Paróquia de S. Cristóvão do Muro

Vigararia Trofa/Vila do Conde
Diocese do Porto - Portugal

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO

 




O segundo dia em Kinshasa

   


O Papa Francisco celebrou a Missa pela Paz e a Justiça no Aeroporto de N’dolo, em Kinshasa, na manhã desta Quarta-feira 1Fev. Participaram na Celebração Eucarística cerca de um milhão de fiéis.

O Santo Padre proferiu a palavra Esengo que significa alegria, manifestando a imensa alegria de ver e encontrar os congoleses. "Desejei muito este momento. Obrigado por terdes vindo aqui".

O Papa Francisco indicou "três nascentes de paz, três fontes para continuar a alimentá-la: o perdão, a comunidade e a missão".

Primeira fonte: o perdão.

O perdão nasce das feridas. Nasce quando as feridas sofridas não deixam cicatrizes de ódio, mas tornam-se o lugar onde se dá espaço aos outros acolhendo as suas debilidades. Então as fragilidades tornam-se oportunidades, e o perdão torna-se o caminho da paz.”

A segunda fonte da paz: a comunidade.

O caminho é partilhar com os pobres: este é o melhor antídoto contra a tentação de nos dividir e mundanizar. Ter a coragem de olhar para os pobres e escutá-los, porque são membros da nossa comunidade, e não estranhos que devem ser abolidos da vista e da consciência.”

Por fim, a terceira fonte da paz: a missão.

Irmãos, irmãs, somos chamados a ser missionários de paz, e isto nos encherá de paz. Trata-se duma opção: é dar espaço a todos no coração, é acreditar que as diferenças étnicas, regionais, sociais e religiosas vêm em segundo lugar e não são obstáculo; que os outros são irmãos e irmãs, membros da mesma comunidade humana; que cada um é destinatário da paz trazida ao mundo por Jesus. É acreditar que nós, cristãos, somos chamados a colaborar com todos, a romper a espiral da violência, a desmantelar os enredos do ódio.”


No encontro realizado na tarde desta Quarta-feira na Nunciatura Apostólica em Kinshasa, os testemunhos de violência brutal e inimaginável contra rapazes e raparigas que hoje, com a ajuda da Igreja local, começaram a viver novamente. Eles dizem ao Papa Francisco: nós só queremos a paz, e comprometem-se a perdoar seus algozes e a viver em espírito de fraternidade e reconciliação para construir um futuro melhor em seu país.

De Butembo-Beni, Goma, Bunia, Bukavu e Uvira, localidades localizadas na parte oriental da República Democrática do Congo, devastadas pela violência sem fim por parte de vários grupos armados, são provenientes as 4 vítimas da violência que na tarde desta Quarta-feira na Nunciatura Apostólica, ofereceram seu testemunho ao Papa Francisco.


- Ladislas Kambale Kombi, de 17 anos, o seu relato é assustador: ele diz que seu irmão mais velho foi morto em circunstâncias ainda desconhecidas, e seu pai também atingido "por homens com calças de treinamento e camisas militares", esses homens cortaram seu pai em pedaços, "depois sua cabeça decepada foi colocada em uma cesta" e antes de partir levaram sua mãe que nunca mais voltou. Ele e suas duas irmãs ficaram sozinhos.

- Bijoux Mukumbi Kamala, rapariga de 17 anos, em 2020, enquanto ia ao rio buscar água com outras meninas, foram levadas por alguns rebeldes. Foi violentada durante 1 ano e 7 meses e, num golpe de sorte, teve a oportunidade de fugir com uma amiga.

- O padre Guy-Robert Mandro Deholo, mutilado nos dedos de uma das mãos, apresentou o testemunho que Désiré Dhetsina havia escrito antes de desaparecer há alguns meses, do qual não há notícias. Era um sobrevivente de um ataque a um acampamento de deslocados na noite de 1 de Fevereiro de 2022 por um grupo armado que matou 63 pessoas, incluindo 24 mulheres e 17 crianças. “Vi a ferocidade: pessoas cortadas como carne de açougue, mulheres estripadas, homens decapitados”.

- O último testemunho é de Emelda M'Karhungulu de Bugobe, uma cidade a sudoeste de Bukavu. Tinha 16 anos quando uma noite em 2005 os rebeldes invadiram sua aldeia "fazendo tantos reféns quanto podiam, fazendo-os carregar as coisas que haviam sido saqueadas". Muitos homens mortos no caminho, mulheres levadas para o parque Kahuzi-Biega. A narrativa testemunha uma violência horrível: “Fui mantida como escrava sexual e abusada por três meses. Todos os dias, cinco a dez homens abusavam de cada uma de nós. Fizeram-nos comer o fubá e a carne dos homens mortos. Às vezes eles misturavam cabeças de pessoas com carne de animais. Este costumava ser o nosso alimento diário. Qualquer um que se recusasse a comê-lo era cortado em pedaços”. Até ao dia em que Emelda conseguiu escapar ao ir buscar água ao rio.


O meu coração está hoje no leste deste imenso país, que não terá paz enquanto esta não for alcançada lá, na sua parte oriental”. Assim iniciou o Papa Francisco o seu discurso às vítimas da violência no Leste do país, esclarecendo em seguida:

Estou unido convosco. As vossas lágrimas são as minhas lágrimas, a vossa dor é a minha dor. A cada família enlutada ou desalojada por causa de aldeias incendiadas e outros crimes de guerra, aos sobreviventes das violências sexuais, a cada criança e adulto ferido, digo: estou convosco, quero trazer-vos a carícia de Deus.”

Basta! Basta de se enriquecer na pele dos mais frágeis, basta de se enriquecer com recursos e dinheiro manchados de sangue!”

Queridos congoleses, não vos deixeis seduzir por pessoas ou grupos que incitam à violência em nome de Deus. Deus é Deus da paz, e não da guerra.”

Após o discurso do Papa, as vítimas da violência que deram seu testemunho recitaram juntas um acto de compromisso com o qual desejam expressar seu desejo de ser um sinal de paz e reconciliação para seu país:

Senhor, nosso Deus, de quem recebemos nosso ser e a vida, hoje colocamos os instrumentos de nosso sofrimento sob a Cruz de Seu Filho. Prometemos perdoar uns aos outros e evitar qualquer caminho de guerra e conflito para resolver as diferenças. Pedimos-te, Pai, a tua graça, de fazer do nosso país um lugar de paz e alegria, de amor e paz onde todos se amam e convivem fraternalmente.


No final da tarde o Papa Francisco encontrou-se com os representantes de algumas obras sócio-caritativas. Recordou a importância de fixar os pobres nos olhos, estender a mão e levantar os que estão caídos para a sua dignidade, a dignidade de filhos de Deus.

O Papa Francisco iniciou sua saudação aos presentes afirmando que neste país, “onde há tanta violência que ribomba como o estrondo duma árvore derrubada, vós sois a floresta que cresce dia a dia em silêncio e torna o ar melhor, respirável”. “Assim cresce o bem” disse, “na simplicidade de mãos e corações estendidos para os outros, com a coragem dos pequenos passos para se aproximar dos mais frágeis em nome de Jesus”.

Depois de dizer que ficou impressionado pelo carinho que as associações dedicam aos pobres reconheceu: “Obrigado por este olhar que sabe reconhecer Jesus nos seus irmãos mais pequeninos. O Senhor deve ser procurado e amado nos pobres e, como cristãos, devemos ter cuidado para não nos distanciar deles, porque há algo errado quando um crente se mantém à distância dos predilectos de Cristo”.

Lembremo-nos de que um progresso verdadeiramente humano não pode prescindir de memória e de futuro.”

Os meios, os recursos e os bons resultados são para os pobres, e quem se ocupa deles é chamado a recordar-se sempre de que o poder é serviço e que a caridade não permite repousar sobre os triunfos, mas exige urgência e concretismo.”

Mais do que distribuir bens, que aliás serão necessários sempre, é preferível transmitir conhecimentos e dar instrumentos que tornem o progresso autónomo e sustentável.”


Fontes: Santa Sé; Notícias do Vaticano


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