O segundo dia em Kinshasa
O Papa Francisco celebrou a Missa pela Paz e a Justiça no Aeroporto de N’dolo, em Kinshasa, na manhã desta Quarta-feira 1Fev. Participaram na Celebração Eucarística cerca de um milhão de fiéis.
O Santo Padre proferiu a palavra Esengo que significa alegria, manifestando a imensa alegria de ver e encontrar os congoleses. "Desejei muito este momento. Obrigado por terdes vindo aqui".
O Papa Francisco indicou "três nascentes de paz, três fontes para continuar a alimentá-la: o perdão, a comunidade e a missão".
Primeira fonte: o perdão.
“O perdão nasce das feridas. Nasce quando as feridas sofridas não deixam cicatrizes de ódio, mas tornam-se o lugar onde se dá espaço aos outros acolhendo as suas debilidades. Então as fragilidades tornam-se oportunidades, e o perdão torna-se o caminho da paz.”
A segunda fonte da paz: a comunidade.
“O caminho é partilhar com os pobres: este é o melhor antídoto contra a tentação de nos dividir e mundanizar. Ter a coragem de olhar para os pobres e escutá-los, porque são membros da nossa comunidade, e não estranhos que devem ser abolidos da vista e da consciência.”
Por fim, a terceira fonte da paz: a missão.
“Irmãos, irmãs, somos chamados a ser missionários de paz, e isto nos encherá de paz. Trata-se duma opção: é dar espaço a todos no coração, é acreditar que as diferenças étnicas, regionais, sociais e religiosas vêm em segundo lugar e não são obstáculo; que os outros são irmãos e irmãs, membros da mesma comunidade humana; que cada um é destinatário da paz trazida ao mundo por Jesus. É acreditar que nós, cristãos, somos chamados a colaborar com todos, a romper a espiral da violência, a desmantelar os enredos do ódio.”
No encontro realizado na tarde desta Quarta-feira na Nunciatura Apostólica em Kinshasa, os testemunhos de violência brutal e inimaginável contra rapazes e raparigas que hoje, com a ajuda da Igreja local, começaram a viver novamente. Eles dizem ao Papa Francisco: nós só queremos a paz, e comprometem-se a perdoar seus algozes e a viver em espírito de fraternidade e reconciliação para construir um futuro melhor em seu país.
De Butembo-Beni, Goma, Bunia, Bukavu e Uvira, localidades localizadas na parte oriental da República Democrática do Congo, devastadas pela violência sem fim por parte de vários grupos armados, são provenientes as 4 vítimas da violência que na tarde desta Quarta-feira na Nunciatura Apostólica, ofereceram seu testemunho ao Papa Francisco.
- Ladislas Kambale Kombi, de 17 anos, o seu relato é assustador: ele diz que seu irmão mais velho foi morto em circunstâncias ainda desconhecidas, e seu pai também atingido "por homens com calças de treinamento e camisas militares", esses homens cortaram seu pai em pedaços, "depois sua cabeça decepada foi colocada em uma cesta" e antes de partir levaram sua mãe que nunca mais voltou. Ele e suas duas irmãs ficaram sozinhos.
- Bijoux Mukumbi Kamala, rapariga de 17 anos, em 2020, enquanto ia ao rio buscar água com outras meninas, foram levadas por alguns rebeldes. Foi violentada durante 1 ano e 7 meses e, num golpe de sorte, teve a oportunidade de fugir com uma amiga.
- O padre Guy-Robert Mandro Deholo, mutilado nos dedos de uma das mãos, apresentou o testemunho que Désiré Dhetsina havia escrito antes de desaparecer há alguns meses, do qual não há notícias. Era um sobrevivente de um ataque a um acampamento de deslocados na noite de 1 de Fevereiro de 2022 por um grupo armado que matou 63 pessoas, incluindo 24 mulheres e 17 crianças. “Vi a ferocidade: pessoas cortadas como carne de açougue, mulheres estripadas, homens decapitados”.
- O último testemunho é de Emelda M'Karhungulu de Bugobe, uma cidade a sudoeste de Bukavu. Tinha 16 anos quando uma noite em 2005 os rebeldes invadiram sua aldeia "fazendo tantos reféns quanto podiam, fazendo-os carregar as coisas que haviam sido saqueadas". Muitos homens mortos no caminho, mulheres levadas para o parque Kahuzi-Biega. A narrativa testemunha uma violência horrível: “Fui mantida como escrava sexual e abusada por três meses. Todos os dias, cinco a dez homens abusavam de cada uma de nós. Fizeram-nos comer o fubá e a carne dos homens mortos. Às vezes eles misturavam cabeças de pessoas com carne de animais. Este costumava ser o nosso alimento diário. Qualquer um que se recusasse a comê-lo era cortado em pedaços”. Até ao dia em que Emelda conseguiu escapar ao ir buscar água ao rio.
“O meu coração está hoje no leste deste imenso país, que não terá paz enquanto esta não for alcançada lá, na sua parte oriental”. Assim iniciou o Papa Francisco o seu discurso às vítimas da violência no Leste do país, esclarecendo em seguida:
“Estou unido convosco. As vossas lágrimas são as minhas lágrimas, a vossa dor é a minha dor. A cada família enlutada ou desalojada por causa de aldeias incendiadas e outros crimes de guerra, aos sobreviventes das violências sexuais, a cada criança e adulto ferido, digo: estou convosco, quero trazer-vos a carícia de Deus.”
“Basta! Basta de se enriquecer na pele dos mais frágeis, basta de se enriquecer com recursos e dinheiro manchados de sangue!”
“Queridos congoleses, não vos deixeis seduzir por pessoas ou grupos que incitam à violência em nome de Deus. Deus é Deus da paz, e não da guerra.”
Após o discurso do Papa, as vítimas da violência que deram seu testemunho recitaram juntas um acto de compromisso com o qual desejam expressar seu desejo de ser um sinal de paz e reconciliação para seu país:
Senhor, nosso Deus, de quem recebemos nosso ser e a vida, hoje colocamos os instrumentos de nosso sofrimento sob a Cruz de Seu Filho. Prometemos perdoar uns aos outros e evitar qualquer caminho de guerra e conflito para resolver as diferenças. Pedimos-te, Pai, a tua graça, de fazer do nosso país um lugar de paz e alegria, de amor e paz onde todos se amam e convivem fraternalmente.
No final da tarde o Papa Francisco encontrou-se com os representantes de algumas obras sócio-caritativas. Recordou a importância de fixar os pobres nos olhos, estender a mão e levantar os que estão caídos para a sua dignidade, a dignidade de filhos de Deus.
O Papa Francisco iniciou sua saudação aos presentes afirmando que neste país, “onde há tanta violência que ribomba como o estrondo duma árvore derrubada, vós sois a floresta que cresce dia a dia em silêncio e torna o ar melhor, respirável”. “Assim cresce o bem” disse, “na simplicidade de mãos e corações estendidos para os outros, com a coragem dos pequenos passos para se aproximar dos mais frágeis em nome de Jesus”.
Depois de dizer que ficou impressionado pelo carinho que as associações dedicam aos pobres reconheceu: “Obrigado por este olhar que sabe reconhecer Jesus nos seus irmãos mais pequeninos. O Senhor deve ser procurado e amado nos pobres e, como cristãos, devemos ter cuidado para não nos distanciar deles, porque há algo errado quando um crente se mantém à distância dos predilectos de Cristo”.
“Lembremo-nos de que um progresso verdadeiramente humano não pode prescindir de memória e de futuro.”
“Os meios, os recursos e os bons resultados são para os pobres, e quem se ocupa deles é chamado a recordar-se sempre de que o poder é serviço e que a caridade não permite repousar sobre os triunfos, mas exige urgência e concretismo.”
“Mais do que distribuir bens, que aliás serão necessários sempre, é preferível transmitir conhecimentos e dar instrumentos que tornem o progresso autónomo e sustentável.”
Fontes: Santa Sé; Notícias do Vaticano
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