Paróquia de S. Cristóvão do Muro

Vigararia Trofa/Vila do Conde
Diocese do Porto - Portugal

quinta-feira, 2 de março de 2017

OS POBRES BATEM À NOSSA PORTA




Na mensagem para a Quaresma o Papa Francisco releu e actualizou a parábola de Lázaro
 
 

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA A QUARESMA DE 2017

A Palavra é um dom. O outro é um dom


Amados irmãos e irmãs!

A Quaresma é um novo começo, uma estrada que leva a um destino seguro: a Páscoa de Ressurreição, a vitória de Cristo sobre a morte.
E este tempo não cessa de nos dirigir um forte convite à conversão: o cristão é chamado a voltar para Deus «de todo o coração» (Jl 2, 12), não se contentando com uma vida medíocre, mas crescendo na amizade do Senhor. Jesus é o amigo fiel que nunca nos abandona, pois, mesmo quando pecamos, espera pacientemente pelo nosso regresso a Ele e, com esta espera, manifesta a sua vontade de perdão (cf. Homilia na Santa Missa, 8 de Janeiro de 2016).

A Quaresma é o momento favorável para intensificarmos a vida espiritual através dos meios santos que a Igreja nos propõe: o jejum, a oração e a esmola.
Na base de tudo isto, porém, está a Palavra de Deus, que somos convidados a ouvir e meditar com maior assiduidade neste tempo.
Aqui queria deter-me, em particular, na parábola do homem rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31). Deixemo-nos inspirar por esta página tão significativa, que nos dá a chave para compreender como temos de agir para alcançarmos a verdadeira felicidade e a vida eterna, incitando-nos a uma sincera conversão.

1. O outro é um dom

A parábola inicia com a apresentação dos dois personagens principais, mas quem aparece descrito de forma mais detalhada é o pobre: encontra-se numa condição desesperada e sem forças para se solevar, jaz à porta do rico na esperança de comer as migalhas que caem da mesa dele, tem o corpo coberto de chagas, que os cães vêm lamber (cf. vv. 20-21).
Enfim, o quadro é sombrio, com o homem degradado e humilhado.

A cena revela-se ainda mais dramática, quando se considera que o pobre se chama Lázaro, um nome muito promissor pois significa, literalmente, «Deus ajuda».
Não se trata duma pessoa anónima; antes, tem traços muito concretos e aparece como um indivíduo a quem podemos atribuir uma história pessoal.
Enquanto Lázaro é como que invisível para o rico, a nossos olhos aparece como um ser conhecido e quase de família, torna-se um rosto; e, como tal, é um dom, uma riqueza inestimável, um ser querido, amado, recordado por Deus, apesar da sua condição concreta ser a duma escória humana (cf. Homilia na Santa Missa, 8 de Janeiro de 2016).

Lázaro ensina-nos que o outro é um dom.
A justa relação com as pessoas consiste em reconhecer, com gratidão, o seu valor.
O próprio pobre à porta do rico não é um empecilho fastidioso, mas um apelo a converter-se e mudar de vida.
O primeiro convite que nos faz esta parábola é o de abrir a porta do nosso coração ao outro, porque cada pessoa é um dom, seja ela o nosso vizinho ou o pobre desconhecido.
A Quaresma é um tempo propício para abrir a porta a cada necessitado e nele reconhecer o rosto de Cristo.
Cada um de nós encontra-o no próprio caminho.
Cada vida que se cruza connosco é um dom e merece aceitação, respeito, amor.
A Palavra de Deus ajuda-nos a abrir os olhos para acolher a vida e amá-la, sobretudo quando é frágil.
Mas, para se poder fazer isto, é necessário tomar a sério também aquilo que o Evangelho nos revela a propósito do homem rico.

2. O pecado cega-nos

A parábola põe em evidência, sem piedade, as contradições em que vive o rico (cf. v. 19).
Este personagem, ao contrário do pobre Lázaro, não tem um nome, é qualificado apenas como «rico».
A sua opulência manifesta-se nas roupas, de um luxo exagerado, que usa.
De facto, a púrpura era muito apreciada, mais do que a prata e o ouro, e por isso se reservava para os deuses (cf. Jr 10, 9) e os reis (cf. Jz 8, 26).
O linho fino era um linho especial que ajudava a conferir à posição da pessoa um carácter quase sagrado.
Assim, a riqueza deste homem é excessiva, inclusive porque exibida habitualmente: «Fazia todos os dias esplêndidos banquetes» (v. 19).
Entrevê-se nele, dramaticamente, a corrupção do pecado, que se realiza em três momentos sucessivos: o amor ao dinheiro, a vaidade e a soberba (cf. Homilia na Santa Missa, 20 de Setembro de 2013).

O apóstolo Paulo diz que «a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro» (1 Tm 6, 10).
Esta é o motivo principal da corrupção e uma fonte de invejas, contendas e suspeitas.
O dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se tornar um ídolo tirânico (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 55).
Em vez de instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e exercer a solidariedade com os outros, o dinheiro pode-nos subjugar, a nós e ao mundo inteiro, numa lógica egoísta que não deixa espaço ao amor e dificulta a paz.

Depois, a parábola mostra-nos que a ganância do rico fá-lo vaidoso.
A sua personalidade vive de aparências, fazendo ver aos outros aquilo que se pode permitir.
Mas a aparência serve de máscara para o seu vazio interior.
A sua vida está prisioneira da exterioridade, da dimensão mais superficial e efémera da existência (cf. ibid., 62).

O degrau mais baixo desta deterioração moral é a soberba.
O homem veste-se como se fosse um rei, simula a posição dum deus, esquecendo-se que é um simples mortal.
Para o homem corrompido pelo amor das riquezas, nada mais existe além do próprio eu e, por isso, as pessoas que o rodeiam não caiem sob a alçada do seu olhar.
Assim o fruto do apego ao dinheiro é uma espécie de cegueira: o rico não vê o pobre esfomeado, chagado e prostrado na sua humilhação.

Olhando para esta figura, compreende-se por que motivo o Evangelho é tão claro ao condenar o amor ao dinheiro: «Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24).

3. A Palavra é um dom

O Evangelho do homem rico e do pobre Lázaro ajuda a prepararmo-nos bem para a Páscoa que se aproxima.
A liturgia de Quarta-Feira de Cinzas convida-nos a viver uma experiência semelhante à que faz de forma tão dramática o rico.
Quando impõe as cinzas sobre a cabeça, o sacerdote repete estas palavras: «Lembra-te, homem, que és pó da terra e à terra hás de voltar».
De facto, tanto o rico como o pobre morrem, e a parte principal da parábola desenrola-se no Além.
Dum momento para o outro, os dois personagens descobrem que nós «nada trouxemos ao mundo e nada podemos levar dele» (1 Tm 6, 7).

Também o nosso olhar se abre para o Além, onde o rico tece um longo diálogo com Abraão, a quem trata por «pai» (Lc 16, 24.27), dando mostras de fazer parte do povo de Deus.
Este detalhe torna ainda mais contraditória a sua vida, porque até agora nada se disse da sua relação com Deus.
Com efeito, na sua vida, não havia lugar para Deus, sendo ele mesmo o seu único deus.

Só no meio dos tormentos do Além é que o rico reconhece Lázaro e queria que o pobre aliviasse os seus sofrimentos com um pouco de água.
Os gestos solicitados a Lázaro são semelhantes aos que o rico poderia ter feito, mas nunca fez.
Abraão, porém, explica-lhe: «Recebeste os teus bens na vida, enquanto Lázaro recebeu somente males.
Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado» (v. 25).
No Além, restabelece-se uma certa equidade, e os males da vida são contrabalançados pelo bem.

Mas a parábola continua, apresentando uma mensagem para todos os cristãos.
De facto o rico, que ainda tem irmãos vivos, pede a Abraão que mande Lázaro avisá-los; mas Abraão respondeu: «Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam» (v. 29).
E, à sucessiva objecção do rico, acrescenta: «Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos» (v. 31).

Deste modo se patenteia o verdadeiro problema do rico: a raiz dos seus males é não dar ouvidos à Palavra de Deus; isto levou-o a deixar de amar a Deus e, consequentemente, a desprezar o próximo.
A Palavra de Deus é uma força viva, capaz de suscitar a conversão no coração dos homens e orientar de novo a pessoa para Deus.
Fechar o coração ao dom de Deus que fala, tem como consequência fechar o coração ao dom do irmão.

Amados irmãos e irmãs, a Quaresma é o tempo favorável para nos renovarmos, encontrando Cristo vivo na sua Palavra, nos Sacramentos e no próximo.
O Senhor – que, nos quarenta dias passados no deserto, venceu as ciladas do Tentador – indica-nos o caminho a seguir.
Que o Espírito Santo nos guie na realização dum verdadeiro caminho de conversão, para redescobrirmos o dom da Palavra de Deus, sermos purificados do pecado que nos cega e servirmos Cristo presente nos irmãos necessitados.
Encorajo todos os fiéis a expressar esta renovação espiritual, inclusive participando nas Campanhas de Quaresma que muitos organismos eclesiais, em várias partes do mundo, promovem para fazer crescer a cultura do encontro na única família humana.
Rezemos uns pelos outros para que, participando na vitória de Cristo, saibamos abrir as nossas portas ao frágil e ao pobre.
Então poderemos viver e testemunhar em plenitude a alegria da Páscoa.

Vaticano, 18 de Outubro – Festa do Evangelista São Lucas – de 2016.

FRANCISCO



Fontes: Santa Sé; L'Osservatore Romano


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