A
Capela Árvore da Vida encontra-se em Braga no Seminário Conciliar
de São Pedro e São Paulo
Em
2011 foi eleito o melhor edifício religioso do mundo pelos leitores
do site
ArchDaily que reivindica o título de mais visitado no domínio da
arquitectura
A
Capela da Árvore da Vida que venceu o prémio ArchDaily 2011 para o edifício religioso com a melhor
arquitectura, encontra-se implantada no átrio do Seminário
Conciliar de São Pedro e São Paulo, no Largo de Santiago, em Braga.
Construída
com 20 toneladas de madeira, num processo de construção marcado
pela simplicidade, sem utilização de pregos ou dobradiças, a
Capela é fruto do trabalho conjunto de seminaristas, professores,
arquitectos, artistas, escultores, ourives, pintores, carpinteiros e
pedreiros.
O
principal responsável pelo projecto, o Sr. Cónego Joaquim Félix,
vice-reitor do Seminário Conciliar de Braga e professor da Faculdade
de Teologia da UCP, referiu em entrevista à Agência Ecclesia (Março
de 2012) que a obra do gabinete Cerejeira Fontes Arquitectos “é
fruto de uma grande equipa”.
Lembrou
alguns dos intervenientes na capela: artistas da Noruega, Alemanha,
Itália e Portugal, como o escultor Manuel Rosa, a pintora Ilda
David, a ceramista Júlia Ramalho, “o ourives que trabalha a prata,
os carpinteiros e os pedreiros”.
“O
projecto nasce de um conhecimento alargado relativamente à
construção contemporânea do espaço religioso da Igreja”, tendo
sido “muito preparado através de leituras de compêndios relativos
aos grandes debates do século XX sobre arquitectura e liturgia”,
observou.
O
professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica salienta
que a obra inaugurada em 2011 “inscreve-se dentro de uma grande
tradição cristã que muitas vezes não é dada nas faculdades de
arquitectura civis”.
O
Cónego Joaquim Félix acredita que “melhores dias se esperam para
a expressão viva do cristianismo nas linguagens contemporâneas, por
mais difíceis que pareçam para alguns”.
Em artigo apresentado na 7.ª Jornada da Pastoral da Cultura (Fátima, 17.6.2011) e publicado no portal do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, o Sr. Cónego Joaquim Félix explicou que a capela Árvore da Vida surgiu da vontade de “aprofundar a coerência entre aquilo que se ensinava e a expressão litúrgica praticada” e que a constituição Sacrosanctum Concilium do Concílio do Vaticano II (1962-1965) sobre a Sagrada Liturgia forneceu “o fundamento teológico para o programa da capela”.
Árvore
da Vida: Capela do Seminário Conciliar de Braga
Do
desconforto ao desafio
Tal
como as plantas, a Árvore da Vida germinou lentamente numa
sensibilidade que se desenvolveu ao longo dos últimos cinco anos.
Como
professor de Liturgia e Sacramentos, no Seminário e na Faculdade de
Teologia, na unidade curricular de Pastoral Litúrgica, sensibilizava
os alunos para, entre outras matérias, cuidar os espaços
litúrgicos.
Consciente
do grande significado da arquitectura religiosa contemporânea, quer
para a expressão da fé que se professa e testemunha, quer para o
diálogo com os artistas e a cultura, apresentava-lhes uma série de
capelas e igrejas de grandes arquitectos estrangeiros e também
portugueses: Gaudi, Rudolf Schwartz, Corbusier, Henry Matisse,
Maurice Novarina, Alvaar Aalto, Rothko, Mario Botta, Constantino
Ruggeri, Giovanni Michelucci, Décio Tozzi, Jonh Pawson, Tadao Ando,
Steven Holl, Peter Zunthor, Richard Meyer, Massimiliano Fuksas, Paolo
Zermani, Renzo Piano, Rafael Moneo, Nuno Teotónio Pereira, Álvaro
Siza, José Fernando Gonçalves, Paulo Providência, Bernardo Pizarro
Miranda, entre outros.
Várias
obras, sobretudo em Portugal e Itália, foram objecto das nossas
visitas de estudo.
A
determinada altura, apercebemo-nos que o maior conhecimento destes
edifícios aumentava o nosso desconforto em relação à qualidade
das capelas do Seminário construídas nos anos 90’ do século
passado.
Decidimos
então aprofundar a coerência entre aquilo que se ensinava e a
expressão litúrgica praticada, com a reorganização espacial da
capela de S. Pedro e S. Paulo, para toda a comunidade, e a construção
de uma nova, no lugar de duas, para o Biénio e o Triénio, a usar de
forma rotativa.
Objectivos
da comunidade Seminário
Em
termos de objectivos, a nova capela, assim pensávamos, haveria de
promover uma sempre mais renovada espiritualidade, a partir da acção
litúrgica propriamente dita, trabalhada na expressão da ars
celebrandi e vivida como a primeira expressão teológica dos
mistérios da Fé.
Além
disso, tendo em conta que o Seminário é escola de sucessivas
gerações de pastores, estamos persuadidos de que os novos
presbíteros, nas comunidades para onde forem enviados, tudo farão
por implementar, salvaguardadas as circunstâncias específicas, a
reforma litúrgica conciliar nos aspectos referidos.
E,
bem assim, hão de valorizar os bens culturais do inestimável
património da Igreja e, eventualmente, patrocinar a produção de
outros, num registo pautado pela qualidade e pelo diálogo com os
artistas.
Tudo
isto em sintonia com o veemente apelo de Bento XVI, que se coloca na
esteira dos esforços do Beato João Paulo II e de Paulo VI.
Assumido
o desafio, entrámos em contacto com os arquitectos e passámos aos
estudos.
Durante
um ano e meio, multiplicaram-se as leituras sobre o tema.
Era
importante ter em conta os principais debates sobre arquitectura
religiosa no século XX, desenvolvidos sobretudo nas áreas
germânica, francófona e italiana, e alargar os conhecimentos em
relação à primeira década do século XXI.
Foi
o que fizemos em constante partilha.
Ideia
matricial do fundamento teológico
Reunida
tão grande quantidade de informação, tornou-se indispensável
adotar uma ideia que servisse de base ao projecto da nova capela.
Foi
uma tarefa difícil, pois fazer opções comporta sempre riscos.
A
teologia litúrgica desenvolvida na Constituição Sacrosanctum
Concilium, do Concílio do Vaticano II, forneceu-nos o fundamento
teológico para o programa da capela: a história da salvação,
centrada no mistério pascal de Jesus.
Assim
lemos no n. 5:
«Deus,
que ‘quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento
da verdade’ (I Tim 2,4), ‘tendo falado outrora muitas vezes e de
muitos modos aos nossos pais pelos profetas’ (Hebr 1,1), quando
chegou a plenitude dos tempos, enviou o Seu Filho, Verbo feito carne,
ungido pelo Espírito Santo, a evangelizar os pobres, curar os
contritos de coração, como médico da carne e do espírito,
mediador entre Deus e os homens.
A
sua humanidade foi, na unidade da pessoa do Verbo, o instrumento da
nossa salvação.
Por
isso, em Cristo ‘se realizou plenamente a nossa reconciliação e
se nos deu a plenitude do culto divino’.
Esta
obra da redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus,
prefigurada pelas suas grandes obras no povo da Antiga Aliança,
realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal da sua
bem-aventurada Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa
Ascensão, em que ‘morrendo destruiu a nossa morte e ressurgindo
restaurou a nossa vida’.
Foi
do lado de Cristo adormecido na cruz que nasceu o sacramento
admirável de toda a Igreja» (SC 5).
Para
traduzir esta ideia matricial, explorámos o relato da criação, do
Livro do Génesis: a capela corresponde ao sétimo dia, consagrado ao
repouso doxológico.
Na
caixa envolvente, em matéria cimentícia de tons e relevos caóticos,
o programa icónico explora, num políptico da pintora Ilda David’,
motivos dos primeiros seis dias.
Na
recapitulação simbólica de todo o tempo, nós encontramo-nos no
espaço dedicado à nossa santificação e à glorificação de Deus,
isto é, no jardim terrestre que, pela tipologia icónica do ambão,
se transforma no jardim do tempo pascal. Somos desta forma convocados
para fazer a trajectória do caos ao cosmos, colocando-nos no mundo
na prossecução da obra criadora de Deus.
Enunciação
dos elementos mais relevantes
A
liturgista Cettina Militello escreve, no seu livro La casa del popolo
di Dio. Modelli ecclesiologici, modelli architettonici, que
«dificilmente um artista, um arquitecto nos dá, além da obra de
arte que produz, uma detalhada interpretação daquilo que o induziu,
passo após passo, a fazer a sua escolha» (p.245).
Sem
pretender entrar em detalhes hermenêuticos, gostaria de enunciar
alguns dos elementos mais significativos da capela, quer da
arquitectura quer do programa icónico.
Simbólica
arquitectónica
-
A biblioteca espiritual, que se encontra sob a capela, no banco do
nártex e no lado nascente, é alicerce duma cultura sapiencial que
cresce na leitura.
-
O eixo oblíquo, de porta a porta nos ângulos, de forma a explorar o
caminho mais longo no interior. Como nos labirintos nas catedrais da
Idade Média ou nos pavimentos cosmatescos nas basílicas e capelas
romanas, o mistério procura-se, mesmo se a passo de dança na
aproximação ao altar.
-
As paredes, com espessura variável entre os 5 e 200 cm, construídas
com luz e matéria, duma transparência e dinamismo pascal.
-
A clareira, nas alturas, que assinala o itinerário entre as árvores
do jardim.
-
A porta de entrada sem portadas, porque aberta pelo Crucificado, como
se lê na carta do Espírito à Igreja de Filadélfia, no livro do
Apocalipse: «Eis que coloquei diante de ti uma porta aberta que
ninguém pode fechar» (Ap 3,8).
-
A pequena câmara num dos ângulos interiores, destinada à Reserva
Eucarística, com um banco só, proporciona o diálogo íntimo e
personalizado com Jesus.
-
O altíssimo canal de luz que ilumina, numa perspectiva zenital, o
nártex.
-
A caixa de luz do andar superior que, desde os corredores suspensos,
garante o necessário diálogo com a cidade.
-
As pedras adoptadas nos degraus, na pia de água benta, no ambão e
no altar, são pedras rejeitadas. Em matéria negra com cristais
brancos, são nódulos que aparecem nas cavas de granito da região
de Amares.
-
Na iluminação vinca-se a apostolicidade da assembleia, com doze
lâmpadas; e a dimensão trinitária do mistério eucarístico, com
três lâmpadas sobre o altar.
Programa
icónico
-
A inspiração bíblica e patrística das pinturas de Ilda David’:
além do já referido político da criação, as miniaturas, que
ladeiam os aros da porta de entrada, com os querubins da espada
flamejante, que Deus colocou na porta do jardim terrestre após a
expulsão de Adão e Eva, para, como se lê em Gn 3,24, «guardar o
caminho da árvore da vida»; e, em grande destaque, o tríptico da
árvore da vida, que acompanhou o Breve Sumário da História de
Deus, peça de teatro de Gil Vicente, levada a palco nos teatros
nacionais S. João no Porto e D. Maria II em Lisboa; tríptico com a
árvore da vida a abrir-se tipologicamente na árvore da Cruz, com
três motivos do mistério pascal, um em cada pintura.
-
O perfil metálico de S. João Maria Vianney, padroeiro dos párocos,
recortado pelo escultor Manuel Rosa, a partir duma escultura, em
mármore branco, que se encontra em Ars.
-
Os grafitos, escavados pelo escultor Asbjörn Andresen, na matéria
cimentícia, com o versículo primeiro do Génesis, na coluna, e uma
seta apontada a Este, na parede do lado da porta estreita, para
indicar que o caminho, por longo que seja, está sempre
escatologicamente orientado para o Sol Nascente, Jesus Cristo.
-
A sombra de uma mão, na coluna do nártex, decalcada pela humidade
da mesma após a conclusão dos grafitos, fixada a lápis de carvão,
como sinal para a humanidade de que alguém se esforçou para
alcançar a beleza deste lugar.
Peças
litúrgicas
-
O ambão, colocado a Sul, inspirado num arquétipo iconográfico
antigo: o túmulo aberto da manhã de Páscoa, cuja grande pedra, com
mais de trezentos quilos, é escabelo dos pés daquele que lê ou
proclama a Palavra da Vida. Como o túmulo de Jesus foi colocado
também num jardim, o espaço recebe um significado novo: faz com que
o jardim pascal se sobreponha ao jardim terrestre. E, assim, melhor
se compreende a ligação entre a antiga e a Nova Aliança. Hoje,
como a Igreja que vive da escuta, sabemos que «quando é lida a
divina Escritura, Deus torna a passear no jardim terrestre» (S.
Ambrósio). Acolhemo-Lo, agora, sem que o rumor dos seus passos
desperte a nossa vergonha. Porque Ele nos anuncia que Cristo vive,
nos pacifica e acompanha.
-
O altar configura-se como um verdadeiro monumento à teologia
eucarística: na vertical, trabalha-se a dimensão sacrificial, com
uma pedra dramática que ostenta uma esquina partida (lado aberto de
Cristo); na horizontal, explora-se a dimensão convivial, a partir do
arquétipo da mesa maceira, em carvalho nacional, com tampo em duas
tábuas e um nó numa delas. Um laço, que entra tanto na pedra
quanto na madeira, sublinha a unidade intrínseca destas duas
dimensões do sacramento da Eucaristia.
-
O sacrário é feito de madeira de freixo, com forma cúbica.
Inspira-se no capítulo X da Didaché, onde, numa belíssima oração
de acção de graças, se pede que o Espírito reúna a Igreja «dos
quatro ventos da terra». A sua abertura faz-se de forma ritualizada,
com a possibilidade de abrir quatro das seis faces. Um rolo de
madeira de oliveira, com aros e copa de prata dourada, conserva
dentro do cubo o Pão Eucarístico.
-
As galhetas e o jarro para o lavabo resultam da obra conjunta da
barrista barcelense, Júlia Ramalho, e do escultor norueguês Asbjörn
Andresen.
-
O cálice, a patena, a custódia e o turíbulo serão de prata, obra
de uma oficina de Braga, a partir de desenhos já entregues pelo
escultor Asbjörn Andresen.
-
O órgão é um positivo com apenas um registo e meio, com tubos em
metal e madeira. O organeiro Pedro Guimarães, de Esmoriz,
encontra-se a construi-lo. A caixa estrutural, sem decoração, é em
carvalho francês. As teclas são forradas a buxo e as escuras em
ébano. Mais árvores para o jardim frondoso.
-
O candelabro pascal e as vestes litúrgicas estão ainda em estudo.
Síntese
final
Se
pretendesse apresentar a capela num simples esboço hermenêutico,
teria de recorrer ao último parágrafo dum capítulo intitulado Di
Kaos e di Kosmos. Ad amica teosofa, do livro Scritti di Estetica e di
Poietica. Su l'arte di qualità liturgica e i beni culturali di
qualità eclesiale, de Crispino Valenziano, meu professor no
Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo, em Roma, com quem fui
dialogando ao longo da realização da capela.
Para
que se entenda, é suficiente dizer que as palavras são de um Bispo
que responde a uma amiga, sobre a fecundidade do caos:
«Interrogaste-me sobre o caos e a sua virtualidade, e eu te
respondi sobre o cosmos e as suas realizações. Penso que a
inter-relação é esta (a que lhe revelou ao longo do capítulo) e
faz a hermenêutica que tu desejas. Por isso, auguro que este meu
conceito te ajude a mostrar a glória divina que neste intricado
bosque estetiza a nossa procura e poetiza a nossa espera.»
A
seta grafitada por Asbjörn Andresen faz-me lembrar um outro
parágrafo de Manuel Zimbro, que destaco do texto intitulado A Sombra
da Flecha, que se encontra no catálogo da Exposição «Além da
Sombra», de Lourdes Castro, realizada no Centro de Arte Moderna
da Fundação Calouste Gulbenkian.
O
texto diz o seguinte: «Num Caminho, seja vereda, ponte ou
destino, o que importa, em primeiro lugar, vem do que por lá passa.
Depois, porque permite ao que passa, passar de um lugar para um
outro. Caminhar, ir mais longe, só é possível graças ao fogo que
anima as mais íntimas disposições».
Sim,
o fogo do Espírito Santo anima as nossas mais íntimas disposições
para, como peregrinos sobre a terra, fazermos o caminho mais longo no
interior, através do jardim pascal, entre o ambão e o altar.
Ambas
as portas abertas também nos convocam para a saída: a mais larga,
para anunciarmos, com ardor missionário, a mais bela notícia aos
irmãos no exercício da caridade; a mais estreita, para
prosseguirmos o caminho em direcção à cidade do Alto, a Jerusalém
celeste, na esperança da criação dos novos céus e da nova terra.
Para
não me alongar mais, gostaria de dizer apenas que esta capela é,
nas palavras do arquitecto Vittorio Gregotti, «uma metáfora de
eternidade».
Para
contemplá-la bem, não podemos cometer duas outras renúncias,
denunciadas por Gregotti a propósito das falhas da arquitectura
contemporânea, a saber: a primeira, «a renúncia ao desenho de
modificação do presente como projecto de confronto crítico com o
contexto»; a segunda, «a renúncia à capacidade de ver
pequeno, com precisão entre as coisas e portanto a necessidade da
regra que funda a excepção não ostentada».
Joaquim
Félix de Carvalho
7.ª
Jornada da Pastoral da Cultura, Fátima, 17.6.2011
SNPC
A
capela pode ser visitada à Sexta-feira, das 17H00 às 18H00.
Fontes:
Agência Ecclesia; Câmara Municipal de Braga; Secretariado Nacional
da Pastoral da Cultura
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