D.
Manuel Clemente, despediu-se hoje da presidência da Conferência
Episcopal Portuguesa, missão que desempenhou nos últimos sete anos
Na
abertura da Assembleia Plenária que decorreu na tarde de ontem, após
o adiamento do encontro em Abril devido ao estado de emergência que
vigorava no país, D. Manuel Clemente referiu:
“Foi
um tempo exigente, porque exigentes foram os desafios da sociedade e
da vida eclesial.
Em
2013 estávamos a sair duma grave crise económica e social, como
agora estamos noutra, trazida pela pandemia.”
D.
Manuel Clemente foi eleito como presidente interino da CEP em Junho
de 2013, após a resignação de D. José Policarpo; seria reeleito
no cargo, em Abril de 2014 e 2017, concluindo agora o seu segundo
mandato completo.
A
CEP foi formalmente reconhecida a seguir ao Concílio Vaticano II, em
1967, com a ratificação pela Santa Sé dos primeiros Estatutos
aprovados na Assembleia Plenária de 16 de Maio, revistos
posteriormente em 1977, 1984, 1999 e 2005; é o conjunto dos bispos
das dioceses que, “para melhor exercerem as suas funções
pastorais, põem em comum preocupações e experiências, acertam
critérios de acção e coordenam esforços”.
Palavras
de abertura da 198.ª Assembleia Plenária da CEP, 15 de Junho de
2020
1.
Abrimos esta assembleia num momento especial da sociedade e da Igreja
em Portugal.
A
pandemia interrompeu brusca e profundamente o ritmo e o modo da vida
pessoal, social e eclesial.
Interrompeu,
mas também despertou muita solidariedade nos vários sectores e
muita criatividade para prosseguir no possível.
Reconheço
e louvo tudo quanto se fez para minorar os efeitos da pandemia, nos
âmbitos da saúde, da segurança social e do ensino, como na
continuação de tudo o que é necessário à vida das populações.
Houve
heroísmo em muitos casos, na frente hospitalar e nos lares de
idosos, para salientar os primeiros de muitos outros, onde também
não faltou generosidade.
Louvo
igualmente o empenho de tantas comunidades eclesiais e instituições
sócio-caritativas, que souberam estar presentes e activas junto dos
seus fiéis e dos mais necessitados, tanto no apoio especificamente
religioso como em várias formas de prática solidária.
Oxalá
tanto bem que emergiu, face a um grande mal, recresça para o futuro,
quer superando a pandemia que persiste, quer para nos retomarmos
melhor do que estávamos antes.
Essencialmente,
para concretizarmos aquela “ecologia integral” em que o Papa
Francisco tão justamente insiste: «Dado que tudo está intimamente
relacionado e que os problemas actuais requerem um olhar que tenha em
conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos
agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia
integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais»
(Laudato
si’,
137).
Assim
nos escreveu há cinco anos e assim nos exorta a fazer agora.
Corresponderemos
certamente a este apelo papal, promovendo a leitura consequente de
tão importante encíclica.
Nesta
abertura de trabalhos, lembro algumas figuras episcopais que
entretanto partiram para a Casa do Pai: D. Ilídio Pinto Leandro,
Bispo emérito de Viseu, a 21 de Fevereiro último; D. Manuel Vieira
Pinto, Arcebispo emérito de Nampula, a 30 de Abril; e D. Óscar
Braga, Bispo emérito de Benguela, a 27 de Maio. A todos devemos
gratidão e homenagem e assim os lembraremos na Santa Missa.
Saúdo
também D. António Sousa Braga, Bispo emérito de Angra, que
celebrou recentemente as Bodas de Ouro Sacerdotal, num dedicado
percurso que felizmente continua.
E
sublinho o feliz reconhecimento, a 12 de Dezembro passado, das
virtudes heróicas do Padre Américo, Servo de Deus e grande exemplo
para nós todos.
Tratando-se
duma assembleia electiva e estipulando os Estatutos da CEP que «o
Conselho Permanente entra em funções logo depois da sua eleição»
(art. 20, 4), aproveito esta última oportunidade para um breve
relance dos últimos sete anos:
2.
Foi um tempo exigente, porque exigentes foram os desafios da
sociedade e da vida eclesial.
Em
2013 estávamos a sair duma grave crise económica e social, como
agora estamos noutra, trazida pela pandemia.
Houve
debates sócio-culturais muito fortes, por atingirem pontos
essenciais da vida e do que ela requer.
Disseram
e dizem respeito ao princípio e ao fim da existência humana, “da
concepção à morte natural”, posta em causa pelo aborto e a
eutanásia.
Continuam
presentes e a requerer a nossa atenção prioritária e constante.
Continuaremos
a expressar-nos com serenidade e clareza, pois, aqui como em tudo,
importa mais convencer do que vencer.
Como
nos disse o Papa Bento XVI no Porto, a 14 de Maio de 2010, «nada
impomos, mas sempre propomos».
Lembrámos
também o trabalho e a subsistência digna das pessoas e das
famílias, inclusive de quem chega, por imigração ou refúgio.
Igualmente
os temas culturais propriamente ditos, como os respeitantes à
liberdade de aprender e ensinar, segundo a escolha de pais e
encarregados de educação.
Juntaram-se
os temas ligados ao terceiro sector e às boas iniciativas da
sociedade como tal, que o Estado deve reconhecer e apoiar, ligando
solidariedade (não esquecer ninguém) e subsidiariedade (estimular o
que a sociedade faz por si própria e com bom resultado).
Sobre
qualquer destas temáticas a Conferência Episcopal pronunciou-se,
quer pelo plenário quer pelas Comissões.
Alguns
documentos tiveram especial impacto, como as Notas sobre a Ideologia
de Género ou a Eutanásia.
Não
se esqueceram entretanto os temas mais internos à Igreja, como a
catequese e a projecção missionária.
No
domínio particularmente sensível da protecção dos menores, a
Conferência Episcopal insistiu no cumprimento estrito das
orientações da Santa Sé e do Estado.
Para
tal se têm constituído as comissões diocesanas.
3.
A eficácia dos pronunciamentos da CEP depende muito da sua radicação
eclesial, ou seja, de brotarem da vida e da sensibilidade dos
crentes.
Quando
esta coincidência acontece e corresponde a problemas reais da
sociedade, têm acolhimento e consequência.
Porém,
ainda há muito por fazer no campo da comunicação interna e
externa, da linguagem utilizada e do modo actual de transmitir e
receber.
Também
assim no que à “nova evangelização” diz respeito, pois em
muitos casos trata-se quase de recomeçar, com “novo ardor, novos
métodos e novas expressões”, como dizia S. João Paulo II.
O
Papa Francisco tem insistido, muito e bem, na necessidade de traduzir
esta “nova evangelização” numa atenção prioritária aos mais
pobres.
Também
eles nos evangelizarão a nós, pois foi com eles que Cristo se
identificou e é neles que nos espera: «A nova evangelização é um
convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas e a
colocá-los no centro do caminho da Igreja» (Evangelii
Gaudium,
198).
A
eficácia do que fazemos e da linguagem que utilizamos depende também
da sua radicação nos diferentes sectores socioculturais.
Basta
reparar na vivacidade dos pronunciamentos provindos de associações
e movimentos do laicado católico, familiares, profissionais ou
juvenis.
Verificou-se,
aliás, a renovação de várias formas associativas e apostólicas,
quase retomando o espírito da antiga Acção Católica, distribuída
pelos diferentes meios socioprofissionais: médicos, enfermeiros,
gestores, professores, juristas…
É
um bom caminho e deve continuar a fazer-se.
A
par disto, saliento a movimentação juvenil que liga bem Evangelho e
missão, como o que acontece em torno da “Missão País” e outras
actividades congéneres, que mobilizam anualmente milhares de
estudantes universitários.
Foi
sobretudo nestes e noutros grupos que nasceu a proposta duma Jornada
Mundial da Juventude, como o Papa Francisco marcou para Lisboa em
2023.
4.
Realizaram-se neste período três Sínodos dos Bispos, dois sobre a
família e um sobre os jovens, que acompanhámos como Conferência
Episcopal, quer na respectiva preparação e recepção, quer pela
presença dos nossos delegados.
Em
relação a estes e outros temas, o Papa Francisco estimula-nos
sempre no sentido duma Igreja em missão, sinodal e co-responsável,
atenta às várias formas de fragilidade humana e social.
É
este o “programa” do seu pontificado, expresso na Evangelii
Gaudium
e em tudo o que se seguiu.
Uma
Igreja “hospital de campanha”, onde todo o sofrimento se acolha e
ajude a curar, como aconteceu em torno de Cristo.
Também
no que diz respeito à família, base e escola da solidariedade.
Na
Amoris
Laetitia,
apresentou-nos o ideal cristão “sobre o amor na família”, que
tem de ser apoiado pela atenção redobrada a todo o seu percurso.
Não esquece os problemas que surgem e atende a cada caso específico,
propondo o possível e não perdendo de vista «novas decisões que
permitam realizar o ideal de forma mais completa» (Amoris
Laetitia,
303).
Neste
como noutros campos, creio que a proposta pastoral do Papa Francisco
se apresenta assim, atendendo misericordiosamente a cada situação,
sem desistir de chegar ao Evangelho totalmente cumprido.
5.
O balanço destes sete anos deve fazer-se em relação à natureza e
às finalidades da CEP.
Esta
define-se como «o agrupamento dos Bispos das Dioceses de Portugal
que, em comunhão com o Santo Padre e sob a sua autoridade, exercem
em conjunto certas funções pastorais em favor dos fiéis do seu
território, a fim de promoverem o maior bem que a Igreja oferece aos
homens, sobretudo por formas e métodos de apostolado
convenientemente ajustados às circunstâncias do tempo e do lugar,
nos termos do direito (cân. 447)» (Estatutos,
art.º 1).
Assim
avançaremos, em prática sinodal e projecção missionária, como o
Papa Francisco sempre e bem requer.
Agradeço
muito toda a colaboração dos colegas Bispos e das respectivas
Comissões, como em especial do Vice-Presidente e demais membros do
Conselho Permanente.
Com
uma palavra muito amiga e grata ao nosso estimado Secretário e
Porta-Voz, cuja competência e prontidão garantiram o que pudemos
realizar.
Agradecimento
extensivo aos outros colaboradores do Secretariado e das Comissões,
sem esquecer a Agência Ecclesia e o seu indispensável contributo.
Ao
Santuário de Fátima e ao apoio e acolhimento que nos presta, a
minha gratidão também.
Fátima,
15 de Junho de 2020
+
Manuel Clemente
Fontes:
Conferência Episcopal Portuguesa; Agência Ecclesia
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