De
hoje a Quinta-feira decorre em Fátima a 186.ª Assembleia Plenária
da Conferência Episcopal Portuguesa.
Acreditamos
que a sociedade só ganha com a apresentação clara das convicções
e opções de pessoas e grupos, num pluralismo de presença e não de
ausência de ideias e testemunhos.
Afirmou
o Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente no discurso de abertura
O
Discurso de Abertura de D. Manuel:
Senhor
Núncio Apostólico,
Senhores
Arcebispos e Bispos e outros membros da Conferência Episcopal
Portuguesa,
estimados
operadores da comunicação social:
1.
É ainda e sempre à luz da Páscoa que vos saúdo vivamente na
abertura da 186.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal
Portuguesa. Fazemo-lo num tempo particularmente exigente para a
Igreja e para a sociedade, quer pelos problemas e temáticas a
encarar, quer pela consciência reforçada que se requer para tal.
Acompanhamos
os sucessivos apelos do Papa Francisco, para que a comunidade
internacional desperte para a gravíssima situação dos cristãos
perseguidos em vários países do mundo – o cristianismo é hoje a
religião mais perseguida em termos globais –, como continua a
acontecer no Próximo Oriente e ainda recentemente aconteceu no
Quénia, citando apenas duas de várias situações flagrantes ou
latentes.
As
Dioceses Portuguesas têm compartilhado esta preocupação, com
oração e ajudas materiais. Assim continuará a suceder, mas é
necessário que a sociedade no seu todo mantenha este ponto na sua
agenda política e humanitária, pois é duma questão básica e
transversal de direitos humanos que realmente se trata.
2.
A Igreja Católica continua empenhada na grande reflexão sobre a
família, os desafios que encontra e as virtualidades que mantém.
Entre a passada assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos e a
ordinária de Outubro próximo, concluiremos nestes dias a reflexão
intermédia que empreendemos sobre o documento preparatório, com
várias instâncias diocesanas e nacionais directamente ligadas à
temática.
Se
tudo reforça o papel das famílias na Igreja e na sociedade, maior é
a exigência que a sua constituição requer, concretamente na
proposta “cristã” sobre o matrimónio, a sua preparação e
acompanhamento. Se a palavra de ordem é a de definir cada comunidade
como “família de famílias”, muitas são as decorrências dessa
definição, em termos de organização pastoral a todos os níveis.
E
tudo isto acontece numa sociedade como a nossa, em que há modos de
encarar a realidade “familiar” que não coincidem com a visão
cristã e católica do matrimónio e da família, exigindo-nos maior
consciência do que somos e queremos ser. Acreditamos que a sociedade
só ganha com a apresentação clara das convicções e opções de
pessoas e grupos, num pluralismo de presença e não de ausência de
ideias e testemunhos.
Não
esquecemos, entretanto, que, mesmo para católicos convictos, nem
sempre é fácil e linear a vivência do matrimónio, não sendo
raras as dificuldades a ultrapassar e mesmo as roturas de difícil
superação. O Sínodo dos Bispos continua atento a tais situações,
na sequência das posições pontifícias já tomadas, que relembram
a indelével condição baptismal dos católicos e o seu lugar na
vida e acção da Igreja, inclusive em casos de rotura matrimonial, e
a necessidade de acompanhamento, mesmo quando constituíram outras
ligações não sacramentais.
3.
Na presente Assembleia, trataremos também doutros temas de relevante
actualidade eclesial. Reflectiremos sobre instituições sociais
católicas que muito prezamos, como sejam os Centros Sociais
Paroquiais e as Misericórdias, com os ajustamentos estatuários
exigidos pela actual legislação civil, mas não esquecendo que se
integram no todo da Igreja Católica em Portugal, a coberto da
Concordata de 2004, entre o Estado Português e a Santa Sé.
Reflectiremos
também sobre a Faculdade de Teologia e o seu funcionamento nos três
polos de Lisboa, Porto e Braga, cujo único programa de estudos
permite incluir incidências particulares em cada um deles, ajustadas
à respectiva sociocultura ou a aspectos temáticos particulares
(teologia moral, mariologia, doutrina social da Igreja, etc.).
Reflexão necessária e urgente, tendo em vista garantir em cada um
dos polos um número consistente de docentes doutorados nas várias
áreas. Reflexão que se liga ao reforço do Pontifício Colégio
Português, que permite a formação de futuros docentes nas várias
Universidades e Institutos romanos.
Estes
e outros pontos nos ocuparão na presente Assembleia. Não
esquecendo, porém, que a sociedade portuguesa entrará em breve num
período de reflexão e decisões políticas que requerem de todos
nós uma particular atenção. Nesta circunstância, creio que o
legítimo pluralismo que assiste aos católicos e aos seus
concidadãos nestas matérias só ganhará em ter em conta alguns
princípios do pensamento social cristão (Doutrina Social da
Igreja), tão incisivamente reapresentados pelo Papa Francisco na sua
exortação “programática” (Exortação apostólica Evangelii
Gaudium, 24 de novembro de 2013).
4.
Na verdade, não será difícil concluir com o Papa sobre a
necessidade de assentarmos nalguma base comum de valores sociais e
humanitários, que nos configurem realmente como “comunidade”, ou
seja, na partilha de finalidades essenciais que só conjuntamente
serão alcançadas. Nisto contrariaremos a tendência individualista
de cada um fazer da sua preferência o único critério e de apenas
esperar que a sociedade a satisfaça. Pois, escreve o Papa Francisco,
«numa cultura onde cada um pretende ser portador duma verdade
subjectiva própria, torna-se difícil que os cidadãos queiram
inserir-se num projecto comum que vai além dos benefícios e desejos
pessoais» (EG, 61).
Uma
sociedade de tantos séculos, como a portuguesa, herdou e mantém
certamente valores e atitudes que a caracterizam no conjunto das
outras sociedades europeias e mundiais. Mas não esqueçamos que tudo
acontece em evolução, com factores novos, que tanto derivam do
desenvolvimento do que já existia como do impacto do que provêm do
exterior, sejam modos de pensar e de agir, sejam compromissos e
dependências. Só pouco a pouco tudo se conglomera em novos
conjuntos socioeconómicos e culturais, e desde que se respeitam
direitos e práticas congruentes, com o concurso responsável de
“cidadãos” que não se dispensam de o serem.
Apliquemos
também à nossa conjuntura a seguinte reflexão do Papa Francisco:
«Em cada nação, os habitantes desenvolvem a dimensão social da
vida, configurando-se como cidadãos responsáveis dentro de um povo,
e não como massa arrastada por forças dominantes. Lembremos que ser
cidadão fiel é uma virtude e a participação na vida política é
uma obrigação moral. Mas tornar-se um povo é algo mais, exigindo
um processo constante no qual cada nova geração está envolvida»
(EG, 230).
Na
grave crise que atingiu sociedades como a nossa no final da década
anterior e que só lentamente se vai superando, grandes foram as
dificuldades sofridas por muitos, sobretudo os mais pobres ou
desapoiados, com gravíssimos problemas por resolver ainda,
especialmente no campo do trabalho e do emprego.
Neste
contexto, é imprescindível que os partidos e candidatos apresentem
propostas concretas e consistentes para a resolução dos problemas
que enfrentamos e se evite trocar causas por casos. Causas
essenciais, como algumas das que merecem especial atenção ao Papa
Francisco e dizem respeito ao bem comum, à vida empresarial criadora
de trabalho e riqueza, à real promoção dos pobres, ou à
salvaguarda dos mais frágeis.
5.
Toda a sociedade vive de e para um “bem comum” que permita a
realização cabal de cada pessoa que a integra. Aumentar qualitativa
e quantitativamente esse bem comum, no conjunto dos seus factores
materiais, culturais e institucionais, é competência de todos e
função prioritária do Estado que politicamente constituímos,
segundo os princípios complementares da subsidiariedade, que
respeita e apoia os corpos intermédios, e da solidariedade, que
nunca esquece o bem geral e salvaguarda os mais fracos. Assim acentua
o Papa: «Embora um pouco desgastada e, por vezes, mal interpretada,
a palavra “solidariedade” significa muito mais do que alguns
actos esporádicos de generosidade; supõe a criação de uma nova
mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida
sobre a apropriação dos bens por parte de alguns» (EG, 188).
Isso
mesmo nos faz entender que a própria propriedade não é um bem
absoluto para ninguém, mas ainda relativo ao bem comum. Por isso, o
que detivermos legitimamente é para pôr a render tendo em vista o
bem de todos, a começar por quem nada tem. Como o Papa Francisco
esclarece: «A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles
e aumentá-los de modo a servirem melhor o bem comum, pelo que a
solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o
que lhe corresponde» (EG, 189).
As
iniciativas empresariais são realidades humanas de primeira ordem,
criadoras de riqueza e não esquecendo o geral benefício. Por isso,
o Papa Francisco não deixa de acentuar que «a vocação de um
empresário é uma nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um
sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o
bem comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste
mundo mais acessíveis a todos» (EG, 203). Não são realidades
meramente financeiras e moralmente arredadas. Bem pelo contrário, as
empresas são activadoras por excelência de progressos repartidos,
só assim realizando humana e socialmente os empresários, os seus
colaboradores e a sociedade em geral.
Esta
imprescindível qualidade humana e humanizante da actividade
económica não pode ser esquecida nem hipotecada a qualquer
apriorismo teórico ou alheamento prático. O Papa é perentório:
«Não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do
mercado. O crescimento equitativo exige algo mais do que o
crescimento económico, embora o pressuponha; requer decisões,
programas e processos especificamente orientados para uma melhor
distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de
trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero
assistencialismo» (EG, 204).
6.
No que à salvaguarda dos mais frágeis respeita, o Papa não esquece
«os nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se
quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que apetece,
tirando-lhes a vida e promovendo legislações, para que ninguém o
possa impedir» (EG, 213). Em Portugal, tal atinge uma grande
quantidade de vidas humanas, cuja gestação é interrompida ao
abrigo duma lei que as não protege.
Em
iniciativa recente, rapidamente se juntaram cinquenta mil assinaturas
de cidadãos, para que a Assembleia da República veja e reveja o que
está e não está a ser feito neste campo. Foi tal o envolvimento
dos subscritores, que algo de novo e positivo acontecerá certamente,
no plano prático e legal. Como escreve o Papa Francisco, «esta
defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de
qualquer direito humano». E explicita: «Supõe a convicção de que
um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação
e em cada etapa do seu desenvolvimento. É fim em si mesmo, e nunca
um meio para resolver outras dificuldades. Se esta convicção cai,
não restam fundamentos sólidos e permanentes para a defesa dos
direitos humanos, que ficam sempre sujeitos às convicções
contingentes dos poderosos de turno» (ibidem).
Como
o Papa não deixa de acrescentar, a defesa da vida em gestação há
de ser prevenida e acompanhada com o apoio concreto às mães
gestantes. Tal deve ser uma prioridade política geral, ultrapassando
o campo confessional estrito, pois se trata da base imprescindível
do direito comum de todos. Especialmente agora, quando uma brusca
queda demográfica põe em causa a própria sobrevivência harmónica
e socialmente garantida da nossa população inteira.
Sobre
estes e outros pontos, relativos à salvaguarda da vida humana em
todas as suas fases, à promoção da vida familiar e à educação
dos filhos, ao trabalho e ao emprego, à saúde e segurança social
para todos, à integração dos imigrantes e ao diálogo
sociocultural inclusivo, se devem pronunciar os que se propõem
servir politicamente o Pais. Os crentes farão igualmente sua a
oração do Papa Francisco: «Rezo ao Senhor, para que nos conceda
mais políticos que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o
povo, a vida dos pobres. É indispensável que os governantes e o
poder financeiro levantem o olhar e alarguem as suas perspectivas,
procurando que haja trabalho digno, instrução e cuidados de saúde
para todos os cidadãos» (EG, 205).
7.
Daqui a dois anos, celebraremos o centenário das aparições de
Nossa Senhora em Fátima. O povo português atravessava grandes
dificuldades em vários campos, agravadas também por uma situação
europeia e mundial negativa, em plena primeira guerra mundial. O que
as três crianças viram e ouviram na Cova da Iria, rapidamente
encheu de esperança muitos corações abatidos, e recriou vida e
vontade de viver. As próximas celebrações serão certamente um
motivo maior de solidariedade e ânimo para nos reconstruirmos agora,
na justiça e na paz.
+
Manuel, cardeal-patriarca, presidente da Conferência Episcopal
Portuguesa
Fátima,
13 de Abril de 2015
Fonte:
Conferência Episcopal Portuguesa
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