Pela
quinta vez um Papa visita as Nações Unidos.
Na linha dos seus
predecessores (Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI) o Papa Francisco
exprimiu o seu apreço por esta Organização que está a comemorar
os 70 anos de vida, considerando-a “a
resposta jurídica e política adequada para o momento histórico”
que estamos a viver, uma “resposta
imprescindível, dado que o poder tecnológico, nas mãos de
ideologias nacionalistas ou falsamente universalistas, é capaz de
produzir atrocidades tremendas”
VIAGEM
APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
A
CUBA, AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
E
VISITA À SEDE DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
(19-28
DE SETEMBRO DE 2015)
VISITA
À ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
DISCURSO
DO SANTO PADRE
Nova
Iorque, Palácio de Vidro
Sexta-feira,
25 de Setembro de 2015
Senhor
Presidente,
Senhoras
e Senhores: Bom dia.
Mais
uma vez, seguindo uma tradição de que me sinto honrado, o
Secretário-Geral das Nações Unidas convidou o Papa para falar a
esta distinta assembleia das nações.
Em
meu nome e em nome de toda a comunidade católica, Senhor Ban
Ki-moon, desejo manifestar-lhe a gratidão mais sincera e cordial;
agradeço-lhe também as suas amáveis palavras.
Saúdo
ainda os chefes de Estado e de Governo aqui presentes, os
embaixadores, os diplomatas e os funcionários políticos e técnicos
que os acompanham, o pessoal das Nações Unidas empenhado nesta LXX
Sessão da Assembleia Geral, o pessoal de todos os programas e
agências da família da ONU e todos aqueles que, por um título ou
outro, participam nesta reunião.
Por
vosso intermédio, saúdo também os cidadãos de todas as nações
representadas neste encontro.
Obrigado
pelos esforços de todos e cada um em prol do bem da humanidade.
Esta
é a quinta vez que um Papa visita as Nações Unidas.
Fizeram-no
os meus antecessores Paulo VI em 1965, João Paulo II em 1979 e 1995
e o meu imediato antecessor, hoje Papa emérito Bento XVI, em 2008.
Nenhum
deles poupou expressões de reconhecido apreço pela Organização,
considerando-a a resposta jurídica e política adequada para o
momento histórico, caracterizado pela superação das distâncias e
das fronteiras graças à tecnologia e, aparentemente, superação de
qualquer limite natural à afirmação do poder.
Uma
resposta imprescindível, dado que o poder tecnológico, nas mãos de
ideologias nacionalistas ou falsamente universalistas, é capaz de
produzir atrocidades tremendas.
Não
posso deixar de me associar ao apreçamento dos meus antecessores,
reiterando a importância que a Igreja Católica reconhece a esta
instituição e as esperanças que coloca nas suas actividades.
A
história da comunidade organizada dos Estados, representada pelas
Nações Unidas, que festeja nestes dias o seu septuagésimo
aniversário, é uma história de importantes sucessos comuns, num
período de inusual aceleração dos acontecimentos.
Sem
pretender ser exaustivo, pode-se mencionar a codificação e o
desenvolvimento do direito internacional, a construção da normativa
internacional dos direitos humanos, o aperfeiçoamento do direito
humanitário, a solução de muitos conflitos e operações de paz e
reconciliação, e muitas outras aquisições em todos os sectores da
projecção internacional das actividades humanas.
Todas
estas realizações são luzes que contrastam a obscuridade da
desordem causada por ambições descontroladas e egoísmos
colectivos.
É
certo que ainda são muitos os problemas graves por resolver, mas
também é evidente que, se faltasse toda esta actividade
internacional, a humanidade poderia não ter sobrevivido ao uso
descontrolado das suas próprias potencialidades.
Cada
um destes avanços políticos, jurídicos e técnicos representa um
percurso de concretização do ideal da fraternidade humana e um meio
para a sua maior realização.
Presto,
pois, homenagem a todos os homens e mulheres que serviram, com
lealdade e sacrifício, a humanidade inteira nestes setenta anos.
Em
particular, desejo hoje recordar aqueles que deram a sua vida pela
paz e a reconciliação dos povos, desde Dag Hammarskjöld até aos
inúmeros funcionários, de qualquer grau, caídos nas missões
humanitárias de paz e reconciliação.
A
experiência destes setenta anos demonstra que, para além de tudo o
que se conseguiu, há constante necessidade de reforma e adaptação
aos tempos, avançando rumo ao objectivo final que é conceder a
todos os países, sem excepção, uma participação e uma incidência
reais e equitativas nas decisões.
Esta
necessidade duma maior equidade é especialmente verdadeira nos
órgãos com capacidade executiva real, como o Conselho de Segurança,
os organismos financeiros e os grupos ou mecanismos criados
especificamente para enfrentar as crises económicas.
Isto
ajudará a limitar qualquer espécie de abuso ou usura especialmente
sobre países em vias de desenvolvimento.
Os
Organismos Financeiros Internacionais devem velar pelo
desenvolvimento sustentável dos países, evitando uma sujeição
sufocante desses países a sistemas de crédito que, longe de
promover o progresso, submetem as populações a mecanismos de maior
pobreza, exclusão e dependência.
A
tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e
dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista
como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito,
sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se
realizar o ideal da fraternidade universal.
Neste
contexto, convém recordar que a limitação do poder é uma ideia
implícita no conceito de direito.
Dar
a cada um o que lhe é devido, segundo a definição clássica de
justiça, significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode
considerar omnipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos
dos outros indivíduos ou dos grupos sociais.
A
efectiva distribuição do poder (político, económico, militar,
tecnológico, etc.) entre uma pluralidade de sujeitos e a criação
dum sistema jurídico de regulação das reivindicações e dos
interesses realiza a limitação do poder.
Mas,
hoje, o panorama mundial apresenta-nos muitos direitos falsos e, ao
mesmo tempo, amplos sectores sem protecção, vítimas inclusivamente
dum mau exercício do poder: o ambiente natural e o vasto mundo de
mulheres e homens excluídos são dois sectores intimamente unidos
entre si, que as relações políticas e económicas preponderantes
transformaram em partes frágeis da realidade.
Por
isso, é necessário afirmar vigorosamente os seus direitos,
consolidando a protecção do meio ambiente e pondo fim à exclusão.
Antes
de mais nada, é preciso afirmar a existência dum verdadeiro
«direito do ambiente», por duas razões.
Em
primeiro lugar, porque como seres humanos fazemos parte do ambiente.
Vivemos
em comunhão com ele, porque o próprio ambiente comporta limites
éticos que a acção humana deve reconhecer e respeitar.
O
homem, apesar de dotado de «capacidades originais [que] manifestam
uma singularidade que transcende o âmbito físico e biológico»
(Enc. Laudato si’, 81), não deixa ao mesmo tempo de ser uma
porção deste ambiente. Possui um corpo formado por elementos
físicos, químicos e biológicos, e só pode sobreviver e
desenvolver-se se o ambiente ecológico lhe for favorável.
Por
conseguinte, qualquer dano ao meio ambiente é um dano à humanidade.
Em
segundo lugar, porque cada uma das criaturas, especialmente seres
vivos, possui em si mesma um valor de existência, de vida, de beleza
e de interdependência com outras criaturas.
Nós
cristãos, juntamente com as outras religiões monoteístas,
acreditamos que o universo provém duma decisão de amor do Criador,
que permite ao homem servir-se respeitosamente da criação para o
bem dos seus semelhantes e para a glória do Criador, mas sem abusar
dela e muito menos sentir-se autorizado a destruí-la.
E,
para todas as crenças religiosas, o ambiente é um bem fundamental
(cf. ibid., 81).
O
abuso e a destruição do meio ambiente aparecem associados,
simultaneamente, com um processo ininterrupto de exclusão.
Na
verdade, uma ambição egoísta e ilimitada de poder e bem-estar
material leva tanto a abusar dos meios materiais disponíveis como a
excluir os fracos e os menos hábeis, seja pelo facto de terem
habilidades diferentes (deficientes), seja porque lhes faltam
conhecimentos e instrumentos técnicos adequados ou possuem uma
capacidade insuficiente de decisão política.
A
exclusão económica e social é uma negação total da fraternidade
humana e um atentado gravíssimo aos direitos humanos e ao ambiente.
Os
mais pobres são aqueles que mais sofrem esses ataques por um triplo
e grave motivo: são descartados pela sociedade, ao mesmo tempo são
obrigados a viver de desperdícios, e devem injustamente sofrer as
consequências do abuso do ambiente.
Estes
fenómenos constituem, hoje, a «cultura do descarte» tão difundida
e inconscientemente consolidada.
O
carácter dramático de toda esta situação de exclusão e
desigualdade, com as suas consequências claras, leva-me, juntamente
com todo o povo cristão e muitos outros, a tomar consciência também
da minha grave responsabilidade a este respeito, pelo que levanto a
minha voz, em conjunto com a de todos aqueles que aspiram por
soluções urgentes e eficazes.
A
adopção da «Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável»,
durante a Cimeira Mundial que hoje mesmo começa, é um sinal
importante de esperança.
Estou
confiado também que a Conferência
de Paris sobre as alterações climáticas alcance acordos
fundamentais e efectivos.
Todavia
não são suficientes os compromissos solenemente assumidos, embora
constituam certamente um passo necessário para a solução dos
problemas.
A
definição clássica de justiça, a que antes me referi, contém
como elemento essencial uma vontade constante e perpétua: Iustitia
est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi.
O
mundo pede vivamente a todos os governantes uma vontade efectiva,
prática, constante, feita de passos concretos e medidas imediatas,
para preservar e melhorar o ambiente natural e superar o mais
rapidamente possível o fenómeno da exclusão social e económica,
com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico
de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e
meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de
drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional
organizada.
Tal
é a magnitude destas situações e o número de vidas inocentes
envolvidas que devemos evitar qualquer tentação de cair num
nominalismo declamatório com efeito tranquilizador sobre as
consciências.
Devemos
ter cuidado com as nossas instituições para que sejam realmente
eficazes na luta contra estes flagelos.
A
multiplicidade e complexidade dos problemas exigem servir-se de
instrumentos técnicos de medição.
Isto,
porém, esconde um duplo perigo: limitar-se ao exercício burocrático
de redigir longas enumerações de bons propósitos – metas,
objectivos e indicações estatísticas –, ou julgar que uma
solução teórica única e apriorística dará resposta a todos os
desafios.
É
preciso não perder de vista, em momento algum, que a acção
política e económica só é eficaz quando é concebida como uma
actividade prudencial, guiada por um conceito perene de justiça e
que tem sempre presente que, antes e para além de planos e
programas, existem mulheres e homens concretos, iguais aos
governantes, que vivem, lutam e sofrem e que muitas vezes se vêem
obrigados a viver miseravelmente, privados de qualquer direito.
Para
que estes homens e mulheres concretos possam subtrair-se à pobreza
extrema, é preciso permitir-lhes que sejam actores dignos do seu
próprio destino.
O
desenvolvimento humano integral e o pleno exercício da dignidade
humana não podem ser impostos; devem ser construídos e realizados
por cada um, por cada família, em comunhão com os outros seres
humanos e num relacionamento correcto com todos os ambientes onde se
desenvolve a sociabilidade humana – amigos, comunidades, aldeias e
vilas, escolas, empresas e sindicatos, províncias, países, etc.
Isto supõe e exige o direito à educação – mesmo para as meninas
(excluídas em alguns lugares) –, que é assegurado antes de mais
nada respeitando e reforçando o direito primário das famílias a
educar e o direito das Igrejas e das agregações sociais a apoiar e
colaborar com as famílias na educação das suas filhas e dos seus
filhos.
A
educação, assim entendida, é a base para a realização da Agenda
2030 e para a recuperação do ambiente.
Ao
mesmo tempo, os governantes devem fazer o máximo possível por que
todos possam dispor da base mínima material e espiritual para tornar
efectiva a sua dignidade e para formar e manter uma família, que é
a célula primária de qualquer desenvolvimento social.
A
nível material, este mínimo absoluto tem três nomes: casa,
trabalho e terra.
E,
a nível espiritual, um nome: liberdade de espírito, que inclui a
liberdade religiosa, o direito à educação e todos os outros
direitos civis.
Por
todas estas razões, a medida e o indicador mais simples e adequado
do cumprimento da nova Agenda para o desenvolvimento será o acesso
efectivo, prático e imediato, para todos, aos bens materiais e
espirituais indispensáveis: habitação própria, trabalho digno e
devidamente remunerado, alimentação adequada e água potável;
liberdade religiosa e, mais em geral, liberdade de espírito e
educação.
Ao
mesmo tempo, estes pilares do desenvolvimento humano integral têm um
fundamento comum, que é o direito à vida, e, em sentido ainda mais
amplo, aquilo a que poderemos chamar o direito à existência da
própria natureza humana.
A
crise ecológica, juntamente com a destruição de grande parte da
biodiversidade, pode pôr em perigo a própria existência da espécie
humana.
As
nefastas consequências duma irresponsável má-gestão da economia
mundial, guiada unicamente pela ambição de lucro e poder, devem
constituir um apelo a esta severa reflexão sobre o homem: «O homem
não se cria a si mesmo.
Ele
é espírito e vontade, mas é também natureza» (Bento XVI,
Discurso ao Parlamento da República Federal da Alemanha, 22
de Setembro de 2011; citado na Enc. Laudato si’, 6). A
criação vê-se prejudicada «onde nós mesmos somos a última
instância (…).
E
o desperdício da criação começa onde já não reconhecemos
qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós
mesmos» (Bento XVI, Discurso ao clero da Diocese de
Bolzano-Bressanone, 6 de Agosto de 2008; citado na Enc.
Laudato si’, 6). Por isso, a defesa do ambiente e a luta contra
a exclusão exigem o reconhecimento duma lei moral inscrita na
própria natureza humana, que inclui a distinção natural entre
homem e mulher (cf. Enc. Laudato si’, 155) e o respeito
absoluto da vida em todas as suas fases e dimensões (cf. ibid.,
123; 136).
Sem
o reconhecimento de alguns limites éticos naturais inultrapassáveis
e sem a imediata actuação dos referidos pilares do desenvolvimento
humano integral, o ideal de «preservar as gerações vindouras do
flagelo da guerra» (Carta das Nações Unidas, Preâmbulo) e
«promover o progresso social e um padrão mais elevado de viver em
maior liberdade» (ibid.) corre o risco de se tornar uma
miragem inatingível ou, pior ainda, palavras vazias que servem como
desculpa para qualquer abuso e corrupção ou para promover uma
colonização ideológica através da imposição de modelos e
estilos de vida anormais, alheios à identidade dos povos e, em
última análise, irresponsáveis.
A
guerra é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática
ao meio ambiente.
Se
se quiser um desenvolvimento humano integral autêntico para todos, é
preciso continuar incansavelmente no esforço de evitar a guerra
entre as nações e os povos.
Para
isso, é preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o
recurso incansável às negociações, aos mediadores e à
arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas,
verdadeira norma jurídica fundamental.
A
experiência destes setenta anos de existência das Nações Unidas,
em geral, e, de modo particular, a experiência dos primeiros quinze
anos do terceiro milénio mostram tanto a eficácia da plena
aplicação das normas internacionais como a ineficácia da sua
inobservância.
Se
se respeita e aplica a Carta das Nações Unidas, com
transparência e sinceridade, sem segundos fins, como um ponto de
referência obrigatório de justiça e não como um instrumento para
mascarar intenções ambíguas, obtém-se resultados de paz.
Quando,
pelo contrário, se confunde a norma com um simples instrumento que
se usa quando resulta favorável e se contorna quando não o é,
abre-se uma verdadeira caixa de Pandora com forças incontroláveis,
que prejudicam seriamente as populações inermes, o ambiente
cultural e também o ambiente biológico.
O
Preâmbulo e o primeiro artigo da Carta das Nações Unidas
indicam as bases da construção jurídica internacional: a paz, a
solução pacífica das controvérsias e o desenvolvimento de
relações amistosas entre as nações.
Contrasta
fortemente com estas afirmações – e nega-as na prática – a
tendência sempre presente para a proliferação das armas,
especialmente as de destruição em massa, como o podem ser as armas
nucleares.
Uma
ética e um direito baseados sobre a ameaça da destruição
recíproca – e, potencialmente, de toda a humanidade – são
contraditórios e constituem um dolo em toda a construção das
Nações Unidas, que se tornariam «Nações Unidas pelo medo e a
desconfiança».
É
preciso trabalhar por um mundo sem armas nucleares, aplicando
plenamente, na letra e no espírito, o Tratado de Não-Proliferação
para se chegar a uma proibição total destes instrumentos.
O
recente acordo sobre a questão nuclear, numa região sensível da
Ásia e do Médio Oriente, é uma prova das possibilidades da boa
vontade política e do direito, cultivados com sinceridade, paciência
e constância.
Faço
votos de que este acordo seja duradouro e eficaz e, com a colaboração
de todas as partes envolvidas, produza os frutos esperados.
Nesta
linha, não faltam provas graves das consequências negativas de
intervenções políticas e militares não coordenadas entre os
membros da comunidade internacional.
Por
isso, embora desejasse não ter necessidade de o fazer, não posso
deixar de reiterar os meus apelos que venho repetidamente fazendo em
relação à dolorosa situação de todo o Médio Oriente, do Norte
de África e de outros países africanos, onde os cristãos,
juntamente com outros grupos culturais ou étnicos e também com
aquela parte dos membros da religião maioritária que não quer
deixar-se envolver pelo ódio e a loucura, foram obrigados a ser
testemunhas da destruição dos seus lugares de culto, do seu
património cultural e religioso, das suas casas e haveres, e foram
postos perante a alternativa de escapar ou pagar a adesão ao bem e à
paz com a sua própria vida ou com a escravidão.
Estas
realidades devem constituir um sério apelo a um exame de consciência
por parte daqueles que têm a responsabilidade pela condução dos
assuntos internacionais.
Não
só nos casos de perseguição religiosa ou cultural, mas em toda a
situação de conflito, como na Ucrânia, Síria, Iraque, Líbia,
Sudão do Sul e na região dos Grandes Lagos, antes dos interesses de
parte, mesmo legítimos, existem rostos concretos.
Nas
guerras e conflitos, existem pessoas, nossos irmãos e irmãs, homens
e mulheres, jovens e idosos, meninos e meninas que choram, sofrem e
morrem.
Seres
humanos que se tornam material de descarte, enquanto nada mais se faz
senão enumerar problemas, estratégias e discussões.
Como
pedi ao Secretário-Geral das Nações Unidas, na minha carta de 9 de
Agosto de 2014, «a mais elementar compreensão da dignidade humana
obriga a comunidade internacional, em particular através das regras
e dos mecanismos do direito internacional, a fazer tudo o que estiver
ao seu alcance para impedir e prevenir ulteriores violências
sistemáticas contra as minorias étnicas e religiosas» e para
proteger as populações inocentes.
Nesta
mesma linha, quero citar outro tipo de conflitualidade, nem sempre
assim explicitada, mas que inclui silenciosamente a morte de milhões
de pessoas.
Muitas
das nossas sociedades vivem um tipo diferente de guerra com o
fenómeno do narcotráfico. Uma guerra «suportada» e pobremente
combatida.
O
narcotráfico, por sua própria natureza, é acompanhado pelo tráfico
de pessoas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas, exploração
infantil e outras formas de corrupção.
Corrupção,
que penetrou nos diferentes níveis da vida social, política,
militar, artística e religiosa, gerando, em muitos casos, uma
estrutura paralela que põe em perigo a credibilidade das nossas
instituições.
Comecei
a minha intervenção recordando as visitas dos meus antecessores.
Agora
quereria, em particular, que as minhas palavras fossem como que uma
continuação das palavras finais do discurso de Paulo VI,
pronunciadas quase há cinquenta anos, mas de valor perene.
Cito:
«Eis chegada a hora em que se impõe uma pausa, um momento de
recolhimento, de reflexão, quase de oração: pensar de novo na
nossa comum origem, na nossa história, no nosso destino comum.
Nunca,
como hoje, (…) foi tão necessário o apelo à consciência moral
do homem.
Porque
o perigo não vem nem do progresso nem da ciência, que, bem
utilizados, poderão, pelo contrário, resolver um grande número dos
graves problemas que assaltam a humanidade» (Discurso aos
Representantes dos Estados, 4 de Outubro de 1965, n. 7).
Sem
dúvida que a genialidade humana, bem aplicada, ajudará a resolver,
entre outras coisas, os graves desafios da degradação ecológica e
da exclusão.
E
continuo com as palavras de Paulo VI: «O verdadeiro perigo está no
homem, que dispõe de instrumentos sempre cada vez mais poderosos,
aptos tanto para a ruína como para as mais elevadas conquistas»
(ibid.). Até aqui, as palavras de Paulo VI.
A
casa comum de todos os homens deve continuar a erguer-se sobre uma
recta compreensão da fraternidade universal e sobre o respeito pela
sacralidade de cada vida humana, de cada homem e de cada mulher; dos
pobres, dos idosos, das crianças, dos doentes, dos nascituros, dos
desempregados, dos abandonados, daqueles que são vistos como
descartáveis porque considerados meramente como números desta ou
daquela estatística.
A
casa comum de todos os homens deve edificar-se também sobre a
compreensão duma certa sacralidade da natureza criada.
Tal
compreensão e respeito exigem um grau superior de sabedoria, que
aceite a transcendência, própria de cada um, renuncie à construção
duma elite omnipotente e entenda que o sentido pleno da vida
individual e colectiva está no serviço desinteressado aos outros e
no uso prudente e respeitoso da criação para o bem comum.
Repetindo
palavras de Paulo VI, «o edifício da civilização moderna deve
construir-se sobre princípios espirituais, os únicos capazes não
apenas de o sustentar, mas também de o iluminar e de o animar»
(ibid.).
O
Gaúcho Martín Fierro, um clássico da literatura da minha terra
natal, canta: «Os irmãos estejam unidos, porque esta é a primeira
lei. Tenham união verdadeira em qualquer tempo que seja, porque se
litigam entre si, devorá-los-ão os de fora».
O
mundo contemporâneo, aparentemente interligado, experimenta uma
crescente, consistente e contínua fragmentação social que põe em
perigo «todo o fundamento da vida social» e assim «acaba por
colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses»
(Enc. Laudato si’, 229).
O
tempo presente convida-nos a privilegiar acções que possam gerar
novos dinamismos na sociedade e frutifiquem em acontecimentos
históricos importantes e positivos (cf. Exort. ap. Evangelii
gaudium, 223).
Não
podemos permitir-nos o adiamento de «algumas agendas» para o
futuro.
O
futuro exige-nos decisões críticas e globais face aos conflitos
mundiais que aumentam o número dos excluídos e necessitados.
A
louvável construção jurídica internacional da Organização das
Nações Unidas e de todas as suas realizações – melhorável como
qualquer outra obra humana e, ao mesmo tempo, necessária – pode
ser penhor dum futuro seguro e feliz para as gerações futuras.
Sê-lo-á
se os representantes dos Estados souberem pôr de lado interesses
sectoriais e ideologias e procurarem sinceramente o serviço do bem
comum. Peço a Deus omnipotente que assim seja, assegurando-vos o meu
apoio, a minha oração, bem como o apoio e as orações de todos os
fiéis da Igreja Católica, para que esta Instituição, com todos os
seus Estados-Membros e cada um dos seus funcionários, preste sempre
um serviço eficaz à humanidade, um serviço respeitoso da
diversidade e que saiba potenciar, para o bem comum, o melhor de cada
nação e de cada cidadão.
Deus
vos abençoe a todos!
Fontes:
Santa Sé; Rádio Vaticano
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