Celebra-se
hoje e o Papa Francisco convida-nos a rezar com ele
No
Ângelus do último domingo, o Papa Francisco fez um convite a todos
os fiéis:
“No
próximo domingo, 29 de Setembro, celebra-se o Dia Mundial do
Migrante e do Refugiado.
Para
a ocasião, celebrarei a Santa Missa aqui na Praça São Pedro.
Convido-vos
a participar desta celebração para expressar também com a oração
a nossa proximidade aos migrantes e refugiados do mundo inteiro.”
Celebrado
inicialmente no terceiro domingo de Janeiro, o Dia foi transferido
pelo Papa Francisco para o segundo domingo de Setembro e, a pedido de
várias Conferências Episcopais, para o último domingo deste mês.
O
Dia Mundial do Migrante e do Refugiado chega assim à sua 105ª
edição, com o tema “Não se trata apenas de migrantes”.
MENSAGEM
DO PAPA FRANCISCO
PARA
O DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO
29
de Setembro de 2019
Tema:
«Não se trata apenas de migrantes»
Queridos
irmãos e irmãs!
A
fé assegura-nos que o Reino de Deus já está, misteriosamente,
presente sobre a terra (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium
et spes, 39); contudo, mesmo em nossos dias, com pesar temos de
constatar que se lhe deparam obstáculos e forças contrárias.
Conflitos
violentos, verdadeiras e próprias guerras não cessam de dilacerar a
humanidade; sucedem-se injustiças e discriminações; tribula-se
para superar os desequilíbrios económicos e sociais, de ordem local
ou global.
E
quem sofre as consequências de tudo isto são sobretudo os mais
pobres e desfavorecidos.
As
sociedades economicamente mais avançadas tendem, no seu seio, para
um acentuado individualismo que, associado à mentalidade
utilitarista e multiplicado pela rede mediática, gera a
«globalização da indiferença».
Neste
cenário, os migrantes, os refugiados, os desalojados e as vítimas
do tráfico de seres humanos aparecem como os sujeitos emblemáticos
da exclusão, porque, além dos incómodos inerentes à sua condição,
acabam muitas vezes alvo de juízos negativos que os consideram como
causa dos males sociais.
A
atitude para com eles constitui a campainha de alarme que avisa do
declínio moral em que se incorre, se se continua a dar espaço à
cultura do descarte.
Com
efeito, por este caminho, cada indivíduo que não quadre com os
cânones do bem-estar físico, psíquico e social fica em risco de
marginalização e exclusão.
Por
isso, a presença dos migrantes e refugiados – como a das pessoas
vulneráveis em geral – constitui, hoje, um convite a recuperar
algumas dimensões essenciais da nossa existência cristã e da nossa
humanidade, que correm o risco de entorpecimento num teor de vida
rico de comodidades.
Aqui
está a razão por que «não se trata apenas de migrantes», ou
seja, quando nos interessamos por eles, interessamo-nos também por
nós, por todos; cuidando deles, todos crescemos; escutando-os, damos
voz também àquela parte de nós mesmos que talvez mantenhamos
escondida por não ser bem vista hoje.
«Tranquilizai-vos!
Sou Eu! Não temais!» (Mt 14, 27).
Não
se trata apenas de migrantes: trata-se também dos nossos medos.
As
maldades e torpezas do nosso tempo fazem aumentar «o nosso receio em
relação aos “outros”, aos desconhecidos, aos marginalizados,
aos forasteiros (…).
E
isto nota-se particularmente hoje, perante a chegada de migrantes e
refugiados que batem à nossa porta em busca de protecção,
segurança e um futuro melhor.
É
verdade que o receio é legítimo, inclusive porque falta a
preparação para este encontro» (Homilia, Sacrofano, 15 de
Fevereiro de 2019).
O
problema não está no facto de ter dúvidas e receios.
O
problema surge quando estes condicionam de tal forma o nosso modo de
pensar e agir, que nos tornam intolerantes, fechados, talvez até –
sem disso nos apercebermos – racistas.
E
assim o medo priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o
outro, a pessoa diferente de mim; priva-me duma ocasião de encontro
com o Senhor (cf. Homilia na Missa do Dia Mundial do Migrante e do
Refugiado, 14 de Janeiro de 2018).
«Se
amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já
isso os publicanos?» (Mt 5, 46).
Não
se trata apenas de migrantes: trata-se da caridade.
Através
das obras de caridade, demonstramos a nossa fé (cf. Tg 2, 18).
E
a caridade mais excelsa é a que se realiza em benefício de quem não
é capaz de retribuir, nem talvez de agradecer.
«Em
jogo está a fisionomia que queremos assumir como sociedade e o valor
de cada vida. (…) O progresso dos nossos povos (…) depende
sobretudo da capacidade de se deixar mover e comover por quem bate à
porta e, com o seu olhar, desabona e exautora todos os falsos ídolos
que hipotecam e escravizam a vida; ídolos que prometem uma
felicidade ilusória e efémera, construída à margem da realidade e
do sofrimento dos outros» (Discurso na Cáritas diocesana de Rabat,
Marrocos, 30 de Março de 2019).
«Mas
um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o,
encheu-se de compaixão» (Lc 10, 33).
Não
se trata apenas de migrantes: trata-se da nossa humanidade.
O
que impele aquele samaritano – um estrangeiro, segundo os judeus –
a deter-se é a compaixão, um sentimento que não se pode explicar
só a nível racional.
A
compaixão toca as cordas mais sensíveis da nossa humanidade,
provocando um impulso imperioso a «fazer-nos próximo» de quem
vemos em dificuldade.
Como
nos ensina o próprio Jesus (cf. Mt 9, 35-36; 14, 13-14; 15, 32-37),
ter compaixão significa reconhecer o sofrimento do outro e passar,
imediatamente, à acção para aliviar, cuidar e salvar.
Ter
compaixão significa dar espaço à ternura, ao contrário do que
tantas vezes nos pede a sociedade actual, ou seja, que a reprimamos.
«Abrir-se
aos outros não empobrece, mas enriquece, porque nos ajuda a ser mais
humanos: a reconhecer-se parte activa dum todo maior e a interpretar
a vida como um dom para os outros; a ter como alvo não os próprios
interesses, mas o bem da humanidade» (Discurso na Mesquita «Heydar
Aliyev» de Baku, Azerbeijão, 2 de Outubro de 2016).
«Livrai-vos
de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus
anjos, no Céu, vêem constantemente a face de meu Pai que está no
Céu» (Mt 18, 10).
Não
se trata apenas de migrantes: trata-se de não excluir ninguém.
O
mundo actual vai-se tornando, dia após dia, mais elitista e cruel
para com os excluídos.
Os
países em vias de desenvolvimento continuam a ser depauperados dos
seus melhores recursos naturais e humanos em benefício de poucos
mercados privilegiados.
As
guerras abatem-se apenas sobre algumas regiões do mundo, enquanto as
armas para as fazer são produzidas e vendidas noutras regiões, que
depois não querem ocupar-se dos refugiados causados por tais
conflitos.
Quem
sofre as consequências são sempre os pequenos, os pobres, os mais
vulneráveis, a quem se impede de sentar-se à mesa deixando-lhe as
«migalhas» do banquete (cf. Lc 16, 19-21).
«A
Igreja “em saída” (...) sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao
encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos
caminhos para convidar os excluídos» (Exort. ap. Evangelii gaudium,
24).
O
desenvolvimento exclusivista torna os ricos mais ricos e os pobres
mais pobres.
Verdadeiro
desenvolvimento é aquele que procura incluir todos os homens e
mulheres do mundo, promovendo o seu crescimento integral, e se
preocupa também com as gerações futuras.
«Quem
quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo; e quem quiser ser
o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos» (Mc 10, 43-44).
Não
se trata apenas de migrantes: trata-se de colocar os últimos em
primeiro lugar.
Jesus
Cristo pede-nos para não cedermos à lógica do mundo, que justifica
a prevaricação sobre os outros para meu proveito pessoal ou do meu
grupo: primeiro eu, e depois os outros!
Ao
contrário, o verdadeiro lema do cristão é «primeiro os últimos».
«Um
espírito individualista é terreno fértil para medrar aquele
sentido de indiferença para com o próximo, que leva a tratá-lo
como mero objecto de comércio, que impele a ignorar a humanidade dos
outros e acaba por tornar as pessoas medrosas e cínicas.
Porventura
não são estes os sentimentos que muitas vezes nos assaltam à vista
dos pobres, dos marginalizados, dos últimos da sociedade?
E
são tantos os últimos na nossa sociedade!
Dentre
eles, penso sobretudo nos migrantes, com o peso de dificuldades e
tribulações que enfrentam diariamente à procura – por vezes,
desesperada – dum lugar onde viver em paz e com dignidade»
(Discurso ao Corpo Diplomático, 11 de Janeiro de 2016).
Na
lógica do Evangelho, os últimos vêm em primeiro lugar, e nós
devemos colocar-nos ao seu serviço.
«Eu
vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10, 10).
Não
se trata apenas de migrantes: trata-se da pessoa toda e de todas as
pessoas.
Nesta
afirmação de Jesus, encontramos o cerne da sua missão: procurar
que todos recebam o dom da vida em plenitude, segundo a vontade do
Pai.
Em
cada actividade política, em cada programa, em cada acção
pastoral, no centro devemos colocar sempre a pessoa com as suas
múltiplas dimensões, incluindo a espiritual.
E
isto vale para todas as pessoas, entre as quais se deve reconhecer a
igualdade fundamental.
Por
conseguinte, «o desenvolvimento não se reduz a um simples
crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer
dizer, promover todos os homens e o homem todo» (São Paulo VI, Enc.
Populorum progressio, 14).
«Portanto,
já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos
santos e membros da casa de Deus» (Ef 2, 19).
Não
se trata apenas de migrantes: trata-se de construir a cidade de Deus
e do homem.
Na
nossa época, designada também a era das migrações, muitas são as
pessoas inocentes que caem vítimas da «grande ilusão» dum
desenvolvimento tecnológico e consumista sem limites (cf. Enc.
Laudato si’, 34).
E,
assim, partem em viagem para um «paraíso» que, inexoravelmente,
atraiçoa as suas expectativas.
A
sua presença, por vezes incómoda, contribui para desmentir os mitos
dum progresso reservado a poucos, mas construído sobre a exploração
de muitos.
«Trata-se
então de vermos, nós em primeiro lugar, e de ajudarmos os outros a
verem no migrante e no refugiado não só um problema a enfrentar,
mas um irmão e uma irmã a serem acolhidos, respeitados e amados;
trata-se duma oportunidade que a Providência nos oferece de
contribuir para a construção duma sociedade mais justa, duma
democracia mais completa, dum país mais inclusivo, dum mundo mais
fraterno e duma comunidade cristã mais aberta, de acordo com o
Evangelho» (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado
de 2014).
Queridos
irmãos e irmãs, a resposta ao desafio colocado pelas migrações
contemporâneas pode-se resumir em quatro verbos: acolher, proteger,
promover e integrar.
Mas
estes verbos não valem apenas para os migrantes e os refugiados;
exprimem a missão da Igreja a favor de todos os habitantes das
periferias existenciais, que devem ser acolhidos, protegidos,
promovidos e integrados.
Se
pusermos em prática estes verbos, contribuímos para construir a
cidade de Deus e do homem, promovemos o desenvolvimento humano
integral de todas as pessoas e ajudamos também a comunidade mundial
a ficar mais próxima de alcançar os objectivos de desenvolvimento
sustentável que se propôs e que, caso contrário, dificilmente
serão atingíveis.
Por
conseguinte, não está em jogo apenas a causa dos migrantes; não é
só deles que se trata, mas de todos nós, do presente e do futuro da
família humana.
Os
migrantes, especialmente os mais vulneráveis, ajudam-nos a ler os
«sinais dos tempos».
Através
deles, o Senhor chama-nos a uma conversão, a libertar-nos dos
exclusivismos, da indiferença e da cultura do descarte.
Através
deles, o Senhor convida-nos a reapropriarmo-nos da nossa vida cristã
na sua totalidade e contribuir, cada qual segundo a própria vocação,
para a construção dum mundo cada vez mais condizente com o projecto
de Deus.
Estes
são os meus votos que acompanho com a oração, invocando, por
intercessão da Virgem Maria, Nossa Senhora da Estrada, abundantes
bênçãos sobre todos os migrantes e refugiados do mundo e sobre
aqueles que se fazem seus companheiros de viagem.
Vaticano,
27 de Maio de 2019.
Francisco
Fontes:
Santa Sé; Notícias do Vaticano
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