Paulo
Rocha
Não
são poucos os casos em que as exigências de um percurso académico
ou os compromissos profissionais obrigam pessoas a estados de ligação
permanente a estantes de livros, portais electrónicos ou debates
entre classes que se estreitam cada vez mais. E permanecem
aprisionados a hábitos de vida que não se afastam destes mundos,
mesmo quando existem dias livres que conduzem a átrios de um
qualquer hotel ou a viagens transcontinentais. Em todos os casos,
procura-se a rede pessoal ou electrónica que permita a sobrevivência
no único habitat conhecido.
A
sociedade contemporânea parece reger-se por perfis assim definidos.
Eles estão presentes em todos os meios e “disparam” em todas as
direcções, tanto a política, social, económica e como aquelas que
incluem o registo “cool” dos tempos modernos, as ambientais ou
planetárias. E daí se retiram notícias, muitas notícias,
comunicados e desmentidos, acusações e reacções. Sempre a
alimentar o circo mediático que mais não é do que aquele que a
plateia paga para ver. E gosta de ver.
Neste
mundo, parece que não há pessoas, nem se consideram. Apenas
números, estatísticas, convergências, metas…
Mas
há também um outro mundo, o que é feito de pessoas, de
comunidades, de relações sadias entre seres. E é bem mais
relevante do que o mediático, habitado por muitos mais indivíduos e
com grandes histórias que dão solidez e sentido a cada cidadão e
ao grupo que constituem. Pena é que estes dois mundos nem sempre
estejam em contacto. De lamentar sobretudo que seja o primeiro
determinar regras para todos, mesmo para aqueles que nunca viram e,
por isso, desconhecem.
Antes
de escritas, estas ideias foram rodeando uma frase, ouvida e
comentada há semanas: "A vida das pessoas não está melhor mas
o país está muito melhor".
Ainda
serão pessoas as que habitam este país que está “muito melhor”?
Mais
do que comentar a sentença dita por vozes políticas, anoto com o
conformo possível a interpretação feita pela Comissão Nacional
Justiça e Paz no documento programático para o Tempo da Quaresma.
“É
notória a quase exclusiva centragem do debate, envolvendo quase
todos os quadrantes políticos, em indicadores expressos em unidades
monetárias, com flagrante menosprezo dos que reflectem as condições
de vida dos portugueses. (…) Há mesmo quem entenda que o ‘país’
está melhor, embora os ‘portugueses’ estejam pior.
Independentemente do que se quer dizer com essas observações, o que
preocupa é que assim se estabelece a dicotomia entre o país e os
portugueses, assimilando o primeiro a alguns indicadores
instrumentais de duvidosa evolução, por um lado, e as condições
de vida das pessoas, que são (deveriam ser) a razão de ser da
economia e das finanças, por outro”.
Editorial
da Agência Ecclesia, 28-03-2014
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