A
Eucaristia no Campo Diocesano de Soamandrakizay foi o primeiro
compromisso do Papa neste Domingo em Madagáscar
O
Santo Padre comentou o Evangelho de Lucas com as palavras “seguiam
com [Jesus] grandes multidões”.
Texto
integral da homilia do Papa Francisco:
"Disse-nos
o Evangelho que «seguiam com [Jesus] grandes multidões» (Lc 14,
25).
À
semelhança daquelas multidões que se aglomeravam no percurso de
Jesus, também vós viestes em grande número para acolher a sua
mensagem e segui-Lo.
Mas,
como bem sabeis, não é fácil seguir os passos de Jesus.
Vocês
não descansaram e muitos de vocês passaram a noite aqui.
Realmente
o evangelho de Lucas lembra-nos, hoje, as exigências deste
compromisso.
É
importante notar que estas indicações são dadas no quadro da
subida de Jesus para Jerusalém, entre a parábola do banquete –
onde o convite é aberto a todos, especialmente às pessoas
rejeitadas que vivem nas ruas e nas praças, nas encruzilhadas – e
as três parábolas ditas da misericórdia, onde se organiza a festa
quando a pessoa perdida é reencontrada, quando aquele que parecia
morto é recebido, festejado e devolvido à vida pela possibilidade
dum novo recomeço.
Qualquer
renúncia cristã só tem sentido à luz da alegria e da festa do
encontro com Jesus Cristo.
A
primeira exigência convida-nos a verificar as nossas relações
familiares.
A
vida nova que o Senhor nos propõe parece incómoda e transforma-se
numa injustiça escandalosa para quantos crêem que é possível
limitar ou reduzir o acesso ao Reino dos Céus apenas aos laços de
sangue, à pertença a um grupo determinado, a um clã ou a uma
cultura particular.
Quando
o «parentesco» se torna a chave decisiva e determinante de tudo o
que é justo e bom, acaba-se por justificar e até mesmo «consagrar»
alguns comportamentos que levam à cultura dos privilégios e da
exclusão: favoritismos, clientelismos e, consequentemente,
corrupção.
A
exigência do Mestre faz-nos elevar o olhar, dizendo: quem não for
capaz de ver o outro como um irmão, deixar-se comover pela sua vida
e situação, independentemente da sua origem familiar, cultural e
social, «não pode ser meu discípulo» (Lc 14, 26).
O
seu amor e dedicação são um dom gratuito, invocado por todos e
para todos.
A
segunda exigência mostra-nos a dificuldade de seguir o Senhor,
quando se pretende identificar o Reino dos Céus com os próprios
interesses pessoais ou com o fascínio duma ideologia qualquer que
acaba por instrumentalizar o nome de Deus ou a religião para
justificar actos de violência, a segregação e até o homicídio, o
exílio, o terrorismo e a marginalização.
A
exigência do Mestre encoraja-nos a não manipular o Evangelho com
tristes reducionismos, mas construir a história na fraternidade e
solidariedade, no respeito gratuito da terra e dos seus dons contra
todas as formas de exploração, encorajando-nos a viver o «diálogo
como um caminho, a colaboração comum como conduta, o conhecimento
mútuo como método e critério» (Documento sobre a fraternidade
humana, Abu Dabhi, 4 de fevereiro de 2019); não cedendo à tentação
de certas doutrinas incapazes de ver o bom grão e o joio crescerem
juntos enquanto se espera o Senhor da messe (cf. Mt 13, 24-30).
E,
quanto à última exigência, como pode ser difícil partilhar a vida
nova que o Senhor nos oferece, quando nos sentimos continuamente
impelidos a buscar a justificação em nós mesmos, crendo que tudo
provenha exclusivamente das nossas forças e daquilo que possuímos!
Quando
a corrida para acumular riqueza se torna molesta e oprimente – como
ouvimos na primeira Leitura –, exacerbando o egoísmo e o uso de
meios imorais.
A
exigência do Mestre é um convite a recuperar a memória agradecida
e tomar consciência de que a nossa vida e as nossas capacidades,
mais do que conquista pessoal, são fruto de um dom (cf. Francisco,
Exort. ap. Gaudete e exsultate, 55) um dom tecido por Deus e pelas
mãos silenciosas de muitas pessoas, cujos nomes só conheceremos na
manifestação do Reino dos Céus.
Com
estas exigências, o Senhor quer preparar os seus discípulos para a
festa da irrupção do Reino de Deus, libertando-os deste obstáculo
perigoso que é, em última instância, uma das piores escravidões:
viver para si mesmo.
É
a tentação de se fechar no seu pequeno mundo, que acaba por deixar
pouco espaço aos outros: os pobres já não entram, deixa-se de
ouvir a voz de Deus, não mais se rejubila com doce alegria do seu
amor, perde-se o entusiasmo de fazer o bem.
Quando
se fecham, muitas pessoas podem aparentemente sentir-se em segurança,
mas acabam por se transformar em pessoas ressentidas, lamurientas,
sem vida.
Esta
não é a opção duma vida digna e plena, não corresponde ao
desígnio de Deus a nosso respeito, não é a vida no Espírito que
jorra do coração do Cristo ressuscitado (cf. Francisco, Exort. ap.
Evangelii gaudium, 2).
No
caminho para Jerusalém o Senhor, com estas exigências, convida-nos
a elevar o olhar, ajustar as prioridades e sobretudo criar espaços
para que Deus seja o centro e o fulcro da nossa vida.
Se
olharmos ao nosso redor, quantos homens e mulheres, jovens, crianças
sofrem e estão literalmente privados de tudo!
Isto
não faz parte do plano de Deus.
Como
é urgente este convite de Jesus a morrer para os nossos
confinamentos, os nossos orgulhosos individualismos, a fim de deixar
triunfar o espírito de fraternidade – este dimana do lado aberto
de Jesus Cristo, donde nascemos como família de Deus – e cada qual
possa sentir-se amado, porque compreendido, aceite e valorizado na
sua dignidade.
«Perante
a dignidade humana espezinhada, muitas vezes fica-se de braços
cruzados ou então abanam-se os braços, impotentes diante da força
obscura do mal. Mas o cristão não pode ficar de braços cruzados,
indiferente, nem de braços a abanar, fatalista! Não... O crente
estende a mão, como Jesus faz com ele» (Francisco, Homilia por
ocasião do Dia Mundial dos Pobres, 18 de Novembro de 2018).
A
Palavra de Deus, que ouvimos, convida-nos a retomar o caminho,
ousando dar este salto qualitativo e adoptar esta sabedoria do
desapego pessoal como base para a justiça e a vida de cada um de
nós; pois, juntos, podemos lutar contra todas estas idolatrias que
nos levam a focalizar a nossa atenção nas seguranças ilusórias do
poder, da carreira e do dinheiro e na busca de glórias humanas.
As
exigências que Jesus indica deixam de ser gravosas quando começamos
a saborear a alegria da vida nova que Ele mesmo nos propõe: a
alegria que brota de saber que Ele é o primeiro a sair à nossa
procura pelas encruzilhadas dos caminhos, quando estamos perdidos
como aquela ovelha ou aquele filho pródigo.
Possa
este humilde realismo – é um realismo, realismo cristão -, possa
este humilde realismo incitar-nos a assumir os grandes desafios, e
vos conceda o desejo de tornar o vosso lindo país num lugar onde o
Evangelho se faz vida, e vida para a maior glória de Deus.
Comprometamo-nos
e façamos nossos os planos do Senhor."
Fonte:
Notícias do Vaticano
Sem comentários:
Enviar um comentário