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é
o que os «cristãos anónimos» e a sociedade mais esperam de nós
(D.
Manuel Linda na entrevista à Voz Portucalense)
D.
Manuel Linda, novo bispo do Porto, na sua primeira entrevista à VP,
afirma que “simplicidade, afectividade, proximidade, misericórdia,
carinho, respeito são as novas (e, porventura, únicas…) «armas»
que a Igreja possui para enfrentar uma cultura que lhe é fortemente
hostil”.
D.
Manuel Linda, nesta entrevista, refere a sua reacção à nomeação
do Papa Francisco, recorda os seus tempos de estudante na diocese do
Porto, evoca D. António Francisco dos Santos e afirma querer a
atingir o objectivo da simplicidade evangélica na diocese do Porto
“sempre pela conversão das mentalidades”.
Entrevista
conduzida por Rui Saraiva
VP:
Como foi receber a nomeação do Papa Francisco para servir a Igreja
como bispo do Porto?
ML:
Não nego a perturbação inicial. Até porque, no meu pensamento,
subjaz a ideia de que o bispo do Porto, historicamente, tem
desempenhado uma função de referência sócio eclesial que
ultrapassa a própria Diocese.
Pense-se,
logo no início do século XX, em D. António Barroso.
E
em tantos outros…
Entretanto,
depois dessa agitação, regressou a calma.
Esta
é fruto de uma continuidade: no meu serviço à Igreja, nas mais
diversas funções e situações, habituei-me a dizer «sim».
Desde
Pároco de Lamas de Olo, no alto da Serra do Alvão, até ao serviço
das Forças Armadas e das Forças de Segurança, na «capital».
O
actual «sim» ao Papa Francisco, para ir pastorear a Igreja do
Porto, é mais um que se segue a outros.
VP:
Em pouco mais de 4 anos é a segunda vez que recebe uma nomeação do
Papa Francisco. Retira disso algum significado especial?
ML:
Nenhum a não ser este: a Igreja é uma espécie de equipa sempre
treinada.
Por
vezes, há necessidade de os jogadores avançarem ou recuarem
posições.
Só
o treinador poderá ajuizar sobre essas razões.
VP:
Na sua mensagem de saudação afirma regressar com emoção ao Porto
e à diocese onde estudou. Quais as recordações que tem desse
tempo?
ML:
As melhores, quer ao nível da qualidade dos estudos e do
companheirismo, quer da descoberta que nós, alunos de Vila Real,
fazíamos deste mundo cosmopolita que é o Porto e das estruturas,
muito vivas, da sua Diocese.
O
facto de, no antigo Instituto de Ciências Humanas e Teológicas, a
funcionar nas instalações do Seminário Maior, se entrecruzarem
professores provenientes das mais diversas pertenças e alunos de
muitas dioceses e congregações religiosas permitiu-me um
«arejamento» e uma abertura de espírito que, de outra forma, não
seria fácil.
Para
mais, estávamos na plenitude do optimismo do pós Concílio e no
auge de uma «teologia do mundo» que o então Doutor Marto
leccionava com profunda convicção, acentuada beleza e abertura de
horizontes.
Confesso
que tudo isso me seduziu.
VP:
Os diocesanos do Porto recordam ainda com saudade D. António
Francisco dos Santos. Que memória guarda do anterior bispo do Porto?
ML:
Muitas. Tantas que nem caberiam nesta página.
Permita-me,
por isso, que só refira uma.
Quando
ele foi eleito bispo auxiliar de Braga, a Diocese de Lamego organizou
uma série de conferências sobre o tema genérico do «ser bispo,
hoje».
Por
iniciativa do D. António Francisco, também me convidaram.
E
lá foi o Padre Linda, de Vila Real, quase a tremer, votar faladura a
Lamego.
No
final, o bispo eleito, veio ter comigo, agradeceu e só disse: “Não
te esqueças do que disseste, quando for a tua vez”.
Fiquei
embasbacado. Foi premonitório.
E,
quer antes da minha eleição para o episcopado, quer depois, o D.
António Francisco repetia-me algumas vezes: “Ainda te lembras do
que disseste em Lamego na preparação da minha ordenação?”.
Hoje
responderia: lembro-me disso; mas lembro-me muito mais de si.
Todos
os dias. Continuamente.
VP:
Na sua mensagem à diocese do Porto caracteriza-a como sendo
“fidelíssima” no “dinamismo apostólico e missionário”.
Quais outras características,
destaca da diocese do Porto?
ML:
Teria muito que referir. Por isso, sintetizo em apenas duas: a forte
presença na sociedade e a santidade.
A
respeito da primeira, basta percorrer a história do século XX para
topar, continuamente, com a preocupação de «obras diocesanas de
promoção social». Com esta ou outra designação.
No
que diz respeito à segunda, pense-se nos servos de Deus (bispos,
padres, religiosas, leigos…) cujo processo de beatificação já
foi introduzido.
Aliás,
posso já declarar que a continuação e a aceleração destes
processos será uma das minhas prioridades.
VP:
Cito uma frase da sua mensagem à diocese: “Procurarei reconduzir a
Igreja a uma tal simplicidade evangélica que a constitua referencial
ético para o mundo actual.”
Como pensa atingir este objectivo
na diocese do Porto?
ML:
Sempre pela conversão das mentalidades. Sempre pela interpelação
que os factos nos devem gerar.
Por
exemplo, se um casalinho vai solicitar um baptismo e o Pároco,
mal-humorado, em vez de acolher, não os ajuda e até os despreza
devido à sua situação matrimonialmente irregular, isso é
evangélico?
Isso
é eclesial? Não tenhamos ilusão: o que os «cristãos anónimos»
e a sociedade, hoje, mais esperam de nós é a fidelidade ao estilo e
aos gestos do Senhor.
A
simplicidade, afectividade, proximidade, misericórdia, carinho,
respeito são as novas (e, porventura, únicas…) «armas» que a
Igreja possui para enfrentar uma cultura que lhe é fortemente
hostil.
Ponhamos
os olhos no Papa Francisco e vejamos se não é assim.
Fonte:
Voz Portucalense, Ano XLIX, nº 12, 21de Março de 2018
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