Analisam
a situação e apresentam propostas
Os
Bispos de Angola reunidos na Primeira Assembleia Geral Ordinária de
2016 da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST)
realizada de 2 a 9 do corrente mês de Março em Ndalatando,
província do Cuanza Norte, afirmaram que “a
falta de ética, a má gestão do erário público e a corrupção
generalizada estão na origem da crise económica e financeira em
Angola, e não apenas a queda do preço do petróleo no mercado
internacional”.
Nota
Pastoral dos Bispos de Angola sobre a crise que vive o País:
Aos
Cristãos e a todos os homens e mulheres de boa vontade
De
2 a 9 do corrente mês de Março, realizámos, em N’Dalatando, a
nossa Primeira Assembleia Geral Ordinária de 2016.
E
depois do que “vimos e ouvimos” (1Jo,1,1), não podíamos sair
dela sem vos dirigir a presente mensagem.
A
isto nos obriga a consciência de sermos vossos pastores e membros
desta grande Família Angolana.
O
que vimos e ouvimos
Nos
últimos tempos, a pobreza das nossas populações tem-se agravado de
maneira preocupante.
A
instabilidade económica parece que está a paralisar paulatinamente
os agentes económicos, impossibilitando-lhes a renovação de
mercadorias, por falta de poder aquisitivo (divisas).
Aqui
e acolá, tanto no sector público como no privado, registam-se
atrasos de salários e subida vertiginosa de preços de bens
elementares.
1.
A crise económico-financeira em que o país se encontra mergulhado
não se deve apenas à queda do preço do petróleo, mas igualmente à
falta de ética, má gestão do erário público, corrupção
generalizada, à mentalidade de compadrio, ao nepotismo, bem como à
discriminação derivada da partidarização crescente da Função
Publica, que sacrifica a competência e o mérito.
2.
Aumenta assustadoramente o fosso entre os cada vez mais pobres e os
poucos que se apoderam das riquezas nacionais, riquezas muitas vezes
adquiridas de forma desonesta e fraudulenta.
Assiste-se
à falta de critério no uso dos fundos públicos, gastos
exorbitantes, importação de coisas supérfluas que não aproveitam
a comunidade.
3.
Nos últimos tempos, e de forma dramática, aumentou o índice de
mortalidade de crianças e adultos, vítimas de doenças como o
paludismo, diarreia e febre amarela.
Isto
deve-se, principalmente, ao descuido da Saúde Pública e preventiva,
falta de saneamento básico, falta de higiene pública e privada,
falta de água, acumulação de lixo…
4.
Assistimos a uma insensibilidade quase crónica perante o mal, a
doença e a morte do próximo.
Em
muitos hospitais, isto traduz-se no desvio de medicamentos para
farmácias ou unidades de saúde privadas e mercado paralelo, onde
são vendidos a preços insuportáveis para a maioria da população.
Em
muitos hospitais, além da falta de medicamentos indispensáveis, os
doentes não recebem alimentação.
Muitas
das nossas estradas tornaram-se intransitáveis, isolando populações
e criando condições para o aumento de acidentes.
5.
Preocupa-nos sobremaneira a seca e a fome no Sul de Angola, que se
alastram por um largo tempo e continuam a fazer vítimas.
Quanto
à seca, a crise atingiu alguns dos países vizinhos.
Pedimos,
a quem de direito, maior empenho na mobilização de ajudas
alimentares e na definição de políticas concretas, que ponham fim
a estes males crónicos.
Preocupa-nos
também a politização das ajudas humanitárias, porque, além de
chocar as pessoas, enfraquece-lhes o sentido de solidariedade para
com os irmãos em dificuldade.
6.
Não menos preocupante é a partidarização dos meios de comunicação
social que, por direito, devem estar ao serviço de todos.
É
igualmente grave com a prevalência de espectáculos de conteúdo
moral, científico e cultural duvidoso, banalizando a cultura das
nossas populações angolanas.
7.
Aumentou o clima de insegurança nas cidades e no campo: por tudo e
por nada, assassinam-se friamente as pessoas, multiplicam-se as
violações sexuais e os roubos e, muitas vezes, os crimes acabam
impunes.
8.
Muitos cidadãos perderam fé nas instituições públicas e
estatais, encarando o futuro com pessimismo.
Por
exemplo, nos bancos, quem depositou divisas dificilmente as recebe
quando necessita; a reclamação contra os direitos violados nem
sempre é atendida com a rapidez que a situação reclama; o mesmo
vale para os hospitais e centros de saúde, com carências humanas e
físicas de toda a ordem.
Também
na escola há dificuldades, com a matrícula, frequentes vezes, a ser
condicionada pela “gasosa”.
Isto
não favorece nem o amor pátrio nem a fraterna solidariedade, que
deve marcar a nossa sociedade.
9.
Deixa-nos perplexos verificar que análises lúcidas, críticas bem
fundadas e construtivas, destinadas à construção do bem comum,
sejam, muitas vezes, interpretadas como ataque às instituições de
legítima governação e à ordem pública em geral.
O
que propomos
11.
Que devemos fazer, irmãos, perante este quadro sombrio? Resignar-nos
ao mal?
Não!
Juntos, temos de buscar uma porta de saída.
É
verdade que, nesta crise, as responsabilidades não são as mesmas
para todos.
Entretanto,
o problema diz respeito a todos e todos devem ser escutados.
Assim
aprenderemos uns dos outros e acertaremos melhor na escolha de rumos
a tomar.
Ninguém
pretenda possuir o monopólio da verdade, nem se iluda com soluções
vindas de fora.
Obviamente,
a situação reclama, antes de tudo, a conversão, uma autêntica
mudança de mentalidade e de comportamentos.
Isto
vale para todos e cada um de nós, sem excepção.
12.
Com o Papa Francisco, reiteramos a exortação a não perder a
esperança na capacidade que os angolanos têm, com a graça de Deus,
de superar o mal, não se rendendo à resignação nem à
indiferença.
Esta
hora desperta-nos a consciência para agirmos solidariamente, perante
as situações críticas, superando os interesses individualistas, a
apatia e a indiferença. (cfr. Papa Francisco Mensagem para o dia
mundial da Paz 2016)
13.
Aos governantes e aos funcionários públicos, pedimos que façam a
gestão da coisa pública com competência, sentido de justiça,
transparência, honestidade, sentido de missão e compromisso com a
Nação.
Só
assim estarão à altura de edificar adequadamente o bem comum.
Jamais esqueçam que, além do respeito que todos lhes devemos, são
servidores do povo.
14.
Aos empresários angolanos exortamos a que invistam na sua terra, a
fim de ajudarem a desenvolver o País e a combater, eficazmente, o
desemprego galopante, que tão cruelmente atinge os nossos jovens,
atirando-os facilmente para o desespero em relação a um futuro
digno.
Cheios
de confiança, pedimos-lhes igualmente que, nas parcerias com os
financiadores externos, prestem atenção para não caírem na
hipoteca das suas liberdades e dos valores que nos identificam como
povo angolano.
É
aqui lugar para recordarmos que um salário justo educa para a
responsabilidade e estimula o amor ao trabalho.
15.
No que diz respeito à saúde, que se estabeleça maior colaboração
a nível das instituições públicas e privadas, particularmente com
as Forças de Defesa e Segurança, a fim de acelerar o combate eficaz
das endemias, tais como o paludismo, a febre amarela, e outras.
Para
tanto, torna-se urgente o emprego profiláctico da fumigação, nas
zonas sensíveis, tanto urbanas como suburbanas, eliminando charcos,
a acumulação de lixo e de outros focos incubadores de tais
endemias.
16.
Um apelo especial dirigimos aos médicos, enfermeiros, agentes de
saúde, cristãos e outros, para que dediquem generosamente as suas
energias e possibilidades ao serviço e à defesa da vida dos nossos
concidadãos, especialmente aqueles a quem o mundo não presta a
devida atenção.
Disto
também depende a sobrevivência e a segurança nacionais.
Neste
ponto, o serviço voluntário sem busca de remuneração constitui o
melhor testemunho de uma fé viva e não morta (cfr Tg 2,17).
Seria
desejável que, na medida do possível, os nossos médicos e outros
agentes sanitários competentes dessem, gratuitamente, algumas horas
do seu tempo para apoiar os doentes mais carenciados nas instituições
e unidades sanitárias.
17.
Aos sacerdotes e às comunidades religiosas recordamos, neste momento
de crise, a necessidade de uma oração assídua mais intensa e uma
caridade que não esqueça ninguém, particularmente os pobres e os
indigentes de vária ordem.
Não
se contentem com sentir-se bem nas suas próprias comunidades,
ignorando o pobre que pede auxílio nas várias situações da vida.
18.
Exortamos as nossas paróquias a tornarem-se, cada vez mais, lugares
de oração e de uma caridade que se veja nas obras, de maneira que
ninguém seja condenado ao anonimato ou a sofrer sem que ninguém vá
em seu auxílio.
A
primeira comunidade cristã é exemplo para nós e em todos os
tempos. “Entre eles não havia ninguém necessitado” (cfr Act
4,34) porque partilhavam o que tinham.
19.
Quanto a vós, queridos jovens, sabemos que muitos estais fora do
sistema escolar e que outros tantos lutam com dificuldades de entrar
numa Faculdade que lhes ofereça cursos para os quais são
naturalmente dotados.
Não
vos resigneis à estagnação, mas enfrentai as dificuldades da vida
com coragem e perseverança porque, nos planos de Deus, nunca se
fecha uma porta sem que se abra um portão.
Resisti
à tentação do álcool, drogas e uma sexualidade desordenada.
Cair
nestes vícios seria morrerdes antes da morte.
Pelo
contrário, empenhai-vos nas causas de Deus, do próximo e da Pátria,
através de um serviço e de um voluntariado desinteressados.
O
Senhor jamais vos deixará sozinhos.
20.
A terminar, os nossos olhos voltam-se para Deus.
A
Ele suplicamos confiadamente que lance sobre nós o Seu olhar de Pai
misericordioso e Senhor da História.
À
Virgem Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, que ao pé da Cruz
acreditou no triunfo da vida sobre a morte, pedimos que mantenha viva
em nós a chama da esperança.
N’Dalatando,
9 de Março de 2016
OS
BISPOS DE ANGOLA
Fontes:
O Apostolado – Jornal da CEAST; Rádio Ecclesia – Emissora
Católica de Angola
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