Paróquia de S. Cristóvão do Muro

Vigararia Trofa/Vila do Conde
Diocese do Porto - Portugal

quinta-feira, 31 de março de 2016

NOTA PASTORAL SOBRE A CRISE QUE VIVE ANGOLA


Os Bispos de Angola manifestam-se preocupados com a situação sócio-política no País

Analisam a situação e apresentam propostas

   
   
Os Bispos de Angola reunidos na Primeira Assembleia Geral Ordinária de 2016 da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) realizada de 2 a 9 do corrente mês de Março em Ndalatando, província do Cuanza Norte, afirmaram que “a falta de ética, a má gestão do erário público e a corrupção generalizada estão na origem da crise económica e financeira em Angola, e não apenas a queda do preço do petróleo no mercado internacional”.


Nota Pastoral dos Bispos de Angola sobre a crise que vive o País:


Aos Cristãos e a todos os homens e mulheres de boa vontade

De 2 a 9 do corrente mês de Março, realizámos, em N’Dalatando, a nossa Primeira Assembleia Geral Ordinária de 2016.
E depois do que “vimos e ouvimos” (1Jo,1,1), não podíamos sair dela sem vos dirigir a presente mensagem.
A isto nos obriga a consciência de sermos vossos pastores e membros desta grande Família Angolana.

O que vimos e ouvimos

Nos últimos tempos, a pobreza das nossas populações tem-se agravado de maneira preocupante.
A instabilidade económica parece que está a paralisar paulatinamente os agentes económicos, impossibilitando-lhes a renovação de mercadorias, por falta de poder aquisitivo (divisas).
Aqui e acolá, tanto no sector público como no privado, registam-se atrasos de salários e subida vertiginosa de preços de bens elementares.

1. A crise económico-financeira em que o país se encontra mergulhado não se deve apenas à queda do preço do petróleo, mas igualmente à falta de ética, má gestão do erário público, corrupção generalizada, à mentalidade de compadrio, ao nepotismo, bem como à discriminação derivada da partidarização crescente da Função Publica, que sacrifica a competência e o mérito.

2. Aumenta assustadoramente o fosso entre os cada vez mais pobres e os poucos que se apoderam das riquezas nacionais, riquezas muitas vezes adquiridas de forma desonesta e fraudulenta.
Assiste-se à falta de critério no uso dos fundos públicos, gastos exorbitantes, importação de coisas supérfluas que não aproveitam a comunidade.

3. Nos últimos tempos, e de forma dramática, aumentou o índice de mortalidade de crianças e adultos, vítimas de doenças como o paludismo, diarreia e febre amarela.
Isto deve-se, principalmente, ao descuido da Saúde Pública e preventiva, falta de saneamento básico, falta de higiene pública e privada, falta de água, acumulação de lixo…

4. Assistimos a uma insensibilidade quase crónica perante o mal, a doença e a morte do próximo.
Em muitos hospitais, isto traduz-se no desvio de medicamentos para farmácias ou unidades de saúde privadas e mercado paralelo, onde são vendidos a preços insuportáveis para a maioria da população.
Em muitos hospitais, além da falta de medicamentos indispensáveis, os doentes não recebem alimentação.
Muitas das nossas estradas tornaram-se intransitáveis, isolando populações e criando condições para o aumento de acidentes.

5. Preocupa-nos sobremaneira a seca e a fome no Sul de Angola, que se alastram por um largo tempo e continuam a fazer vítimas.
Quanto à seca, a crise atingiu alguns dos países vizinhos.
Pedimos, a quem de direito, maior empenho na mobilização de ajudas alimentares e na definição de políticas concretas, que ponham fim a estes males crónicos.
Preocupa-nos também a politização das ajudas humanitárias, porque, além de chocar as pessoas, enfraquece-lhes o sentido de solidariedade para com os irmãos em dificuldade.

6. Não menos preocupante é a partidarização dos meios de comunicação social que, por direito, devem estar ao serviço de todos.
É igualmente grave com a prevalência de espectáculos de conteúdo moral, científico e cultural duvidoso, banalizando a cultura das nossas populações angolanas.

7. Aumentou o clima de insegurança nas cidades e no campo: por tudo e por nada, assassinam-se friamente as pessoas, multiplicam-se as violações sexuais e os roubos e, muitas vezes, os crimes acabam impunes.

8. Muitos cidadãos perderam fé nas instituições públicas e estatais, encarando o futuro com pessimismo.
Por exemplo, nos bancos, quem depositou divisas dificilmente as recebe quando necessita; a reclamação contra os direitos violados nem sempre é atendida com a rapidez que a situação reclama; o mesmo vale para os hospitais e centros de saúde, com carências humanas e físicas de toda a ordem.
Também na escola há dificuldades, com a matrícula, frequentes vezes, a ser condicionada pela “gasosa”.
Isto não favorece nem o amor pátrio nem a fraterna solidariedade, que deve marcar a nossa sociedade.

9. Deixa-nos perplexos verificar que análises lúcidas, críticas bem fundadas e construtivas, destinadas à construção do bem comum, sejam, muitas vezes, interpretadas como ataque às instituições de legítima governação e à ordem pública em geral.

O que propomos

11. Que devemos fazer, irmãos, perante este quadro sombrio? Resignar-nos ao mal?
Não! Juntos, temos de buscar uma porta de saída.
É verdade que, nesta crise, as responsabilidades não são as mesmas para todos.
Entretanto, o problema diz respeito a todos e todos devem ser escutados.
Assim aprenderemos uns dos outros e acertaremos melhor na escolha de rumos a tomar.
Ninguém pretenda possuir o monopólio da verdade, nem se iluda com soluções vindas de fora.

Obviamente, a situação reclama, antes de tudo, a conversão, uma autêntica mudança de mentalidade e de comportamentos.
Isto vale para todos e cada um de nós, sem excepção.

12. Com o Papa Francisco, reiteramos a exortação a não perder a esperança na capacidade que os angolanos têm, com a graça de Deus, de superar o mal, não se rendendo à resignação nem à indiferença.
Esta hora desperta-nos a consciência para agirmos solidariamente, perante as situações críticas, superando os interesses individualistas, a apatia e a indiferença. (cfr. Papa Francisco Mensagem para o dia mundial da Paz 2016)

13. Aos governantes e aos funcionários públicos, pedimos que façam a gestão da coisa pública com competência, sentido de justiça, transparência, honestidade, sentido de missão e compromisso com a Nação.
Só assim estarão à altura de edificar adequadamente o bem comum. Jamais esqueçam que, além do respeito que todos lhes devemos, são servidores do povo.

14. Aos empresários angolanos exortamos a que invistam na sua terra, a fim de ajudarem a desenvolver o País e a combater, eficazmente, o desemprego galopante, que tão cruelmente atinge os nossos jovens, atirando-os facilmente para o desespero em relação a um futuro digno.

Cheios de confiança, pedimos-lhes igualmente que, nas parcerias com os financiadores externos, prestem atenção para não caírem na hipoteca das suas liberdades e dos valores que nos identificam como povo angolano.
É aqui lugar para recordarmos que um salário justo educa para a responsabilidade e estimula o amor ao trabalho.

15. No que diz respeito à saúde, que se estabeleça maior colaboração a nível das instituições públicas e privadas, particularmente com as Forças de Defesa e Segurança, a fim de acelerar o combate eficaz das endemias, tais como o paludismo, a febre amarela, e outras.
Para tanto, torna-se urgente o emprego profiláctico da fumigação, nas zonas sensíveis, tanto urbanas como suburbanas, eliminando charcos, a acumulação de lixo e de outros focos incubadores de tais endemias.

16. Um apelo especial dirigimos aos médicos, enfermeiros, agentes de saúde, cristãos e outros, para que dediquem generosamente as suas energias e possibilidades ao serviço e à defesa da vida dos nossos concidadãos, especialmente aqueles a quem o mundo não presta a devida atenção.
Disto também depende a sobrevivência e a segurança nacionais.

Neste ponto, o serviço voluntário sem busca de remuneração constitui o melhor testemunho de uma fé viva e não morta (cfr Tg 2,17).
Seria desejável que, na medida do possível, os nossos médicos e outros agentes sanitários competentes dessem, gratuitamente, algumas horas do seu tempo para apoiar os doentes mais carenciados nas instituições e unidades sanitárias.

17. Aos sacerdotes e às comunidades religiosas recordamos, neste momento de crise, a necessidade de uma oração assídua mais intensa e uma caridade que não esqueça ninguém, particularmente os pobres e os indigentes de vária ordem.
Não se contentem com sentir-se bem nas suas próprias comunidades, ignorando o pobre que pede auxílio nas várias situações da vida.

18. Exortamos as nossas paróquias a tornarem-se, cada vez mais, lugares de oração e de uma caridade que se veja nas obras, de maneira que ninguém seja condenado ao anonimato ou a sofrer sem que ninguém vá em seu auxílio.
A primeira comunidade cristã é exemplo para nós e em todos os tempos. “Entre eles não havia ninguém necessitado” (cfr Act 4,34) porque partilhavam o que tinham.

19. Quanto a vós, queridos jovens, sabemos que muitos estais fora do sistema escolar e que outros tantos lutam com dificuldades de entrar numa Faculdade que lhes ofereça cursos para os quais são naturalmente dotados.
Não vos resigneis à estagnação, mas enfrentai as dificuldades da vida com coragem e perseverança porque, nos planos de Deus, nunca se fecha uma porta sem que se abra um portão.

Resisti à tentação do álcool, drogas e uma sexualidade desordenada.
Cair nestes vícios seria morrerdes antes da morte.
Pelo contrário, empenhai-vos nas causas de Deus, do próximo e da Pátria, através de um serviço e de um voluntariado desinteressados.
O Senhor jamais vos deixará sozinhos.

20. A terminar, os nossos olhos voltam-se para Deus.
A Ele suplicamos confiadamente que lance sobre nós o Seu olhar de Pai misericordioso e Senhor da História.

À Virgem Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, que ao pé da Cruz acreditou no triunfo da vida sobre a morte, pedimos que mantenha viva em nós a chama da esperança.

N’Dalatando, 9 de Março de 2016

OS BISPOS DE ANGOLA


Fontes: O Apostolado – Jornal da CEAST; Rádio Ecclesia – Emissora Católica de Angola


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