e faça ouvir. Assim, os menores migrantes acabam
facilmente nos níveis mais baixos da degradação humana, onde a
ilegalidade e a violência queimam numa única chama o futuro de
demasiados inocentes, enquanto a rede do abuso de menores é difícil
de romper.
Como
responder a esta realidade?
Em
primeiro lugar, tornando-se consciente de que o fenómeno migratório
não é alheio à história da salvação; pelo contrário, faz parte
dela. Relacionado com ele está um mandamento de Deus: «Não usarás
de violência contra o estrangeiro residente nem o oprimirás, porque
foste estrangeiro residente na terra do Egito» (Ex 22, 20); «amarás
o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito» (Dt 10,
19).
Este
fenómeno constitui um sinal dos tempos, um sinal que fala da obra
providencial de Deus na história e na comunidade humana tendo em
vista a comunhão universal.
Embora
sem ignorar as problemáticas e, frequentemente, os dramas e as
tragédias das migrações, bem como as dificuldades ligadas com o
acolhimento digno destas pessoas, a Igreja encoraja a reconhecer o
desígnio de Deus também neste fenómeno, com a certeza de que
ninguém é estrangeiro na comunidade cristã, que abraça «todas as
nações, tribos, povos e língua» (Ap 7, 9).
Cada
um é precioso – as pessoas são mais importantes do que as coisas
– e o valor de cada instituição mede-se pelo modo como trata a
vida e a dignidade do ser humano, sobretudo em condições de
vulnerabilidade, como no caso dos migrantes de menor idade.
Além
disso, é preciso apostar na protecção, na integração
e em soluções duradouras.
Em
primeiro lugar, trata-se de adoptar todas as medidas possíveis para
garantir protecção e defesa aos menores migrantes, porque estes,
«com frequência, acabam na estrada deixados a si mesmos e à mercê
de exploradores sem escrúpulos que, muitas vezes, os transformam em
objecto de violência física, moral e sexual» (Bento XVI, Mensagem
para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2008).
Aliás
a linha divisória entre migração e tráfico pode tornar-se às
vezes muito subtil.
Há
muitos factores que contribuem para criar um estado de
vulnerabilidade nos migrantes, especialmente nos menores: a
indigência e a falta de meios de sobrevivência – a que se vêm
juntar expectativas irreais inculcadas pelos meios de comunicação
–; o baixo nível de alfabetização; o desconhecimento das leis,
da cultura e, frequentemente, da língua dos países que os acolhem.
Tudo
isto torna-os, física e psicologicamente, dependentes.
Mas
o incentivo mais forte para a exploração e o abuso das crianças é
a demanda.
Se
não se encontra um modo de intervir com maior rigor e eficácia
contra os exploradores, não será possível acabar com as inúmeras
formas de escravidão de que são vítimas os menores.
Por
isso, é preciso que os imigrantes, precisamente para o bem dos seus
filhos, colaborem sempre mais estreitamente com as comunidades que os
recebem.
Olhamos,
com muita gratidão, para os organismos e instituições, eclesiais e
civis, que, com grande esforço, oferecem tempo e recursos para
proteger os menores das mais variadas formas de abuso.
É
importante que se implementem colaborações cada vez mais eficazes e
incisivas, fundadas não só na troca de informações, mas também
no fortalecimento de redes capazes de assegurar intervenções
tempestivas e capilares.
Isto
sem subestimar que a força extraordinária das comunidades eclesiais
se revela sobretudo quando há unidade de oração e comunhão na
fraternidade.
Em
segundo lugar, é preciso trabalhar pela integração das crianças e
adolescentes migrantes.
Eles
dependem em tudo da comunidade dos adultos e, com muita frequência,
a escassez de recursos financeiros torna-se impedimento à adopção
de adequadas políticas de acolhimento, assistência e inclusão.
Consequentemente,
em vez de favorecer a inserção social dos menores migrantes, ou
programas de repatriamento seguro e assistido, procura-se apenas
impedir a sua entrada, favorecendo assim o recurso a redes ilegais;
ou então, são reenviados para o seu país de origem, sem antes se
assegurar de que tal corresponda a seu «interesse superior»
efectivo.
A
condição dos migrantes de menor idade é ainda mais grave quando se
encontram em situação irregular ou quando estão ao serviço da
criminalidade organizada.
Nestes
casos, vêem-se muitas vezes destinados a centros de detenção.
De
facto, não é raro acabarem presos e, por não terem dinheiro para
pagar a fiança ou a viagem de regresso, podem ficar reclusos por
longos períodos, expostos a abusos e violências de vário género.
Em
tais casos, o direito de os Estados gerirem os fluxos migratórios e
salvaguardarem o bem comum nacional deve conjugar-se com o dever de
resolver e regularizar a posição dos migrantes de menor idade, no
pleno respeito da sua dignidade e procurando ir ao encontro das suas
exigências, quando estão sozinhos, mas também das exigências de
seus pais, para bem de todo o núcleo familiar.
Fundamental
é ainda a adopção de procedimentos nacionais adequados e de planos
de cooperação concordados entre os países de origem e de
acolhimento, tendo em vista a eliminação das causas da emigração
forçada dos menores.
Em
terceiro lugar, dirijo a todos um sentido apelo para que se busquem e
adoptem soluções duradouras.
Tratando-se
de um fenómeno complexo, a questão dos migrantes de menor idade
deve ser enfrentada na raiz.
Guerras,
violações dos direitos humanos, corrupção, pobreza,
desequilíbrios e desastres ambientais fazem parte das causas do
problema.
As
crianças são as primeiras a sofrer com isso, suportando às vezes
torturas e violências corporais, juntamente com as morais e
psíquicas, deixando nelas marcas quase sempre indeléveis.
Por
isso, é absolutamente necessário enfrentar, nos países de origem,
as causas que provocam as migrações.
Isto
requer, como primeiro passo, o esforço de toda a Comunidade
Internacional para extinguir os conflitos e as violências que
constringem as pessoas a fugir.
Além
disso, impõe-se uma visão clarividente, capaz de prever programas
adequados para as áreas atingidas pelas mais graves injustiças e
instabilidades, para que se garanta a todos o acesso ao autêntico
desenvolvimento que promova o bem de meninos e meninas, esperanças
da humanidade.
Por
fim, desejo dirigir-vos uma palavra, a vós que caminhais ao lado de
crianças e adolescentes pelas vias da emigração: eles precisam da
vossa ajuda preciosa; e também a Igreja tem necessidade de vós e
apoia-vos no serviço generoso que prestais.
Não
vos canseis de viver, com coragem, o bom testemunho do Evangelho, que
vos chama a reconhecer e acolher o Senhor Jesus presente nos mais
pequenos e vulneráveis.
Confio
todos os menores migrantes, as suas famílias, as suas comunidades e
vós que os seguis de perto à protecção da Sagrada Família de
Nazaré, para que vele por cada um e a todos acompanhe no caminho; e,
à minha oração, uno a Bênção Apostólica.
Cidade
do Vaticano, 8 de Setembro de 2016.
FRANCISCO
Fontes:
Santa Sé; Rádio Vaticano
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