O
Papa Francisco decidiu, em Agosto de 2015, instituir também na
Igreja Católica o "Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da
Criação" a ser celebrado a 1 de Setembro – como já ocorre
há tempos na Igreja Ortodoxa
MENSAGEM
DE SUA SANTIDADE PAPA FRANCISCO PARA A CELEBRAÇÃO
DO
DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELO CUIDADO DA CRIAÇÃO
1
DE SETEMBRO DE 2016
Usemos
de misericórdia para com a nossa casa comum
Em
união com os irmãos e irmãs ortodoxos e com a adesão de outras
Igrejas e Comunidades cristãs, a Igreja Católica celebra hoje o
«Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação».
A
ocorrência tem como objectivo oferecer «a cada fiel e às
comunidades a preciosa oportunidade para renovar a adesão pessoal à
sua vocação de guardiões da criação, elevando a Deus o
agradecimento pela obra maravilhosa que Ele confiou ao nosso cuidado,
invocando a sua ajuda para a protecção da criação e a sua
misericórdia pelos pecados cometidos contra o mundo em que
vivemos».[1]
É
muito encorajador que a preocupação com o futuro do nosso planeta
seja partilhada pelas Igrejas e comunidades cristãs em conjunto com
outras religiões.
De
facto, nos últimos anos, foram empreendidas muitas iniciativas por
autoridades religiosas e organizações para sensibilizar mais a
opinião pública sobre os perigos da exploração irresponsável do
planeta.
Quero
aqui mencionar o Patriarca Bartolomeu e o seu antecessor Dimitrios,
que durante muitos anos não cessaram de se pronunciar contra o
pecado de causar danos à criação, chamando a atenção para a
crise moral e espiritual que está na base dos problemas ambientais e
da degradação.
Em
resposta à crescente solicitude pela integridade da criação, a III
Assembleia Ecuménica Europeia (Sibiu, 2007) propunha que se
celebrasse um «Tempo em prol da Criação» com a duração de cinco
semanas entre o dia 1 de Setembro (memória ortodoxa da criação
divina) e 4 de Outubro (memória de Francisco de Assis, na Igreja
Católica e noutras tradições ocidentais).
A
partir de então aquela iniciativa, com o apoio do Conselho Mundial
das Igrejas, inspirou muitas actividades ecuménicas em várias
partes do mundo.
Deve
ser também motivo de alegria o facto de em todo o mundo iniciativas
semelhantes, que promovem a justiça ambiental, a solicitude pelos
pobres e o serviço responsável à sociedade, terem feito encontrar
pessoas, sobretudo jovens, de diferentes contextos religiosos.
Cristão
ou não, pessoas de fé e de boa vontade, devemos estar unidos
manifestando misericórdia para com a nossa casa comum – a terra –
e valorizar plenamente o mundo em que vivemos como lugar de partilha
e comunhão.
1.
A terra clama...
Com
esta Mensagem, renovo o diálogo com «cada pessoa que habita neste
planeta» sobre os sofrimentos que afligem os pobres e a devastação
do meio ambiente.
Deus
deu-nos de presente um exuberante jardim, mas estamos a transformá-lo
numa poluída vastidão de «ruínas, desertos e lixo».[2]
Não
podemos render-nos ou ficar indiferentes perante a perda da
biodiversidade e a destruição dos ecossistemas, muitas vezes
provocadas pelos nossos comportamentos irresponsáveis e egoístas.
«Por
nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com
a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria
mensagem. Não temos direito de o fazer».[3]
O
planeta continua a aquecer, em parte devido à actividade humana: o
ano de 2015 foi o ano mais quente de que há registo e,
provavelmente, o ano de 2016 sê-lo-á ainda mais.
Isto
provoca secura, inundações, incêndios e acontecimentos
meteorológicos extremos cada vez mais graves.
As
mudanças climáticas contribuem também para a dolorosa crise dos
migrantes forçados.
Os
pobres do mundo, embora sejam os menos responsáveis pelas mudanças
climáticas, são os mais vulneráveis e já sofrem os seus efeitos.
Como
salienta a ecologia integral, os seres humanos estão profundamente
ligados entre si e à criação na sua totalidade.
Quando
maltratamos a natureza, maltratamos também os seres humanos. Ao
mesmo tempo, cada criatura tem o seu próprio valor intrínseco que
deve ser respeitado.
Escutemos
«tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres»[4] e procuremos
atentamente ver como se pode garantir uma resposta adequada e célere.
2.
...porque pecamos
Deus
deu-nos a terra para a cultivar e guardar (cf. Gn 2, 15) com respeito
e equilíbrio.
Cultivá-la
«demasiado» – isto é, explorando-a de maneira míope e egoísta
– e guardá-la pouco, é pecado.
Com
coragem, o amado Patriarca Ecuménico Bartolomeu tem, repetida e
profeticamente, posto em evidência os nossos pecados contra a
criação: «Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na
criação de Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade
da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra
das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas húmidas;
quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar... tudo
isso é pecado».
Porque
«um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um
pecado contra Deus».[5]
Em
face do que está a acontecer à nossa casa, possa o Jubileu da
Misericórdia chamar os fiéis cristãos «a uma profunda conversão
interior»,[6] sustentada de modo particular pelo sacramento da
Penitência.
Neste
Ano Jubilar, aprendamos a procurar a misericórdia de Deus para os
pecados contra a criação que até agora não soubemos reconhecer
nem confessar; e comprometamo-nos a dar passos concretos no caminho
da conversão ecológica, que exige uma clara tomada de consciência
da responsabilidade que temos para connosco, o próximo, a criação
e o Criador.[7]
3.
Exame de consciência e arrependimento
O
primeiro passo neste caminho é sempre um exame de consciência, que
«implica gratidão e gratuitidade, ou seja, um reconhecimento do
mundo como dom recebido do amor do Pai, que consequentemente provoca
disposições gratuitas de renúncia e gestos generosos (…).
Implica
ainda a consciência amorosa de não estar separado das outras
criaturas, mas de formar com os outros seres do universo uma
estupenda comunhão universal.
O
crente contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas
dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os
seres».[8]
A
este Pai, cheio de misericórdia e bondade, que aguarda o regresso de
cada um dos seus filhos, podemos dirigir-nos reconhecendo os nossos
pecados para com a criação, os pobres e as gerações futuras.
«Todos
nós, na medida em que causamos pequenos danos ecológicos», somos
chamados a reconhecer «a nossa contribuição – pequena ou grande
– para a desfiguração e destruição do ambiente».[9]
Este
é o primeiro passo no caminho da conversão.
Em
2000, também ele um Ano Jubilar, o meu predecessor São João Paulo
II convidou os católicos a arrepender-se da intolerância religiosa
passada e presente, bem como das injustiças cometidas contra os
judeus, as mulheres, os povos indígenas, os imigrantes, os pobres e
os nascituros.
Neste
Jubileu Extraordinário da Misericórdia, convido cada um a fazer
algo parecido.
Como
indivíduos, acostumados a estilos de vida induzidos quer por uma
cultura equivocada do bem-estar quer por um «desejo desordenado de
consumir mais do que realmente se tem necessidade»,[10] e como
participantes dum sistema que «impôs a lógica do lucro a todo o
custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da
natureza»,[11] arrependamo-nos do mal que estamos a fazer à nossa
casa comum.
Depois
dum sério exame de consciência e habitados por tal arrependimento,
podemos confessar os nossos pecados contra o Criador, contra a
criação, contra os nossos irmãos e irmãs.
«O
Catecismo da Igreja Católica apresenta-nos o confessionário como um
lugar onde a verdade nos torna livres para um encontro».[12]
Sabemos
que «Deus é maior do que o nosso pecado»,[13] do que todos os
pecados, incluindo os pecados contra a criação.
Confessamo-los,
porque estamos arrependidos e queremos mudar.
E
a graça misericordiosa de Deus, que recebemos no sacramento,
ajudar-nos-á a fazê-lo.
4.
Mudar de rumo
O
exame de consciência, o arrependimento e a confissão ao Pai, rico
em misericórdia, levam-nos a um propósito firme de mudar de vida.
Isto
deve traduzir-se em atitudes e comportamento concretos mais
respeitadores da criação, como, por exemplo, fazer uma utilização
judiciosa do plástico e do papel, não desperdiçar água, comida e
electricidade, diferenciar o lixo, tratar com desvelo os outros seres
vivos, usar os transportes públicos e partilhar o mesmo veículo com
várias pessoas, etc.[14]
Não
devemos pensar que estes esforços sejam demasiado pequenos para
melhorar o mundo.
Tais
acções «provocam, no seio desta terra, um bem que sempre tende a
difundir-se, por vezes invisivelmente»,[15] e incentivam «um estilo
de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria
sem estar obcecado pelo consumo».[16]
De
igual modo, o propósito de mudar de vida deve permear a maneira como
estamos a contribuir para a construção da cultura e da sociedade a
que pertencemos: de facto, «o cuidado da natureza faz parte dum
estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e de
comunhão».[17]
A
economia e a política, a sociedade e a cultura não podem ser
dominadas por uma mentalidade de curto prazo nem pela busca de
imediato benefício financeiro ou eleitoral.
Pelo
contrário, aquelas devem ser urgentemente reorientadas para o bem
comum, que inclui a sustentabilidade e o cuidado da criação.
Um
caso concreto é o da «dívida ecológica» entre o Norte e o Sul do
mundo.[18]
A
sua restituição exigiria cuidar do meio ambiente dos países mais
pobres, fornecendo-lhes recursos financeiros e assistência técnica
que os ajudem a gerir as consequências das mudanças climáticas e
promover o desenvolvimento sustentável.
A
protecção da casa comum requer um consenso político crescente.
Neste sentido, é motivo de satisfação o facto de que, em Setembro
de 2015, as nações da terra adoptaram os Objectivos de
Desenvolvimento Sustentável e, em Dezembro de 2015, aprovaram o
Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, que se propõe o
difícil mas fundamental objectivo de conter a subida da temperatura
global.
Agora,
os governos têm o dever de respeitar os compromissos que assumiram,
enquanto as empresas devem responsavelmente cumprir a sua parte, e
cabe aos cidadãos exigir que isto aconteça e também se aponte para
objetivos cada vez mais ambiciosos.
Assim,
mudar de rumo consiste em «respeitar escrupulosamente o mandamento
primordial de preservar a criação de todo o mal, tanto para o nosso
bem como para o bem de outros seres humanos».[19]
Há
uma pergunta que nos pode ajudar a não perder de vista este
objectivo:
«Que
tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças
que estão a crescer?»[20]
5.
Uma nova obra de misericórdia
«Nada
une mais a Deus do que um ato de misericórdia (…), quer se trate
da misericórdia com que o Senhor nos perdoa os nossos pecados, quer
se trate da graça que nos dá para praticarmos as obras de
misericórdia em seu nome».[21]
Parafraseando
São Tiago, «a misericórdia sem as obras está morta em si mesma.
(...) Devido às mudanças no nosso mundo globalizado, algumas
pobrezas materiais e espirituais têm-se multiplicado: demos pois
espaço à criatividade da caridade para identificar novas
modalidades operativas. Desta forma, o caminho da misericórdia
tornar-se-á sempre mais concreto».[22]
A
vida cristã inclui a prática das tradicionais obras de misericórdia
corporais e espirituais.[23]
«Estamos
habituados a pensar nas obras de misericórdia uma a uma e enquanto
ligadas a uma obra: hospitais para os doentes, sopa dos pobres para
os famintos, abrigos para os que vivem pela estrada, escolas para
quem precisa de instrução, o confessionário e a direcção
espiritual para quem necessita de conselho e perdão…
Mas,
se as olharmos em conjunto, a mensagem que daí resulta é que a
misericórdia tem por objecto a própria vida humana na sua
totalidade».[24]
Obviamente,
a «vida humana na sua totalidade» inclui o cuidado da casa comum.
Por
isso, tomo a liberdade de propor um complemento aos dois elencos de
sete obras de misericórdia, acrescentando a cada um o cuidado da
casa comum.
Como
obra de misericórdia espiritual, o cuidado da casa comum requer «a
grata contemplação do mundo»,[25] que «nos permite descobrir
qualquer ensinamento que Deus nos quer transmitir através de cada
coisa».[26]
Como
obra de misericórdia corporal, o cuidado da casa comum requer
aqueles «simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica
da violência, da exploração, do egoísmo» e se manifesta o amor
«em todas as acções que procuram construir um mundo melhor».[27]
6.
Para concluir, rezemos
Apesar
dos nossos pecados e os desafios tremendos que temos pela frente,
nunca percamos a esperança: «O Criador não nos abandona, nunca
recua no seu projecto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado
(…), porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor
sempre nos leva a encontrar novos caminhos».[28]
No
dia 1 de Setembro em particular, e depois no resto do ano, rezemos:
«Ó
Deus dos pobres,
ajudai-nos
a resgatar os abandonados
e
esquecidos desta terra
que
valem tanto aos vossos olhos (…).
Ó
Deus de amor, mostrai-nos o nosso lugar neste mundo como instrumentos
do vosso carinho por todos os seres desta terra».[29]
Ó
Deus de misericórdia, concedei-nos a graça de receber o vosso
perdão
e
transmitir a vossa misericórdia em toda a nossa casa comum.
Louvado
sejais.
Ámen.
Francisco
[1]
Francisco, Carta para a instituição do «Dia Mundial de Oração
pelo Cuidado da Criação» (6 de Agosto de 2015).
[2]
Idem, Carta enc. Laudato si’, 3; 161.
[3]
Ibid., 33.
[4]
Ibid., 49.
[5]
Discurso em Santa Bárbara, Califórnia (8 de Novembro de 1997).
[6]
Francisco, Carta enc. Laudato si’, 217.
[7]
Cf. ibid., 10; 229.
[8]
Ibid., 220.
[9]
Bartolomeu I, Mensagem para o Dia de Oração pela Salvaguarda da
Criação (1 de Setembro de 2012).
[10]
Francisco, Carta enc. Laudato si’, 123.
[11]
Idem, Discurso, II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa
Cruz de la Sierra (Bolívia), 9 de Julho de 2015.
[12]
Idem, Terceira Meditação, Exercícios Espirituais por ocasião do
Jubileu dos Sacerdotes, Basílica de São Paulo Extra-Muros, 2 de
Junho de 2016.
[13]
Idem, Audiência, 30 de Março de 2016.
[14]
Cf. Idem, Carta enc. Laudato si’, 211.
[15]
Ibid., 212.
[16]
Ibid., 222.
[17]
Ibid., 228.
[18]
Cf. ibid., 51-52.
[19]
Bartolomeu I, Mensagem para o Dia de Oração pela Salvaguarda da
Criação (1 de Setembro de 1997).
[20]
Francisco, Carta enc. Laudato si’, 160.
[21]
Idem, Primeira Meditação, Exercícios Espirituais por ocasião do
Jubileu dos Sacerdotes, Basílica de São João de Latrão, 2 de
Junho de 2016.
[22]Idem,
Audiência, 30 de Junho de 2016.
[23]
As corporais são: dar de comer aos famintos, dar de beber aos
sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos
enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. As espirituais são:
aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os
pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com
paciência as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e defuntos.
[24]
Francisco, Terceira Meditação, Exercícios Espirituais por ocasião
do Jubileu dos Sacerdotes, Basílica de São Paulo Extra-Muros, 2 de
Junho de 2016.
[25]
Idem, Carta enc. Laudato si’, 214.
[26]
Ibid., 85.
[27]
Ibid., 230; 231.
[28]
Ibid., 13; 245.
[29]
Ibid., 246.
Fonte:
Santa Sé
Já passou um ano....
ResponderEliminarE nós que fizemos pela Casa Comum?
A Criação foi nos dada por Deus...e emprestada pelos nossos filhos. Por isso, cuidemos bem dela.
Bem haja por não deixar que adormeça nossa consciência. Obrigada pelo teu trabalho.