Cónego
João Aguiar Campos
A duas semanas de uns dias de descanso, descubro – porque me questionaram – que não programei as férias.
Digo-o
e não me acreditam.
E
os que acreditam murmuram: “Mas que estranho. Nem parece teu!...”
Não
é, contudo, a primeira vez que vivo esta situação.
Mas
este ano acumularam-se demasiadas razões para ir adiando.
O
facto é que agora aqui estou, sem outro programa que o de viver sem
horas nem pesadas obrigações.
Garanto,
porém, que nenhum dos meus momentos estará vazio – porque até o
mais profundo silêncio é um lugar habitado de memórias ou sonhos e
desejos orantes.
Sim;
sonhar é, de certeza, uma óptima maneira de fazer férias… Acho
que vou por aí!
Um
penedo do Gerês ou a música suave do ribeiro da aldeia; a pequena
igreja paroquial do Campo ou a sombra encostada a um carvalho da Chá
de Baixo; o livro passeado ao longo das horas ou adormecido na sua
metade da cama; a experiência da cozinha na resposta a alguém que
passou a ver se estava - qualquer destes momentos será lugar, de
certeza certa, pedaço de sonho e de encontro com o amanhã.
“Vais-te
aborrecer” – sentenciam os amigos.
E
eu garanto que não.
Afirmo
que vou apenas lavar-me de tudo o que as semanas nos vão colando, ao
longo do ano: palavras e gestos; decisões e omissões; buscas,
encontros e desistências.
E
pressas, muitas pressas e algumas pressões.
Sou
franco se disser que, nos primeiros dias, a palavra mais longa que me
apetecerá dizer será “Chiu!...”. Suavemente.
Pronunciada
com olhos mendigos e quase contemplativos, se alguém à minha volta
puser a girar a mó do palavreado.
Quando
oiço tanta gente a falar em ir, a mim apetece-me estar: deixando que
os olhos viajem nas pequenas coisas, o olfacto recolha pólenes com
jeito de abelha obreira, as mãos desenhem no chão com um lápis de
arbusto e o corpo se sinta parte da terra onde se estenda a olhar o
céu.
Confesso:
gosto de ver o céu assim, por entre a copa lenta de uma árvore,
como se quisesse surpreender Deus a uma janela entre dois ramos… e
ficar a conversar.
Sei
que teremos longas conversas.
Dessas
em que se pode falar de tudo, dizer tudo, perguntar tudo e ouvir
tudo.
Mas,
nem isto vale a pena programar.
Aliás,
de que me adiantaria?.. Com Deus só fala bem quem se deixar
surpreender!...
João
Aguiar Campos
Fonte:
Editorial da Agência Ecclesia - 31 de Julho de 2015
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