José
Tolentino Mendonça
Todas
as épocas têm as suas patologias e estas funcionam como indicadores
que vão além da superfície.
As
enfermidades dominantes mostram-nos o ponto de dor escondido, revelam
comportamentos e compulsões, desocultam a vulnerabilidade que é a
nossa, mas que raramente queremos ver.
Ora,
a acreditar em Byung-Chu Han, o alemão de origem coreana que é uma
das vozes filosóficas mais originais da cena contemporânea, a
doença representativa do nosso tempo é o cansaço.
O
grande combate dos séculos que nos precederam foi bacterial e viral.
A
invenção dos antibióticos e das vacinas, partindo do reforço
imunológico, sem resolver tudo como sabemos, tornaram, no entanto,
controlados esses problemas sanitários.
É
verdade que de vez em quando irrompe o pânico de uma pandemia viral,
mas essa não é a questão que condiciona mais profundamente com os
nossos quotidianos e práticas.
O
filósofo Byung-Chu Han defende que este começo do século XXI, do
ponto de vista das patologias marcantes, é fundamentalmente
neuronal.
O
sol negro da depressão, os transtornos de personalidade, as
anomalias da atenção (seja por hiperatividade, seja por uma
neurastenia paralisante), o síndrome galopante do desgaste
ocupacional que faz-nos sentir consumidos e esvaziados por dentro,
definem o difícil panorama destas décadas.
E
o pior é que todas as previsões coincidem no agravamento das
tendências. Estas enfermidades não são infecções, mas estados de
alma, modalidades vulneráveis de existência, fragmentação da
unidade interna, incapacidade de integrar e refazer a experiência do
vivido.
A
verdade é que as nossas sociedades ocidentais estão a viver uma
silenciosa mudança de paradigma: o excesso (de emoções, de
informação, de ofertas, de solicitações…) está a atropelar a
pessoa humana e a empurra-la para um estado de fadiga, de onde é
cada vez mais difícil retornar.
O
risco é o aprisionamento permanente nessa armadilha como explicava
profeticamente Fernando Pessoa:
«Estou
cansado, é claro,
Porque,
a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De
que estou cansado não sei:
De
nada me serviria sabê-lo
Pois
o cansaço fica na mesma».
Valia
a pena pensar nisto.
Editorial
da Agência Ecclesia, 11-07-2014
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