Chegou
o momento de abandonar a ideia de uma Europa temerosa e fechada sobre
si mesma para suscitar e promover a Europa protagonista, portadora de
ciência, de arte, de música, de valores humanos e também de fé. A
Europa que contempla o céu e persegue ideais; a Europa que assiste,
defende e tutela o homem; a Europa que caminha na terra segura e
firme, precioso ponto de referência para toda a humanidade!
Foi
desta forma que o Santo Padre terminou o discurso que hoje dirigiu,
em Estrasburgo, ao Parlamento Europeu.
Senhor
Presidente, Senhoras e Senhores Vice-Presidentes,
Ilustres
Eurodeputados,
Pessoas
que a vário título trabalhais neste hemiciclo,
Queridos
amigos!
Agradeço-vos
o convite para falar perante esta instituição fundamental da vida
da União Europeia e a oportunidade que me proporcionais de me
dirigir, por vosso intermédio, a mais de quinhentos milhões de
cidadãos por vós representados nos vinte e oito Estados membros.
Desejo exprimir a minha gratidão de modo particular a Vossa
Excelência, Senhor Presidente do Parlamento, pelas cordiais palavras
de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos os componentes da
Assembleia.
A
minha visita tem lugar passado mais de um quarto de século da
realizada pelo Papa João Paulo II. Desde aqueles dias, muita coisa
mudou na Europa e no mundo inteiro. Já não existem os blocos
contrapostos que, então, dividiam em dois o Continente e,
lentamente, está a realizar-se o desejo de que «a Europa, ao
dotar-se soberanamente de instituições livres, possa um dia
desenvolver-se em dimensões que lhe foram dadas pela geografia e,
mais ainda, pela história».
A
par duma União Europeia mais ampla, há também um mundo mais
complexo e em intensa movimentação: um mundo cada vez mais
interligado e global e, consequentemente, sempre menos
«eurocêntrico». A uma União mais alargada, mais influente, parece
contrapor-se a imagem duma Europa um pouco envelhecida e empachada,
que tende a sentir-se menos protagonista num contexto que
frequentemente a olha com indiferença, desconfiança e, por vezes,
com suspeita.
Hoje,
falando-vos a partir da minha vocação de pastor, desejo dirigir a
todos os cidadãos europeus uma mensagem de esperança e
encorajamento.
Uma
mensagem de esperança assente na confiança de que as dificuldades
podem revelar-se, fortemente, promotoras de unidade, para vencer
todos os medos que a Europa – juntamente com o mundo inteiro –
está a atravessar. Esperança no Senhor que transforma o mal em bem
e a morte em vida.
Encorajamento
a voltar à firme convicção dos Pais fundadores da União Europeia,
que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos
para superar as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos
os povos do Continente. No centro deste ambicioso projecto político,
estava a confiança no homem, não tanto como cidadão ou como
sujeito económico, mas no homem como pessoa dotada de uma dignidade
transcendente.
Sinto
obrigação, antes de mais nada, de sublinhar a ligação estreita
que existe entre estas duas palavras: «dignidade» e
«transcendente».
«Dignidade»
é uma palavra-chave que caracterizou a recuperação após a Segunda
Guerra Mundial. A nossa história recente caracteriza-se pela
inegável centralidade da promoção da dignidade humana contra as
múltiplas violências e discriminações que não faltaram, ao longo
dos séculos, nem mesmo na Europa. A percepção da importância dos
direitos humanos nasce precisamente como resultado de um longo
caminho, feito também de muitos sofrimentos e sacrifícios, que
contribuiu para formar a consciência da preciosidade, unicidade e
irrepetibilidade de cada pessoa humana. Esta tomada de consciência
cultural tem o seu fundamento não só nos acontecimentos da
história, mas sobretudo no pensamento europeu, caracterizado por um
rico encontro cujas numerosas e distantes fontes provêm «da Grécia
e de Roma, de substratos celtas, germânicos e eslavos, e do
cristianismo que os plasmou profundamente», dando origem
precisamente ao conceito de «pessoa».
Hoje,
a promoção dos direitos humanos ocupa um papel central no empenho
da União Europeia que visa promover a dignidade da pessoa, tanto no
âmbito interno como nas relações com os outros países. Trata-se
de um compromisso importante e admirável, porque persistem ainda
muitas situações onde os seres humanos são tratados como objectos,
dos quais se pode programar a concepção, a configuração e a
utilidade, podendo depois ser jogados fora quando já não servem
porque se tornaram frágeis, doentes ou velhos.
Realmente
que dignidade existe quando falta a possibilidade de exprimir
livremente o pensamento próprio ou professar sem coerção a própria
fé religiosa? Que dignidade é possível sem um quadro jurídico
claro, que limite o domínio da força e faça prevalecer a lei sobre
a tirania do poder? Que dignidade poderá ter um homem ou uma mulher
tornados objecto de todo o género de discriminação? Que dignidade
poderá encontrar uma pessoa que não tem o alimento ou o mínimo
essencial para viver e, pior ainda, que não tem o trabalho que o
unge de dignidade?
Promover
a dignidade da pessoa significa reconhecer que ela possui direitos
inalienáveis, de que não pode ser privada por arbítrio de ninguém
e, muito menos, para benefício de interesses económicos.
É
preciso, porém, ter cuidado para não cair em alguns equívocos que
podem surgir de um errado conceito de direitos humanos e de um abuso
paradoxal dos mesmos. De facto, há hoje a tendência para uma
reivindicação crescente de direitos individuais – sinto-me
tentado a dizer individualistas –, que esconde uma concepção de
pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico,
quase como uma «mónada» (μονάς) cada vez mais
insensível às outras «mónadas» ao seu redor. Ao conceito de
direito já não se associa o conceito igualmente essencial e
complementar de dever, acabando por afirmar-se os direitos do
indivíduo sem ter em conta que cada ser humano está unido a um
contexto social, onde os seus direitos e deveres estão ligados aos
dos outros e ao bem comum da própria sociedade.
Por
isso, considero que seja mais vital hoje do que nunca aprofundar uma
cultura dos direitos humanos que possa sapientemente ligar a dimensão
individual, ou melhor pessoal, à do bem comum, àquele «nós-todos»
formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem
em comunidade social. Na realidade, se o direito de cada um não está
harmoniosamente ordenado para o bem maior, acaba por conceber-se sem
limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte de conflitos e
violências.
Assim,
falar da dignidade transcendente do homem significa apelar
para a sua natureza, a sua capacidade inata de distinguir o bem do
mal, para aquela «bússola» inscrita nos nossos corações e que
Deus imprimiu no universo criado; sobretudo significa olhar para o
homem, não como um absoluto, mas como um ser relacional. Uma das
doenças que, hoje, vejo mais difusa na Europa é a solidão, típica
de quem está privado de vínculos. Vemo-la particularmente nos
idosos, muitas vezes abandonados à sua sorte, bem como nos jovens
privados de pontos de referência e de oportunidades para o futuro;
vemo-la nos numerosos pobres que povoam as nossas cidades; vemo-la no
olhar perdido dos imigrantes que vieram para cá à procura de um
futuro melhor.
Uma
tal solidão foi, depois, agravada pela crise económica, cujos
efeitos persistem ainda com consequências dramáticas do ponto de
vista social. Pode-se também constatar que, no decurso dos últimos
anos, a par do processo de alargamento da União Europeia, tem vindo
a crescer a desconfiança dos cidadãos relativamente às
instituições consideradas distantes, ocupadas a estabelecer regras
vistas como distantes da sensibilidade dos diversos povos, se não
mesmo prejudiciais. De vários lados se colhe uma impressão geral de
cansaço, de envelhecimento, de uma Europa avó que já não é
fecunda nem vivaz. Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa
pareçam ter perdido a sua força de atracção, em favor do
tecnicismo burocrático das suas instituições.
A
isto vêm juntar-se alguns estilos de vida um pouco egoístas,
caracterizados por uma opulência actualmente insustentável e muitas
vezes indiferente ao mundo circundante, sobretudo dos mais pobres. No
centro do debate político, constata-se lamentavelmente a
preponderância das questões técnicas e económicas em detrimento
de uma autêntica orientação antropológica. O ser humano corre o
risco de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata
como se fosse um bem de consumo a ser utilizado, de modo que a vida –
como vemos, infelizmente, com muita frequência –, quando deixa de
ser funcional para esse mecanismo, é descartada sem muitas delongas,
como no caso dos doentes, dos doentes terminais, dos idosos
abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer.
É
o grande equívoco que se verifica «quando prevalece a absolutização
da técnica», acabando por gerar «uma confusão entre fins e
meios», que é o resultado inevitável da «cultura do descarte»
e do «consumismo exacerbado». Pelo contrário, afirmar a
dignidade da pessoa significa reconhecer a preciosidade da vida
humana, que nos é dada gratuitamente não podendo, por conseguinte,
ser objecto de troca ou de comércio. Na vossa vocação de
parlamentares, sois chamados também a uma grande missão, ainda que
possa parecer não lucrativa: cuidar da fragilidade, da fragilidade
dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e
ternura, luta e fecundidade no meio dum modelo funcionalista e
individualista que conduz inexoravelmente à «cultura do descarte».
Cuidar da fragilidade das pessoas e dos povos significa guardar a
memória e a esperança; significa assumir o presente na sua situação
mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade.
Mas,
então, como fazer para se devolver esperança ao futuro, de modo
que, a partir das jovens gerações, se reencontre a confiança para
perseguir o grande ideal de uma Europa unida e em paz, criativa e
empreendedora, respeitadora dos direitos e consciente dos próprios
deveres?
Para
responder a esta pergunta, permiti-me lançar mão de uma imagem. Um
dos mais famosos afrescos de Rafael que se encontram no Vaticano
representa a chamada Escola de Atenas. No centro, estão
Platão e Aristóteles. O primeiro com o dedo apontando para o alto,
para o mundo das ideias, poderíamos dizer para o céu; o segundo
estende a mão para a frente, para o espectador, para a terra, a
realidade concreta. Parece-me uma imagem que descreve bem a Europa e
a sua história, feita de encontro permanente entre céu e terra,
onde o céu indica a abertura ao transcendente, a Deus, que desde
sempre caracterizou o homem europeu, e a terra representa a sua
capacidade prática e concreta de enfrentar as situações e os
problemas.
O
futuro da Europa depende da redescoberta do nexo vital e inseparável
entre estes dois elementos. Uma Europa que já não seja capaz de se
abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente
corre o risco de perder a sua própria alma e também aquele
«espírito humanista» que naturalmente ama e defende.
É
precisamente a partir da necessidade de uma abertura ao transcendente
que pretendo afirmar a centralidade da pessoa humana; caso contrário,
fica à mercê das modas e dos poderes do momento. Neste sentido,
considero fundamental não apenas o património que o cristianismo
deixou no passado para a formação sociocultural do Continente, mas
também e sobretudo a contribuição que pretende dar hoje e no
futuro para o seu crescimento. Esta contribuição não constitui um
perigo para a laicidade dos Estados e para a independência das
instituições da União, mas um enriquecimento. Assim no-lo indicam
os ideais que a formaram desde o início, tais como a paz, a
subsidiariedade e a solidariedade mútua, um humanismo centrado no
respeito pela dignidade da pessoa.
Por
isso, desejo renovar a disponibilidade da Santa Sé e da Igreja
Católica, através da Comissão das Conferências Episcopais da
Europa (COMECE), a manter um diálogo profícuo, aberto e
transparente com as instituições da União Europeia. De igual modo,
estou convencido de que uma Europa que seja capaz de conservar as
suas raízes religiosas, sabendo apreender a sua riqueza e
potencialidades, pode mais facilmente também permanecer imune a
tantos extremismos que campeiam no mundo actual – o que se fica a
dever também ao grande vazio de ideais a que assistimos no chamado
Ocidente –, pois «o que gera a violência não é a glorificação
de Deus, mas o seu esquecimento».
Não
podemos deixar de recordar aqui as numerosas injustiças e
perseguições que se abatem diariamente sobre as minorias
religiosas, especialmente cristãs, em várias partes do mundo.
Comunidades e pessoas estão a ser objecto de bárbaras violências:
expulsas de suas casas e pátrias; vendidas como escravas; mortas,
decapitadas, crucificadas e queimadas vivas, sob o silêncio
vergonhoso e cúmplice de muitos.
O
lema da União Europeia é Unidade na diversidade, mas a
unidade não significa uniformidade política, económica, cultural
ou de pensamento. Na realidade, toda a unidade autêntica vive da
riqueza das diversidades que a compõem: como uma família, que é
tanto mais unida quanto mais cada um dos seus componentes pode ser
ele próprio profundamente e sem medo. Neste sentido, considero que a
Europa seja uma família de povos, os quais poderão sentir próximas
as instituições da União se estas souberem conjugar sapientemente
o ideal da unidade, por que se anseia, com a diversidade própria de
cada um, valorizando as tradições individuais; tomando consciência
da sua história e das suas raízes; libertando-se de tantas
manipulações e fobias. Colocar no centro a pessoa humana significa,
antes de mais nada, deixar que a mesma exprima livremente o próprio
rosto e a própria criatividade tanto de indivíduo como de povo.
Por
outro lado, as peculiaridades de cada um constituem uma autêntica
riqueza na medida em que são colocadas ao serviço de todos. É
preciso ter sempre em mente a arquitectura própria da União
Europeia, assente sobre os princípios de solidariedade e
subsidiariedade, de tal modo que prevaleça a ajuda recíproca e seja
possível caminhar animados por mútua confiança.
Nesta
dinâmica de unidade-particularidade, coloca-se também diante de
vós, Senhores e Senhoras Eurodeputados, a exigência de cuidardes de
manter viva a democracia, a democracia dos povos da Europa. Não
escapa a ninguém que uma concepção homologante da globalidade
afecta a vitalidade do sistema democrático, depauperando do que tem
de fecundo e construtivo o rico contraste das organizações e dos
partidos políticos entre si. Deste modo, corre-se o risco de viver
no reino da ideia, da mera palavra, da imagem, do sofisma... acabando
por confundir a realidade da democracia com um novo nominalismo
político. Manter viva a democracia na Europa exige que se evitem
muitas «maneiras globalizantes» de diluir a realidade: os purismos
angélicos, os totalitarismos do relativo, os fundamentalismos
a-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem
sabedoria.
Manter
viva a realidade das democracias é um desafio deste momento
histórico, evitando que a sua força real – força política
expressiva dos povos – seja removida face à pressão de interesses
multinacionais não universais, que as enfraquecem e transformam em
sistemas uniformizadores de poder financeiro ao serviço de impérios
desconhecidos. Este é um desafio que hoje vos coloca a história.
Dar
esperança à Europa não significa apenas reconhecer a centralidade
da pessoa humana, mas implica também promover os seus dotes.
Trata-se, portanto, de investir nela e nos âmbitos onde os seus
talentos são formados e dão fruto. O primeiro âmbito é
seguramente o da educação, a começar pela família, célula
fundamental e elemento precioso de toda a sociedade. A família
unida, fecunda e indissolúvel traz consigo os elementos fundamentais
para dar esperança ao futuro. Sem uma tal solidez, acaba-se por
construir sobre a areia, com graves consequências sociais. Aliás,
sublinhar a importância da família não só ajuda a dar
perspectivas e esperança às novas gerações, mas também a muitos
idosos, frequentemente constrangidos a viver em condições de
solidão e abandono, porque já não há o calor dum lar doméstico
capaz de os acompanhar e apoiar.
Ao
lado da família, temos as instituições educativas: escolas e
universidades. A educação não se pode limitar a fornecer um
conjunto de conhecimentos técnicos, mas deve favorecer o processo
mais complexo do crescimento da pessoa humana na sua totalidade. Os
jovens de hoje pedem para ter uma formação adequada e completa, a
fim de olharem o futuro com esperança e não com desilusão. Aliás
são numerosas as potencialidades criativas da Europa em vários
campos da pesquisa científica, alguns dos quais ainda não
totalmente explorados. Basta pensar, por exemplo, nas fontes
alternativas de energia, cujo desenvolvimento muito beneficiaria a
defesa do meio ambiente.
A
Europa sempre esteve na vanguarda dum louvável empenho a favor da
ecologia. De facto, esta nossa terra tem necessidade de cuidados e
atenções contínuos e é responsabilidade de cada um preservar a
criação, dom precioso que Deus colocou nas mãos dos homens. Isto
significa, por um lado, que a natureza está à nossa disposição,
podemos gozar e fazer bom uso dela; mas, por outro, significa que não
somos os seus senhores. Guardiões, mas não senhores. Por isso,
devemos amá-la e respeitá-la; mas, «ao contrário, somos
frequentemente levados pela soberba do domínio, da posse, da
manipulação, da exploração; não a “guardamos”, não a
respeitamos, não a consideramos como um dom gratuito do qual
cuidar». Mas, respeitar o ambiente não significa apenas limitar-se
a evitar deturpá-lo, mas também utilizá-lo para o bem. Penso
sobretudo no sector agrícola, chamado a dar apoio e alimento ao
homem. Não se pode tolerar que milhões de pessoas no mundo morram
de fome, enquanto toneladas de produtos alimentares são descartadas
diariamente das nossas mesas. Além disso, respeitar a natureza
lembra-nos que o próprio homem é parte fundamental dela. Por isso,
a par duma ecologia ambiental, é preciso a ecologia humana, feita
daquele respeito pela pessoa que hoje vos pretendi recordar com as
minhas palavras.
O
segundo âmbito em que florescem os talentos da pessoa humana é o
trabalho. É tempo de promover as políticas de emprego, mas acima de
tudo é necessário devolver dignidade ao trabalho, garantindo também
condições adequadas para a sua realização. Isto implica, por um
lado, encontrar novas maneiras para combinar a flexibilidade do
mercado com as necessidades de estabilidade e certeza das
perspectivas de emprego, indispensáveis para o desenvolvimento
humano dos trabalhadores; por outro, significa fomentar um contexto
social adequado, que não vise explorar as pessoas, mas garantir,
através do trabalho, a possibilidade de construir uma família e
educar os filhos.
De
igual forma, é necessário enfrentar juntos a questão migratória.
Não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um grande
cemitério! Nos barcos que chegam diariamente às costas europeias,
há homens e mulheres que precisam de acolhimento e ajuda. A falta de
um apoio mútuo no seio da União Europeia arrisca-se a incentivar
soluções particularistas para o problema, que não têm em conta a
dignidade humana dos migrantes, promovendo o trabalho servil e
contínuas tensões sociais. A Europa será capaz de enfrentar as
problemáticas relacionadas com a imigração, se souber propor com
clareza a sua identidade cultural e implementar legislações
adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos europeus e, ao
mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes; se souber adoptar
políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países
de origem no desenvolvimento sociopolítico e na superação dos
conflitos internos – a principal causa deste fenómeno – em vez
das políticas interesseiras que aumentam e nutrem tais conflitos. É
necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos.
Senhor
Presidente, Excelências, Senhoras e Senhores Deputados!
A
consciência da própria identidade é necessária também para
dialogar de forma propositiva com os Estados que se candidataram à
adesão à União Europeia no futuro. Penso sobretudo nos Estados da
área balcânica, para os quais a entrada na União Europeia poderá
dar resposta ao ideal da paz numa região que tem sofrido enormemente
por causa dos conflitos do passado. Por fim, a consciência da
própria identidade é indispensável nas relações com os outros
países vizinhos, particularmente os que assomam ao Mediterrâneo,
muitos dos quais sofrem por causa de conflitos internos e pela
pressão do fundamentalismo religioso e do terrorismo internacional.
A
vós, legisladores, compete a tarefa de preservar e fazer crescer a
identidade europeia, para que os cidadãos reencontrem confiança nas
instituições da União e no projecto de paz e amizade que é o seu
fundamento. Sabendo que, «quanto mais aumenta o poder dos homens,
tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária»,
exorto-vos a trabalhar para que a Europa redescubra a sua alma boa.
Um
autor anónimo do século II escreveu que «os cristãos são no
mundo o que a alma é para o corpo». A tarefa da alma é sustentar o
corpo, ser a sua consciência e memória histórica. E uma história
bimilenária liga a Europa e o cristianismo. Uma história não livre
de conflitos e erros, e também de pecados, mas sempre animada pelo
desejo de construir o bem. Vemo-lo na beleza das nossas cidades e,
mais ainda, na beleza das múltiplas obras de caridade e de
construção humana comum que constelam o Continente. Esta história
ainda está, em grande parte, por escrever. Ela é o nosso presente e
também o nosso futuro. É a nossa identidade. E a Europa tem uma
necessidade imensa de redescobrir o seu rosto para crescer, segundo o
espírito dos seus Pais fundadores, na paz e na concórdia, já que
ela mesma não está ainda isenta dos conflitos.
Queridos
Eurodeputados, chegou a hora de construir juntos a Europa que gira,
não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana, dos
valores inalienáveis; a Europa que abraça com coragem o seu passado
e olha com confiança o seu futuro, para viver plenamente e com
esperança o seu presente. Chegou o momento de abandonar a ideia de
uma Europa temerosa e fechada sobre si mesma para suscitar e promover
a Europa protagonista, portadora de ciência, de arte, de música, de
valores humanos e também de fé. A Europa que contempla o céu e
persegue ideais; a Europa que assiste, defende e tutela o homem; a
Europa que caminha na terra segura e firme, precioso ponto de
referência para toda a humanidade!
Obrigado!
Visita
do Papa Francisco ao Parlamento Europeu e ao Conselho da Europa
DISCURSO
DO SANTO PADRE AO PARLAMENTO EUROPEU
Estrasburgo,
França
Terça-feira,
25 de Novembro de 2014
Fonte:
Santa Sé
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