”A
Páscoa comporta uma riqueza inesgotável.
Convoca-nos
para estarmos presentes e sermos activos em todos os domínios da
vida humana, religiosa, cultural, social e política”
Homilia
de D. António dos Santos na Páscoa da Ressurreição:
1.
A festa da Páscoa do Senhor é a festa da Igreja.
É
a nossa festa.
Ontem,
na solene Vigília Pascal, irrompia nesta Catedral, um grito de luz,
jorrava uma nascente da água pura e ouvia-se, a partir da palavra de
Deus, a voz da criação, o cântico da libertação, o desígnio da
profecia e o anúncio feliz da vida nova, nascida do Ressuscitado.
A
Páscoa cristã, preparada durante a quaresma, prolonga-se agora ao
longo de outro tanto tempo de sete semanas de tempo pascal.
Na
Diocese do Porto, quisemos integrar, de acordo com o Plano Diocesano
de Pastoral, todo este tempo numa só Caminhada Quaresma-Páscoa,
vivida no espírito do Jubileu da Misericórdia, sob o lema: “Pratica
as obras de misericórdia, com alegria!”
A
partir da ressurreição do Senhor, o valor dos sinais adquire uma
dimensão nova – a de indicarem a presença discreta e eficaz
d’Aquele que faz aliança definitiva connosco e não desiste de
estar no meio daqueles que esperam os frutos novos da sua presença.
A
presença do Ressuscitado manifesta-se, de modo real, na vida da
Igreja, na oração das famílias e na celebração dos sacramentos.
É,
sobretudo, a eucaristia que se faz memorial deste mistério
admirável da nossa fé.
O
nosso encontro com o Ressuscitado vive-se na comunhão da Igreja, que
cresce na fé, na esperança e no amor; que celebra e reza; que se
reanima e revitaliza; que reforça os laços de fraternidade; que se
abre à sociedade e aceita ser enviada em missão, para anunciar com
encanto a “Alegria do Evangelho”, para proclamar as
bem-aventuranças e para praticar as obras de misericórdia, com
alegria!
2.
Neste tempo dilacerado por tantas e desnecessárias divisões, o
mundo e muito concretamente a Europa e Portugal precisam da
sabedoria, da lucidez e da determinação de todos para que saibamos
fazer do diálogo a chave da harmonia e da concertação entre todos
os cidadãos e para que um futuro de consenso, de justiça e de
progresso igual para todos seja possível.
Ao
longo destes últimos tempos e mais proximamente nesta Semana Santa
fomos duramente confrontados de novo, de forma cíclica e cobarde,
com o drama do terrorismo internacional que feriu o coração da
Europa e do mundo.
Fomos
igualmente tocados, de forma cruel e impensável, pela tragédia do
acidente rodoviário que ceifou vidas de doze portugueses emigrantes
das nossas terras, que aqui regressavam para celebrar a Páscoa.
Tudo
isto se vem acumular a tantas mortes prematuras fruto de violência
doméstica sob o tecto das nossas casas, aos suicídios crescentes
nas nações mais desenvolvidas, aos acidentes de trabalho em
empresas inseguras, aos que chegam inanimados às portas fechadas da
Europa ou morrem na orla das praias do Mediterrâneo e às vitimas
inocentes da perseguição religiosa ou étnica em tantos países em
guerra, nos diferentes continentes do mundo.
São
estes sinais tenebrosos que toldam o horizonte da humanidade mas não
podem ter a última palavra diante da esperança renascida da Páscoa.
É
a hora de levantarmos o nosso olhar para o alto, para a cruz
redentora, para o sepulcro vazio, para o Ressuscitado. Vejamos os
caminhos trilhados pelo Papa Francisco.
Saudemos
os gestos de governantes, de educadores, de pais, de voluntários e
de profissionais competentes que resistem à inércia dos que nada
fazem para bem dos outros ou dos que se submetem impassíveis à
tirania do mal, da violência e do ódio.
Há
felizmente, nas nossas terras, tanta gente decidida a abrir caminhos
novos, a construir pontes que unem, a fazer ruir barreiras que
separam, a abraçar com a alegria da proximidade e da fraternidade os
pobres, os frágeis, os sem-abrigo e os doentes, a lavar os pés
magoados pela dureza do caminho de irmãos de cores diferentes e de
religiões desiguais, mas sempre e acima de todas as diferenças
nossos irmãos.
Vejamos
a plêiade de homens e mulheres e muitos deles tão jovens e mesmo
crianças, mas invulgarmente generosos e audazes, que querem dar de
comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar
pousada aos peregrinos, visitar os doentes, assistir os presos, e
sepultar os mortos ou também e sempre dar bons conselhos, ensinar os
ignorantes, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as
injúrias, suportar com paciência as fraquezas do próximo e rezar a
Deus pelos vivos e pelos defuntos.
A
Páscoa de Jesus, têm uma palavra, porventura a maior e a melhor, a
dizer na vida da Igreja, no rumo do nosso viver como País e no
horizonte de esperança de que o mundo anda tão necessitado. Fala-se
tanto da responsabilidade social do Estado.
E
é bem que se fale e, melhor ainda, que se trabalhe nesse sentido. A
Igreja tem esse dever, também, e tem procurado cumpri-lo com sentido
de generosidade e de subsidariedade.
Mas
para lá desta responsabilidade social, que ao Estado pertence em
primeiro lugar e a todos os cidadãos diz respeito, a Igreja tem a
responsabilidade pascal que é sua missão primeira ao serviço
do Evangelho e consiste em tudo fazer para ser sinal e presença do
Ressuscitado e da vida nova que Ele nos trouxe e assim se renovar
diariamente e ajudar em permanência a transformar o mundo.
A
Páscoa comporta uma riqueza inesgotável.
Convoca-nos
para estarmos presentes e sermos activos em todos os domínios da
vida humana, religiosa, cultural, social e política, entendida esta
como o melhor serviço da pólis, da cidade.
A
Páscoa é escola de uma concepção nova de vida e de dignidade
humana em todas as suas dimensões para que, aí e à luz do
acontecimento pascal, se eduquem as novas gerações para uma vida
saudável, feliz e cristã, para uma partilha solidária, justa e
fraterna e para uma responsabilidade coerente, profética e
universal, orientada no sentido do bem comum e da construção de um
mundo melhor.
3.
No momento da morte de Jesus não foram muitos os que permaneceram
junto da cruz de Jesus e ao lado de sua Mãe. Sepultaram Jesus com
respeito e dignidade, para que os corpos não ficassem na cruz em dia
de sábado, como prescreve a lei judaica.
O
sepulcro foi cedido a Jesus por um amigo e discípulo, José de
Arimateia.
Mas
aqueles mesmos que permaneceram na hora da morte foram de novo, na
manhã do terceiro dia, ao levantar do sol, ao sepulcro.
A
morte é incapaz de fazer calar o amor, a saudade e a esperança da
vida eterna, daqueles que se querem bem.
Não
se vai ao sepulcro de alguém que nos morre apenas por curiosidade,
mas sim por amor e pela fé na vida que a morte não destrói e que o
sepulcro não esconde.
Maria
de Magdala, Pedro e João, pela manhã, viram o sepulcro vazio e
vieram dizê-lo apressadamente aos restantes discípulos.
Os
discípulos de Emaús, pela tarde daquele mesmo dia, reconheceram
Jesus ao partir do pão e regressaram de imediato a Jerusalém para o
dizer também.
A
estas testemunhas juntaram-se outras que viviam por perto e
juntamo-nos nós, agora, distantes no tempo, mas igualmente
presentes, discípulos e mensageiros do Ressuscitado.
Associa-se
a este testemunho a multidão dos que vêem a afirmação das
Escrituras, que confirmam o milagre da ressurreição, lidas à luz
da Páscoa.
Aqui
começa a fé pascal que encontrará a sua plenitude no dom do
Espírito Santo, na manhã do Pentecostes, capaz de abrir os corações
dos discípulos a tudo aquilo que Jesus lhes dissera antes.
4.
É na vitória de Jesus Cristo sobre a morte que residem a identidade
própria e o carácter específico do cristianismo.
É
este o grande sentido da Páscoa, mas também a grande dívida que
nós cristãos temos em relação aos homens e mulheres, nossos
contemporâneos, e que a Igreja tem em relação ao mundo.
É
este testemunho lúcido, claro, humilde e feliz que o mundo desde
sempre espera da Igreja.
É
esta dívida do amor vivido, celebrado e anunciado por palavras e por
obras, que a Igreja deve saldar.
Um
amor que liberta, que ergue, que levanta, que perdoa e que
ressuscita. Um amor nascido do mistério e do transcendente, de quem
ajuda o mundo a ver para lá das evidências, das aparências e das
ilusões.
Um
amor fruto do milagre, que ao Ressuscitado devemos pelo valor sagrado
da vida, desde a sua concepção até á morte natural.
É
a dívida da misericórdia infinita de Deus, que nos ama e nunca se
cansa de nos perdoar.
Amor
e misericórdia da Igreja que, sendo mãe, tem rosto e coração de
ternura.
Esta
é, em síntese teológica e antropológica, a dívida de uma nova
concepção do homem e do mundo, firmada nas bem-aventuranças do
Evangelho, que temos de transformar em trabalho evangelizador
incansável e em missão pascal inadiável, para que haja terra,
tecto e trabalho para todos e onde não sejam mais necessárias armas
assassinas, muros intransponíveis, ou lucros desonestos, mas sim
casas, escolas e mesas de família, de estudo, de convívio e de
trabalho, onde a vida possa nascer e crescer feliz.
5.
A nossa Caminhada Diocesana neste ano pastoral, em que nos propomos
praticar as obras de misericórdia, com alegria, firma os nossos
passos e afirma a nossa fé no Ressuscitado, ouvindo a voz do Anjo
junto do sepulcro vazio, que nos diz: «Não tenhais medo; sei que
procurais Jesus, o Crucificado. Não está aqui: ressuscitou como
tinha dito.
Vinde
ver o lugar onde jazia. E ide depressa dizer aos discípulos: Ele
ressuscitou» (cf Mt 28. 1-10).
Uma
Santa e Feliz Páscoa para todos. Aleluia! Aleluia!
Porto,
Igreja Catedral, 27 de Março, Páscoa da Ressurreição de 2016
António,
Bispo do Porto
Fonte:
Diocese do Porto
Sem comentários:
Enviar um comentário