Figura
proeminente na história de Fátima
(texto do Postulador da Causa de
Beatificação)
Ao
lado dos pastorinhos de Fátima, há uma outra figura que foi
decisiva no evoluir dos acontecimentos ligados às aparições da
Virgem na Cova da Iria entre o mês de Maio e o de Outubro.
Trata-se
de alguém que soube penetrar no mundo de Lúcia e dos dois primos,
que assegurou a veracidade das três crianças, que recolheu o
conteúdo das celestiais comunicações, que garantiu a seriedade da
ligação com a hierarquia eclesiástica e divulgou num jornal da
Beira-Alta os extraordinários acontecimentos.
Num
ambiente de reserva eclesial e de elevada turbulência política,
esse personagem deu corpo e credibilidade à mensagem, envolta em
mistério, mas identificada como evangélica, tal como os pastorinhos
a testemunharam mediante cerrados interrogatórios e frequentes
visitas do referido personagem.
Como
mais idosa, Lúcia tornou-se, desde a primeira hora, o principal
interlocutor.
Os
relatos dos primeiros tempos devem-lhe muito.
Mas
tudo correu o risco de ser sufocado, à nascença, se não fora a
atitude prudente e critica desse personagem, que de incrédulo se
tornou no primeiro e grande “apóstolo de Fátima”.
Foi
precisa uma sensibilidade particular para elaborar minuciosos
interrogatórios, ganhar a confiança das crianças, auscultar o
entusiasmo do povo, prevenir as desconfianças intra-eclesiais,
contornar as assanhadas atitudes dos adversários, que eram muitos e
vários!
Estamos
a falar do P. Manuel Nunes Formigão, do Patriarcado de Lisboa. Foi
respeitando as crianças e sendo respeitado por elas que ele se
tornou no confidente de confiança, em tudo quanto dizia respeito às
aparições.
Depois
da frieza com que presenciou o que se passava na Cova da Iria, no dia
13 de Setembro de 1917, este homem não parou mais na procura e na
divulgação da mensagem transmitida pelos pastorinhos.
Apesar
da indicação do Vigário em exercício do Patriarcado de Lisboa, a
que Fátima então pertencia, de acompanhar os acontecimentos aí
manifestos, o Dr. Formigão actuou, de própria iniciativa, com uma
seriedade, dedicação e discrição verdadeiramente surpreendentes.
A
partir do seu posto de professor em Santarém, não deixou de seguir
de perto os pastorinhos, em particular a Jacinta, que conseguiu fosse
para Lisboa, a fim de se tratar da doença, e Lúcia, que estimulou
ao estudo e acompanhou até ao noviciado.
O
fenómeno de Fátima começa aqui, no acurado estudo, na atenção
crítica, na abertura inteligente deste homem da Igreja.
Formigão
fez falar Lúcia.
Mas,
sobretudo, foi por ele que Lúcia falou.
Ele
foi interlocutor, intérprete, arauto, divulgador!
Cada
um foi intermediário ao serviço de Alguém, a modo seu.
E
nesta missão não se pode separar um do outro, tanto mais que
Formigão jamais perdeu de vista “o segredo” que a Senhora tinha
deixado para ele através da Jacinta, então no hospital de D.
Estefânia.
Depois
da morte tão prematura dos primos, com Lúcia a ser alvo de
publicidades de vária ordem, o Dr. Formigão preocupou-se com a sua
educação e com a sua protecção.
Conseguiu
estadia em família de Lisboa, de onde ao fim de um mês foi prudente
sair, por causa das frequentes agitações políticas e contra a
Igreja.
Depois
de ter estado alguns dias em casa de Formigão, em Santarém, Lúcia
regressou a Aljustrel, de onde partiria, algum tempo depois, para o
Asilo de Vilar no Porto.
Confrontado
com um ambiente hostil por parte das autoridades civis e dos
ideólogos de então, a primeira e grande tarefa do Dr. Formigão foi
desmontar o esquema da ilusão, e a acusação de superstição.
Os
pastorinhos tiveram no P. Formigão o suporte e o defensor.
Deles
foi mestre e deles se tornou discípulo.
Depois
dos estudos em Roma e da sua experiência no santuário de Lourdes
(1909), ninguém como ele estava em condições de interpretar e
apresentar o que durante seis meses ocorrera na Cova da Iria.
Com
o ânimo dorido, depois do regicídio e pelo posicionamento
anti-religioso da República, Formigão tinha-se dedicado ao
acompanhamento de jovens estudantes em Santarém com a Associação
Nun’Alvares, por ele fundada, com o objectivo de preparar as
gerações do futuro.
Os
fenómenos de Fátima, em 1917, surgem como um sol de esperança que
dava sentido a toda a sua vida e à história de um povo, tão
duramente provado pela guerra civil, pela guerra mundial e pela
epidemia da pulmónica.
Acompanhando
a sucessão dos acontecimentos, pedra a pedra, foi o verdadeiro
“construtor” de Fátima, com interrogatórios minuciosos, com
visitas frequentes, com relatos e crónicas, com livros e artigos,
com a palavra escrita e oral.
O
seu apurado sentido crítico e teológico bem mereceram a confiança
dos bispos, nomeadamente, o de Leiria, D. José Alves Correia da
Silva.
Além
dos primeiros escritos sobre Fátima, do Estudo apologético dos
Videntes e do Processo Canónico sobre as aparições, Formigão
deixou uma vasta bibliografia sobre Fátima sob o pseudónimo de
Visconde de Montelo.
Mais
tarde, o Sr. Manuel Marto, pai de Jacinta e Francisco, reconheceu o
papel singular de Formigão no caso de Fátima: «O Sr. Dr. Formigão
é que foi a chave disso tudo».
E
o Cardeal António Ribeiro, Patriarca de Lisboa, também testemunhou:
«Sem ele, Fátima não seria o que é presentemente».
Por
tudo isso e muito mais, ao falar do “Século de Fátima”, é de
justiça não deixar no esquecimento a figura deste homem e deste
padre do século XX, que se apagou e imolou para que Fátima fosse
“um grande sinal de Deus” no meio de um mundo conturbado.
A.
PINTO CARDOSO
Postulador
da Causa de Beatificação
Fonte:
Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima
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