No
passado sábado o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente,
fez uma intervenção durante o Sínodo dos Bispos, na qual afirmou a
necessidade de renovar a Igreja “com critério familiar”
Intervenção
de D. Manuel Clemente no Sínodo dos Bispos
O
critério familiar na renovação das comunidades
No
número 53 do Instrumentum Laboris (II Parte, Capítulo II:
Família e vida da Igreja), encontramos um passo fundamental para a
compreensão do que deve ser a família, como base e critério da
nossa vida comunitária em geral.
Aí
se diz que a comunidade cristã não pode resumir-se a uma “agência
de serviços” e deve tornar-se no lugar onde as famílias nascem
sacramentalmente, se encontram e caminham na fé, em entreajuda e
partilha.
Como
sabemos, a crescente concentração de pessoas em grandes espaços
urbanos e a separação dos familiares uns dos outros, para
procurarem trabalho ou por outras razões, alterou profundamente o
antigo quadro rural e localizado onde a vida geralmente decorria, com
grande vinculação familiar.
A
maioria da população mundial vive já em meio urbano e o movimento
crescerá sempre mais, em grandes concentrações, de muitos milhões
de habitantes.
Dificilmente
se reconstruirão solidariedades como as que tivemos anteriormente,
ou as vizinhanças estáveis onde as gerações se sucediam e
reconheciam.
Também
se tornou difícil dar condições materiais e sociais suficientes a
todos os que querem constituir famílias e criar filhos, com a
dimensão que tinham décadas atrás.
Por
outro lado, o individualismo cultural hoje prevalecente não motiva
compromissos duradouros e fecundos, como os familiares.
Se
o número 53 do Instrumentum Laboris nos adverte que a
comunidade cristã não se pode resumir a uma “agência de
serviços”, é porque muitas vezes trazemos para dentro da própria
Igreja as práticas habituais da “sociedade de consumo”, em que o
intercâmbio se faz mais de coisas do que propriamente de relações
pessoais autênticas.
São
recorrentes as queixas de quem não é verdadeiramente acolhido nem
atendido, mesmo quando contacta as instituições da Igreja.
Nem
sempre podemos corresponder ao que nos é pedido, mas nunca podemos
desprezar quem nos pede alguma coisa.
Este
passo do Instrumentum Laboris diz-nos ainda mais.
Diz-nos
que a formação e acompanhamento das famílias cristãs, assim como
a partilha crente e existencial que estas mesmas façam entre si,
devem caracterizar a comunidade cristã no seu todo.
Enunciado
doutro modo, podemos concluir que a renovação das comunidades, no
presente contexto sociocultural, se há de fazer com critério
familiar, tonando-as efectivamente “famílias de famílias”.
Sabemos
que isto mesmo vai acontecendo, quando a preparação para o
matrimónio começa cedo, na família e na catequese da infância e
da adolescência, com o envolvimento directo dos pais, bem como nos
grupos juvenis orientados por casais jovens; quando as famílias são
espiritualmente acompanhadas na comunidade e em grupos de casais;
quando os serviços comunitários de cada um têm em conta os seus
laços familiares; quando famílias inteiras praticam voluntariado ou
missões temporárias e a comunidade as acompanha na oração e na
partilha de notícias.
Neste
caminho devemos prosseguir, rumo à «conversão pastoral e
missionária» das comunidades, que o Papa Francisco apresentou como
programa para toda a Igreja (cf. Evangelii Gaudium, 25).
Por
seu lado, as comunidades cristãs, renovadas com critério familiar,
devem ser “proféticas” para uma sociedade que se renovará
também assim, valorizando a respectiva base familiar e
inter-familiar.
Incorporando
certamente as possibilidades tecnológicas e mediáticas hoje
disponíveis, mas não se deixando desvirtuar por elas.
Retomaremos
a verdade cristã das origens, como o Novo Testamento nos revela.
De
Belém ao Egipto e do Egipto a Nazaré, os primeiros trinta anos da
vida de Jesus acontecem em contexto familiar, com as vicissitudes de
tantas outras famílias de qualquer tempo e lugar.
Quando
sai de Nazaré, não constitui uma família de sangue, mas sublima e
alarga a todos os sentimentos familiares que vivera como filho e
parente: para constituir a família dos filhos de Deus que, por isso
mesmo, são universalmente irmãos.
Na
primeira evangelização, os Actos dos Apóstolos referem muitas
vezes a importância de casais e famílias na vida da Igreja, como é
o caso de Áquila e Priscila, em Corinto e Éfeso, ou daqueles que
Paulo lembra nas saudações das suas cartas.
E
também na transmissão da fé, o mesmo Paulo não se esquece de
lembrar a Timóteo o papel que tinham tido a sua mãe e a sua avó.
Face
aos grandes desafios que hoje enfrentamos, em termos de sociedade e
evangelização, importa encontrar a base firme para a resposta
cristã.
Encontramo-la
na família e devemos oferecê-la no testemunho fecundo das famílias
cristãs.
Roma,
Sínodo dos Bispos, Outubro de 2015
+
Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa
Fonte:
Patriarcado de Lisboa
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